
Se no mundo do esporte o arrogante tenista Novak Djokovic tirou o charme do jacar� da Lacoste, no mundo pol�tico a funcionalidade do sistema parlamentarista � o principal ensinamento que se extrai da enrascada em que se envolveu Boris Johnson. Pego – ele e sua equipe, juntos e separados – em inadequadas confraterniza��es durante o confinamento imposto pela pandemia, Johnson teve que explicar no Parlamento brit�nico sua falta de responsabilidade.
� uma ferramenta brilhante a regra de que uma vez por semana, estando funcionando o Parlamento, o primeiro-ministro precisa comparecer para responder a perguntas. Perguntas que v�m, por direito, principalmente do l�der da oposi��o. A pr�tica ocorre desde o governo de Harold Macmillan, nos anos 1960.
O questionamento no Parlamento � um dispositivo civilizat�rio, ainda que chame mais a aten��o quando h� esc�ndalo desses que ati�am a revolta no cidad�o. �s vezes parece balb�rdia, mas melhora a qualidade do chefe de governo e do Parlamento.
Ao minimizar a import�ncia de ser r�gido consigo mesmo no cumprimento de uma regra que estava sendo imposta sobre a sociedade, Johnson cometeu um erro comum. T�o comum que muita gente aponta para uma certa hipocrisia dos que querem usar esse pretexto para derrub�-lo. O problema n�o � o erro, mas a falta de compostura num momento de consterna��o nacional.
A imagem da monarca nonagen�ria acompanhando sozinha o funeral do marido na grandiosa capela de S�o Jorge, dentro do Castelo de Windsor, quando justaposta com a informa��o de que naquela madrugada uma festa tinha agitado a resid�ncia do primeiro-ministro, � devastadora. Pouco importa que Johnson n�o estivesse naquela festa, j� que afinal teria participado de outros eventos que n�o respeitavam protocolo.
Todavia, Johnson tem uma qualidade que falta ao tenista: exposto seu equ�voco n�o mente e pede desculpas repetidamente. Ou seja, tem mais higiene nos ideais. E tem uma sorte: n�o tem algu�m como ele em seu partido ao mesmo tempo pronto para liderar e disposto a confront�-lo. O que existe � o Partido Conservador, que manda, e o faz atrav�s da soberania do Parlamento.
Boris Johnson chegou ao poder numa onda que colocou gente muito esquisita no comando de pa�ses importantes. S�o l�deres de uma popularidade que vinha em parte da falta de liturgia e que passavam a impress�o ao povo de que acompanhariam a chefia do governo como quem acompanha um show de televis�o. Como a pandemia equalizou o comportamento de todo mundo, o trote que o eleitor quis pregar no mundo pol�tico ficou sem gra�a. O l�der – seja querendo proibir ou liberar tudo – entrou demais na casa da pessoa. Com a sa�de em risco, ocorreu um retorno � ideia de que governante precisa ser competente, n�o constrangedor.
Com todo mundo submetido a protocolos sanit�rios, a quebra da regra por motivos f�teis passou a carregar uma ofensa pessoal. O p�blico voltou a querer bom exemplo, especialmente de autoridades que pregam a norma que n�o cumprem. Afinal, tem algo no nosso tempo em que h� maior toler�ncia com a cafajestagem honesta do que com a hipocrisia.
Ningu�m gosta de confinamento e afins. Para a maioria das pessoas � ruim e mais cedo ou mais tarde se torna p�ssimo. Mais do que isso, ningu�m gosta de ter a liberdade cerceada. As pessoas concordam com isso por pactos sociais. Pactos por amor ao pr�ximo e a si mesmo, e para que a vida seja menos violenta e curta. Logo, quando as pessoas aceitam restri��es por causa de uma emerg�ncia elas mais esperam de quem tem posi��o de poder e influ�ncia, �nica forma de entenderem a igualdade de direitos e a justi�a.
� verdade que a pandemia n�o tem sido favor�vel para governantes em lugar nenhum. Mas, com todo mundo passando aperto, paci�ncia com deboche diminuiu mais ainda. Situa��o t�o cr�tica que Johnson mesmo j� tinha sido convencido a mudar de ideia e de postura. Ele talentosamente transitou de negacionista para grande enfrentador da pandemia aproveitando a alta volatilidade da opini�o p�blica no Reino Unido sobre a pandemia.
Os brit�nicos foram de 85% favor�veis ao confinamento geral em janeiro de 2021 at� uma situa��o em que, no m�s passado, apenas cerca de 20% apoiavam fechar bares e proibir encontrar com n�o familiares em ambientes fechados. Johnson se deu mal na confus�o de proibir festas dos outros, mas n�o na resid�ncia oficial. O apoio p�blico derreteu.
Ele, no entanto, s� cai se receber voto de desconfian�a iniciado por 15% dos congressistas conservadores e confirmado por maioria simples. Para evitar isso, est� tentando fazer do lim�o uma limonada propondo o abandono da maioria das restri��es relativas � COVID. � um camale�o simp�tico, domado pelas virtudes do parlamentarismo. (Com Henrique Delgado)