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Estado de Minas OPINI�O

Adeus a Franco Rotelli

'A medicina da alma incomoda a psiquiatria hospitalar, pouco sens�vel � import�ncia da alta do paciente'


26/03/2023 04:00 - atualizado 25/03/2023 18:48

retrato do psiquiatra Franco Rotelli
Franco Rotelli, psiquiatra e ex-diretor do Servi�o de Sa�de Mental de Trieste, It�lia (foto: Reprodu��o/Redes Sociais)
Grazie Franco!. Obrigado Franco, foi o t�tulo do bilhete deixado na porta da casa do psiquiatra de 80 anos, em Trieste, It�lia, no dia 16 de mar�o, quando foi anunciada sua morte. Dizia, “somos loucos e voc� defendeu nossos sonhos, abandonou as regras em favor de nossas necessidades. Voc� que lutando contra velhas verdades nos deixou menos loucos, porque loucos em liberdade”. Junto ao bilhete, assinado “Loucos de Trieste”, foi deixado um buqu� de flores.

Rotelli foi o mais importante colaborador de Franco Basaglia, autor da luminosa e inspiradora lei de desospitaliza��o e ressocializa��o de doentes mentais. A Lei Basaglia redirecionou o modelo de aten��o aos portadores de sofrimento ps�quico, mudan�a iniciada de forma parcial por reformistas brit�nicos. Mas tudo mudou para valer quando Basaglia dirigiu o manic�mio de Gorizia, cidade da regi�o de Veneza, considerado o marco inicial da psiquiatria social.

Rotelli, italiano nascido em Cremona, comunidade da regi�o da Lombardia, dedicou sua vida a reparar pessoas quebradas pela m�quina impiedosa que preserva e fabrica de forma maltratada seres humanos destru�dos pelo sofrimento mental e feridos pelo preconceito.

Rotelli � da estirpe e da galeria dos grandes nomes da psiquiatria humanista mundial, seguidor de David Cooper, Ronald Lang, Irving Gofman, Michel Foucault, Nise da Silveira, Felix Guattari e parceiro insepar�vel de Franco Basaglia. Houve uma �poca em que as pessoas riam sem interesse, o humor n�o era insulto, havia a possibilidade de uma vida ps�quica autogerida. O louco fazia parte da paisagem e a compreens�o humana era o principal protetor dos que vivem em desvantagem.

Quando as pessoas perderam o direito � vida livre nas cidades; aumentou a viol�ncia; o trabalho passou a ser sin�nimo de penosidade; a identidade entrou em deriva levando as diferen�as humanas para os tribunais; as regras da economia passaram a n�o valer nada, somente servir para empobrecer a maioria das pessoas; a escola perdeu o rumo, se tornou obsoleta ou falsamente moderna; a religi�o virou neg�cio; a pol�tica ficou rid�cula; a tecnologia ocupou o lugar do cora��o humano....a doen�a mental aumentou vertiginosamente e o sofrimento psicol�gico passou a predominar.

Imediatamente, para competir com os hosp�cios, surgiram as t�cnicas de encarceramento qu�mico, comunidades terap�uticas oferecendo tratamento moralista e entupir os inc�modos sedativos para adoecer o inadaptado ao mundo adoecedor. Pessoas fr�geis, t�midas, traumatizadas, nem sempre aguentam as decep��es e a perda do sentido pedag�gico e terap�utico de uma vida pessoal e comunit�ria que n�o seja impulsionada pela compreens�o, felicidade e alegria.

A medicina da alma incomoda a psiquiatria hospitalar, pouco sens�vel � import�ncia da alta do paciente, mesmo quando sua condi��o cl�nica � determinada por seu destino. O aprisionamento hospitalar, em sua vers�o mais doentia, o manic�mio, n�o deixa o sofredor mental libertar-se de suas correntes pulsionais utilizando sua fantasia, seus sonhos, suas alucina��es. Rotelli, como diretor por mais de 15 anos do Hospital de Trieste, espalhou sua vis�o humanista de tratamento pelo mundo e criou servi�os alternativos � interna��o.

N�o aceitava reduzir o ser humano � soma de seus sintomas cerebrais, nem usar jarg�o e inj�ria contra quem precisa de aten��o, acolhimento e cuidado. Um desafio ao mundo frio da estupidez vestida de ci�ncia, a pretensa racionalidade da farmacologia e do diagn�stico cl�nico devorador do esp�rito, onde a m� medicina se imagina o rem�dio da doen�a que ajudou a agravar.

A boa psiquiatria, psicologia ou psican�lise, precisa de grandeza para n�o duvidar que o inconsciente de um profissional tamb�m est� atuando quando pensa saber mais do que o inconsciente daquele que o procura. Na medicina, quem se faz de senhor, quer que o outro se fa�a de servo.

Um saber cl�nico necess�rio ao sucesso da reforma psiqui�trica tem que se dedicar a cultivar uma psicoterapia de car�ter cl�nico-social dirigida � autoestima do usu�rio do servi�o, a deix�-lo flanar, assistido ou por seus pr�prios meios, sem a conten��o arrogante dos servi�os fechados.

O cientificismo m�dico-hospital-farm�cia e sua pretens�o de ultra especializa��o sem a escuta do paciente � fraude, pois quem trata de seres humanos n�o pode ser um mero perseguidor de sintomas. E aquele que sabe diagnosticar nada ajuda se n�o tiver simpatia e bondade pelo que sofre.

Conviver com Franco Rotelli foi uma das melhores coisas da minha vida.  Suas ideias inspiraram a lei brasileira da reforma psiqui�trica que tive a honra de ser o autor. Grazie Franco! Por todos.

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