
O feriado no meio da semana marcou mais um anivers�rio da rep�blica. O de n�mero 134, desde a revolta militar no Rio de Janeiro, em 15 de novembro de 1889. Muitos aproveitaram para se refrescar do calor punitivo que afeta mais de metade da popula��o brasileira. Mas n�o vi nenhuma not�cia de quem tenha aproveitado para festejar o motivo do feriado. Nem mesmo nos quart�is. Se questionada, a popula��o n�o saberia bem por que o general Deodoro teria ousado levantar sua espada contra o imperador Dom Pedro II. Outros militares de alta patente transformaram o gesto do general numa insurrei��o contra a monarquia. O povo, na impag�vel express�o do historiador Jos� Murilo de Carvalho, a tudo assistiu “bestializado”.
Fazendeiros descontentes com a liquida��o final da escravatura pela Princesa Isabel, decretada no ano anterior, acharam que o ato de deposi��o da fam�lia real era “muito bem feito para esses abolicionistas”. O imperador, que havia exercido o chamado Poder Moderador com absoluta lisura e mestria pol�tica desde sua precoce ascens�o ao trono em 1841, fez seu �ltimo gesto de concilia��o nacional e amor ao Brasil, n�o reprimindo os revoltosos – o que seria plaus�vel, leg�timo e at� desej�vel para o pa�s. Dom Pedro foi embarcado �s pressas, com a fam�lia, para o ex�lio no exterior. L� veio a falecer, poucos anos depois, e seus restos mortais foram, em seguida, trazidos para repousar na sua Cidade Imperial – Petr�polis (RJ) - de onde jamais deveria ter sido expulso.
O brasileiro vive at� hoje as consequ�ncias do rancor pessoal de um general e do excesso de modera��o do l�der maior do Brasil no s�culo 19. Ano passado, o acad�mico e pensador mineiro Edmar Bacha, com mais dois pesquisadores, desmontou a tese vigente acerca da suposta “estagna��o” do Brasil durante a fase imperial. Com novos dados pesquisados sobre a economia do imp�rio, ficou patente que o alegado estancamento da renda per capita n�o passara de erro grosseiro de historiadores apressados. No imp�rio, agora se sabe, a renda por habitante cresceu todos os anos, quase 1% em m�dia, num ambiente de progresso harmonioso, embora tendo o Brasil enfrentado guerras e revoltas, com destaque para a Guerra do Paraguai.
Na rep�blica, desde 1889, o Brasil passou por uma montanha-russa de altos e baixos, muito bem ilustrados no �timo livro “Hist�ria da autoestima nacional”, do competente economista e empres�rio Gast�o Reis Rodrigues Pereira, cuja leitura � obrigat�ria para quem queira sacar o v�u da ignor�ncia que nos tem impedido de avaliar a extens�o da troca infeliz, que um dia fizemos, de uma monarquia democr�tica para uma rep�blica demag�gica, em fun��o da quartelada do 15 de novembro.
Nesse livro, Gast�o Reis demole o mito do progresso da nossa cidadania efetiva no per�odo republicano. Trata-se, no arguto dizer do autor, de estarmos, hoje, sendo regidos por institui��es p�blicas que convivem com um conceito de democracia que come�a pelo voto, mas que termina no dia da elei��o. Aqui o eleitor, depois de depositar seu voto, perde instantaneamente o controle do processo decis�rio da pol�tica, passando a estar � merc� da vontade dos pol�ticos eleitos que, em geral, n�o respeitam nem consideram a vontade de seus eleitores. O resultado � um pa�s que tem sido sempre dominado por fac��es de interesses paroquiais e que, nos �ltimos tempos, tem “evolu�do” para fac��es armadas, com amplo controle territorial, de que � viva testemunha a popula��o do estado do Rio de Janeiro, agora enfrentando um segundo epis�dio de interven��o militar em sua (in)seguran�a p�blica.
Rui Barbosa, que muitos consideram nosso compatriota “mais inteligente”, morreu desencantado com a solu��o republicana que tanto defendera. O desapontamento vinha pelo fato de a rep�blica, cuja palavra significa “coisa (res) p�blica”, ou seja, a preval�ncia do interesse geral e p�blico, j� tinha virado, naquela altura, a “r�-publica” dos pedidos de favor, de subs�dios e nomea��es pol�ticas, de apadrinhamentos e compadrios.
Enfim, um consist�rio de r�us, o oposto da ficha-limpa. Marcada, desde ent�o, por grandes espasmos autorit�rios e recess�es agudas, quando tudo caminha para tr�s, a rep�blica brasileira marcha com vigor para o p�ntano da estagna��o econ�mica e moral. Os brasileiros t�m, no seu imagin�rio, a ideia fixa de mudar de pa�s. Portanto, n�o � s� o calor dos �ltimos dias que tem feito derreter nossas esperan�as. As institui��es desta rep�blica t�m sido um ma�arico contra nossa cidadania.