
A sabedoria popular nos ensina que � nas horas mais dif�ceis que conhecemos as pessoas. O que dizer, ent�o, de nossos pol�ticos e dos altos funcion�rios, confortavelmente instalados nas camadas celestiais da administra��o p�blica brasileira? A pandemia da COVID-19 vem fazendo o que as crises geralmente fazem: desvelar situa��es de privil�gios, injusti�as, ego�smo e, n�o raro, safadezas.
A crise tem dado aos brasileiros comuns a oportunidade de ver, com perplexidade e indigna��o, uma diferen�a que todos sabiam existir, mas que agora pode ser percebida em sua face mais perversa. Submetido a uma quarentena v�rias vezes alongada e de cuja efic�cia muitos m�dicos e cientistas do mundo j� duvidam, o esfolado pagador de impostos tem dormido mal.
Afinal, al�m do medo da doen�a, martelada diuturnamente por autoridades e pelas m�dias – ambas nem sempre confi�veis –, ele convive com o pavor de, a qualquer momento, n�o poder mais dar � sua fam�lia o sustento e a seguran�a que ela tem hoje. Se para o trabalhador ou pequeno empres�rio � dram�tico ter um amanh� assim t�o incerto, � de se imaginar o que se passa com milh�es de outros brasileiros que j� entraram para a estat�stica do desemprego e para a precariedade dos bicos.
Ainda n�o foram divulgados os dados oficiais do mercado de trabalho, mas as primeiras estimativas do governo s�o de que pode chegar a 10 milh�es o n�mero de desempregados por causa da paralisa��o da economia. Outros 6 milh�es mantiveram seus empregos, mas perderam parte do sal�rio, al�m dos cerca de 37 milh�es de informais que tiveram de recorrer ao programa de ajuda emergencial do governo.
S�o as primeiras consequ�ncias da recess�o econ�mica provocada pelos choques de demanda e de oferta. Em abril, as montadoras de ve�culos registraram um recorde: a produ��o caiu 99%, com forte impacto sobre sua longa cadeia de fornecedores. Do lado do consumo, a Fenabrave, entidade nacional dos revendedores de ve�culos, calcula que, at� o fim deste m�s, um ter�o de suas filiadas pode fechar as portas por falta de vendas.
Reabertura gradual
Isso � s� o come�o da temporada de preju�zos para a economia. Os dados do IBGE sobre o desempenho do setor de servi�os, que responde por cerca de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) do pa�s, s�o aguardados com ansiedade. Na m�dia das expectativas, o PIB dever� fechar 2020 com queda hist�rica entre 5% e 6%, com a taxa de desemprego acima de 15%.
Portanto, a menos que parte expressiva do mapa do Brasil, especialmente nas regi�es Sul, Sudeste e Centro-Oeste, comece logo a mostrar pontos de reabertura gradual e respons�vel das atividades do com�rcio e da ind�stria, 2020 ser� o pior ano do s�culo. Disso se excluem os que t�m empregos garantidos por lei e sal�rios pagos pelos cofres p�blicos.
Para esses, n�o importa que a recess�o econ�mica derrube tamb�m a arrecada��o de impostos. Sempre se “pode” apelar para o endividamento p�blico e � nessa dire��o que as chamadas “press�es pol�ticas” tendem a prevalecer. Ou seja, enquanto o setor privado corta dolorosamente os empregos e reduz os sal�rios para sobreviver � crise, as corpora��es do setor p�blico buscam – e quase sempre conseguem – o aumento de seus ganhos.
Para isso, contam com o apoio dos pol�ticos. Afinal, a conta do endividamento n�o ser� paga por eles, mas pelo povo. � o que se tem visto nos �ltimos dias. Na semana passada, o Congresso discutiu e votou o projeto de congelamento – e n�o de corte – por dois anos dos vencimentos do funcionalismo.
O texto propunha tamb�m a suspens�o, por dois anos, da contagem do tempo para a concess�o de vantagens (por si injustific�veis) como tri�nios, abonos e quinqu�nios. Como se sabe, esses penduricalhos acabam provocando um aumento anual autom�tico de 7% a 9% das folhas do servi�o p�blico, mesmo que n�o se pratique qualquer reajuste nos vencimentos.
Veto respons�vel
Esse congelamento seria a contribui��o de quem tem o emprego garantido na administra��o p�blica ao esfor�o financeiro de combate � COVID-19. Mas o que se viu foi uma corrida de senadores e deputados para excluir do texto as categorias em que pretendem ter eleitores. O resultado foi a desmontagem da economia que seria feita em favor da guerra contra o coronav�rus.
N�o foram s� deputados e senadores que afrontaram o bom senso e desrespeitaram os milh�es de desempregados do Brasil. No Mato Grosso, o procurador-geral de Justi�a do estado instituiu um “b�nus COVID” de R$ 500 para os funcion�rios do Minist�rio P�blico local e de R$ 1 mil para cada um dos procuradores.
Acertou o governo federal quando abriu m�o do controle fiscal deste ano para fazer frente � pandemia, mas vai errar se o presidente da Rep�blica n�o vetar mais essa irresponsabilidade dos pol�ticos, que colocam o voto do funcionalismo acima dos interesses do pa�s. A leni�ncia fiscal de 2020 tem de ser encarada como uma excepcionalidade que vai custar caro ao contribuinte e, portanto, n�o pode servir de licen�a para gastar � vontade. A esta altura, n�o parece prudente aumentar a indigna��o da popula��o.