(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas M�DIA E PODER

Novo rid�culo � patrulhar ideologicamente quem est� quieto no seu canto

Patrulha ideol�gica cobra posi��o pol�tica de artistas e treinadores de futebol que n�o querem se aliar � direita ou � esquerda, mas cuidar de seu trabalho


10/06/2021 06:00

Técnico Tite e atriz Juliana Paes foram patrulhados nos últimos dias
T�cnico Tite e atriz Juliana Paes foram patrulhados nos �ltimos dias (foto: CBF/Divulga��o - Flickr/Picasa)


Patrulhamento ideol�gico j� � por natureza uma coisa calhorda, de gente covarde que precisa dobrar o outro a suas cren�as para se sentir confort�vel em sua mediocridade.

 

Num segundo momento, denunci�-lo a seus iguais em busca de refor�o para os argumentos racionais que n�o tem.

 

Pois inventaram coisa pior, o patrulhamento de quem n�o quer ter cren�a alguma, mas apenas o direito de ficar quieto no seu canto.

 

� um tipo de cobran�a de incoer�ncia de quem est� querendo ser coerente com seus bot�es, sua vida e seu trabalho. Qual o problema?

 

A cantora Cl�udia Leitte desceu aos infernos ao dar a Serginho Groisman, no Altas Horas, uma resposta mais existencial que pol�tica � pergunta sobre o que a indignava.

 

— Eu tenho um cora��o pacificador. Eu me indigno, sou capaz de virar tudo pelo avesso, chutar as barracas, mas eu acho que todo mundo tem um lugar onde pode brilhar uma luz para desfazer o que est� acontecendo. E se essa luz se acende, obviamente, n�o vai ter escurid�o.

 

Como Ana Maria Braga e Deborah Secco, tamb�m presentes, ecoaram o que � de bom tom na etiqueta de indigna��o geral contra os desmandos do governo, Cl�udia foi acusada de "isentona". E, indignada com a pecha, cometeu a besteira de vir a p�blico se desculpar por ser diferente.

 

Num t�tulo um tanto quanto pat�tico pelo que incorpora de patrulhamento, o site G1 escreveu que "Cl�udia Leitte pede desculpas por n�o se indignar com situa��o do pa�s".

 

Suas desculpas, em v�deo nas redes, � uma amplia��o da patetice de algu�m que anula suas convic��es para ficar do mesmo tamanho da mediocridade que a tentou nivelar:

 

— Mais do que um desabafo, esse era um momento em que eu precisava ter muita consci�ncia de meu papel social e eu n�o tive. (...)  Eu acho que o artista tem um papel que precisa ficar muito claro. Eu subo num palco para cantar, eu sirvo o outro, movimento pessoas. Eu fa�o entretenimento, mas fa�o com uma miss�o, com um prop�sito. 

 

Tinha acontecido antes, com Felipe Neto, que patrulhou os cantores sertanejos por fazerem lives enquanto o pa�s desaba. Aconteceu  duas semanas depois com a atriz Juliana Paes. 

 

Ela tinha publicado um post por raz�es humanit�rias contra os excessos dos homens da CPI da Covid contra uma mulher, a m�dica Nise Yamaguchi, na linha da maioria das pessoas de bom senso que conhe�o.

 

Foi ao inferno como Cl�udia, acusada de fazer o jogo do governo, e ao inferno e meio quando resolveu sair do seu canto para contestar os excessos de uma ex companheira de cena com o mesmo tipo de cobran�a.

 

Diferente dela, cometeu o pecado maior de ser ela mesmo e afrontar os med�ocres, tanto � direita quanto � esquerda.

 

— Eu n�o apoio os ideais arrogantes de extrema-direita, n�o apoio del�rios comunistas da extrema-esquerda, eu quero respeito e acolhimento a todas as causas minorit�rias, mas eu quero que isso aconte�a independentemente de ideologia pol�tica.

 

Como sempre, tedioso como nunca, desde que o patrulhamento arrebentou a reputa��o de muita gente, desde Wilson Simonal, foi apoiada e condenada por listas de artistas de cada lado, ansiosos por uma cumplicidade salvadora que lhes d� conforto em suas cren�as e sua falta de argumentos n�o ideol�gicos.

 

Cl�udia e Juliana, como alguns sertanejos patrulhados por Felipe Neto, escolheram o pior caminho. Deveriam ter defendido o que disseram com algumas provas, a mais contundente prova de personalidade, ou o sil�ncio, que � sempre melhor conselheiro.

 

Em se podendo e tendo um pouco mais de coragem de perder seguidores e renda, poderiam ter fechado a caixa de coment�rios de suas redes sociais. Como ensinava o meu eterno guru Mill�r Fernandes:

 

— Voc� n�o pode evitar que os urubus voem sobre sua cabe�a, mas pode evitar que eles defequem nela.

 

Ou, melhor ainda, poderiam ter aprendido com Tite, o t�cnico da sele��o que entrou no olho do furac�o por ter apenas insinuado ser contr�rio aos interesses do governo no caso da Copa Am�rica. Quando o mundo veio abaixo, com direito a pancada at� de um dos filhos presidenciais com a eleg�ncia de costume, respondeu que:

 

— Eu tenho muito respeito ao meu trabalho. As pessoas acham que devemos ter opini�o para tudo quando devemos ter opini�o � pelo futebol, devemos ter a nossa capacidade testada e nosso lugar de fala daquilo que nos diz respeito.

 

O neg�cio dos cantores sertanejos, como o de Cl�udia, � m�sica, assim como o Juliana � representa��o e o de Felipe Neto divertir as crian�as com seu canal de joguinhos e curiosidades da internet, como uma Xuxa p�s-moderna mais ideol�gica que vem gostando dos aplausos dos adultos.

 

Sempre achei que artistas deveriam se ater a seu of�cio, sobretudo em entrevistas. N�o porque n�o tenham direito de opinar sobre qualquer coisa. Mas porque s�o maiores quando falam de si mesmos, de suas obras e de seu processo de cria��o. 

 

Seu terreno, sua tribuna e seu hero�smo s�o suas produ��es. Sua revolu��o, a mensagem transformadora e subliminar que passam nela. Em diferentes graus, m�sica e atua��es arrebatadoras podem transformar tanto quanto grandes livros, pe�as e filmes.

 

Sinto particular irrita��o quando o entrevistador estraga uma conversa sobre o artista e sua obra com perguntas destinadas a cobrar-lhe opini�o para salvar o mundo. 

 

Por essas raz�es, desliguei na metade o Roda Viva recente com o sensacional F�bio Porchat, que acessei para ouvir sobre seu processo de cria��o e seu envolvimento art�stico com o mais bem sucedido canal de humor da internet do Brasil, o Porta dos Fundos.

 

At� a�, a bancada de tr�s jornalistas de ve�culos alternativos e dois escritores s� tinham procurado arrancar dele opini�es sobre ass�dio (a partir do caso Marcos Melhem), pautas identit�rias, discurso de �dio e o papel do governo na pandemia.

 

O comunicador Edgar Piccoli cobrou-lhe uma especula��o filos�fica de solu��o geral para a humanidade e a supera��o da trag�dia:

 

— Como voc� nos enxerga como sociedade e como voc� acha que vamos sair dessa?

 

A apresentadora Vera Magalh�es tentou puxar pela sua rela��o com a religi�o, em face dos v�deos pol�micos do canal sobre Cristo, e o ilustrador Paulo Caruso fez uma interven��o — incomum por seu papel no programa — sobre seu processo de cria��o, mas n�o teve como a coisa desandar. 

 

Tal desvio de finalidade era absurda e irritantemente comum na mesma sociedade conflagrada da abertura democr�tica, final dos 80 e in�cio dos 90. Os grandes da �poca — Fernanda Montenegro, Chico Buarque ou Caetano Veloso — eram aguardados na maioria dos programas de TV para pontificar, n�o de teatro ou literatura, mas de elei��es diretas, infla��o e d�vida externa.

 

Tenho absoluta certeza de que Porchat n�o � a pessoa mais indicada para discorrer sobre a pauta que lhe apresentaram e renderia muito mais se tivesse cercado de profissionais que entendem do seu of�cio, como Caruso, que se intrometeu por exce��o.

 

Como Juliana, Cl�udia, sertanejos, Fernanda Montenegro ou Chico Buarque n�o o s�o para palestrar sobre pol�tica econ�mica ou infectologia. Seus inc�modos diante do governo ou do mundo s� s�o relevantes como notas de rodap�, na medida em que influenciam seu processo de cria��o.

 

Cl�udia Leitte est� muito errada quando sugere em sua retra��o que tem um prop�sito pol�tico. Isso � marxismo cultural e coisa de intelectual org�nico a servi�o de um partido. O papel do artista, se n�o � candidato, � o da busca da transcend�ncia, essa sim que melhora a fundo a vida de seus f�s.

 

Deles e de suas obras maravilhosas, quero suas motiva��es internas, suas influ�ncias, suas inseguran�as, seus m�todos. O que fazem e como fazem, que engenharia infernal obram dentro de seus of�cios para arrebatar plateias com muito mais compet�ncia e capacidade de transforma��o, subliminarmente, do que um Lula ou um Bolsonaro.

 

Aqui, mais textos meus no Facebook

 

Aqui, outros artigos meus na coluna do Estado de Minas 

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)