
� um jogo de dissimula��o, com variados graus de transpar�ncia. No mais singelo, omite-se um pequeno defeito, no mais grave, entrega-se o carro sem um tapete ou uma calota, depois do combinado.
Em que a honestidade � quase sempre exce��o ou descuido. Como j� disse Mill�r Fernandes a respeito de pol�ticos, que caberia em vendedores de carros:
— Por mais h�bil que seja, o pol�tico (ou o vendedor de carros) acaba sempre cometendo alguma sinceridade.
Confesso que comecei disposto a comprar do m�dico Otto Alencar, do PSD da Bahia, influenciado por seus cabelos brancos e alguns v�deos isolados de um desempenho firme, embasado e respeitoso contra depoentes anteriores.
De antem�o sabia que n�o compraria de pelo menos tr�s: do senador da Rede do Amap� Randolfe Rodrigues, do presidente Omar Aziz e do relator Renan Calheiros.
N�o porque fossem capazes de ficar com uma calota (no meu tempo, tirava-se o r�dio, destac�vel), esconder um tapete ou omitir um ronco depois de determinada velocidade. N�o quis levar em considera��o suas vidas pregressas ou eventuais processos na justi�a.
Randolfe tem um jeito meio hist�rico de condenar nos outros os meios que utiliza. Se pedem a convoca��o ilegal de governadores por retalia��o, ele retalia pedindo a convoca��o do presidente da Rep�blica, que tamb�m n�o pode.
Para irrit�-los um pouco mais, avan�a sobre outras convoca��es sabidamente equivocadas, porque fora do foco da comiss�o, como a do ex-ministro da Sa�de que participou de motociata ou a do presidente da CBF que aceitou realizar a Copa Am�rica no solo da pandemia.
Se o advers�rio reage, grita mais do que ele. Como se eu perguntasse alguma coisa sobre um arranh�o no paralama traseiro, e ele, reativo:
— Voc� nunca teve carro com arranh�o, n�o?
Omar Aziz � o juiz que toma partido e aproveita oportunidades de de uma autopromo��o midi�tica em cima das acusa��es mais duras dos outros. Num campo de futebol, seria o juiz que apita faltas discut�veis em favor do time da casa.
Numa tentativa de venda, se n�o estivesse promovendo carro alheio, diria que s� est� me vendendo porque foi com a minha cara.
J� Renan n�o me deixaria falar. Tem uma mistura de retardo mental de quem n�o presta aten��o no comprador, interrompe quando o interlocutor tenta costurar o racioc�nio e � maligno para repetir a mesma pergunta de diferentes formas e maldades at� for�ar uma contradi��o.
Perguntaria que tipo de carro procuro e me interromperia quantas vezes fossem necess�rias para induzir ao modelo que tem em estoque. Apoia-se numa retaguarda tamb�m maligna para descosturar meu racioc�nio e provar que minha l�gica de carro ideal est� errada.
Nise Yamaguchi s� conseguiu come�ar a depor aos 102 minutos de uma reuni�o que gastou a primeira hora discutindo o que n�o � de sua compet�ncia, a Copa Am�rica.
Os senadores que querem punir o presidente da Rep�blica por erros passados procuram uma forma de culp�-lo pelos futuros.
Em menos de 30 segundos, quando encaminhava a resposta � primeira investida de Renan, sobre imunidade de rebanho, a m�dica de 40 anos de hist�ria cient�fica foi interrompida pelo senador Rog�rio Carvalho.
Estava disposto a ensin�-la que, n�o, doutora, v�rus n�o produz imunidade. E, ante a tentativa dela de entrar no assunto quuando ainda ia pelos 20 segundos de fala ("eu disse que..."), ele: "n�o, n�o, doutora, a senhora disse que..."
Como seu colega mais antigo e mais vistoso do PT, Humberto Costa, � do tipo que tira uma frase do contexto, enfatiza, exp�e algum documento, faz palanque. Numa eventual venda de um Marea antigo, seria bem capaz de subir no cap� para discursar sobre suas vantagens.
Passado o bate-boca que consumiu mais alguns minutos, Renan mandou exibir alguns trechos m�nimos de entrevistas da m�dica sobre imunidade de rebanho e tentou coloc�-la na cena do crime — o tal gabinete paralelo de que ela teria participado para recomendar ao presidente, tratamento precoce e a tal imunidade.
Na primeira tentativa em que ela tenta contextualizar, ele pede que ela apenas diga "sim" ou "n�o", se opinou a favor dessa imunidade. Quando ela tenta organizar o racioc�nio para dizer que falou em determinada circunst�ncia, ele inquire como se ela tivesse inventado a express�o e o fen�meno, embutido a resposta:
— Ent�o, a senhora � a favor da imunidade de rebanho?
Ela tenta dizer que n�o se trata de opini�o, mas de uma realidade…
— A senhora acha que essa era a estrat�gia do governo? — corta.
Passa um v�deo inadequado para a hora, a n�o ser para efeito fora da CPI, e sabidamente conhecido de falas de Jair Bolsonaro minimizando v�rus, m�scaras e lockdown. Para lhe pedir o que tamb�m n�o cabia � depoente:
— A senhora concorda com essas opini�es...?
Ela diz que n�o lhe compete emitir esse tipo de opini�o. Tenta dizer que opini�es pertencem a quem d�, etc… Ele corta de novo. Pede mais objetividade:
— A senhora quer dizer que n�o considera essas opini�es erradas?
— N�o. Eu quero dizer que n�o me compete discutir isso.
Com muita dificuldade, sem prestar aten��o sen�o nas falas iniciais dela para retrucar, diz que vai formular de outra maneira. Enfim e de forma mais correta:
— A senhora acha que essa era a estrat�gia do governo?
E, em seguida, numa nova tentativa dela de emendar sua l�gica, induz de novo a resposta na pergunta:
— Acha que foi uma opini�o acertada?
Quando ela volta a reagir que n�o lhe cabe dar opini�o pol�tica, mas cient�fica, ele abre os bra�os, vira os olhos para o teto e o tronco para a plateia, numa encena��o de busca de apoio. Como se dissesse: "Eu at� tentei..."
— A senhora n�o est� respondendo — acusa, sem conseguir que seu primeiro neur�nio comunique ao segundo que era exatamente o que ela estava tentando fazer.
No que desanda para o bate-boca que � praxe nesse tribunal de vendedores de ilus�es que mal consegue fazer uma reuni�o consequente.
O senador Jorginho Mello, do PL de Santa Catarina, de quem eu at� compraria um carro n�o fosse um tanto prolixo, tenta aconselh�-la no que n�o � seu forte: deixar de responder de forma prolixa. "Diga sim ou n�o."
Mais alguns barracos em que o presidente tira mais algumas casquinhas midi�ticas e j� l� se foram uma hora de depoimento e duas horas e uns cinco minutos de reuni�o. At� o ponto em que a senadora Leilane Barros chega de seu gabinete revoltada, para pedir um pouco de respeito e ordem na bagun�a.
— Ela n�o consegue completar um racioc�nio.
Omar ainda tenta repreend�-la, apitando em favor do time da casa, mas ela corta dura e segura de que vinha percebendo o desrespeito desde seu gabinete.
A partir da�, a coisa anda a seu moto pr�prio, de performances individuais quase sempre para uso externo, na dan�a de pav�o em que a maioria de Suas Excel�ncias � craque.
A essa altura, eu j� sabia que tamb�m n�o compraria um carro do primeiro vendedor de minha prefer�ncia, o m�dico Otto. Pior do que Renan que n�o deixa o comprador falar, usa toda a sua ret�rica para agredi-lo.
Foi pat�tico, para dizer o m�nimo de sua fala inquisitorial e pedante, pedir � cientista de uma vida dedicada � Ci�ncia que explicasse a diferen�a entre um v�rus e um protozo�rio.
Numa eventual transa��o para colocar fora um Sedan de motorista pago com dinheiro p�blico e desqualificar meus argumentos, me perguntaria se sei a diferen�a entre um cabe�ote e uma biela.
A boba, com seu jeito tranquilo que parece bobo, perdida num monte de pap�is, ainda se deu o trabalho de pedir para responder, quando p�de.
Tudo somado e calculado, uma reuni�o de sete horas poderia ter se esgotado em 30 minutos, dada a irrelev�ncia t�cnica da convidada. At� porque, como confessou o presidente Aziz, num ato falho: "n�o vamos mudar nossa opini�o, mesmo".
E acabo por concluir que n�o compraria de nenhum dos senadores da tropa de choque do governo, por motivos �bvios. Fariam elogio de autenticidade com a mesma veem�ncia de vendedores de pe�as falsas na feira de Acari.
Algu�m que se veste com tal eleg�ncia, refletida nos gestos e na abordagem honesta com a depoente de quem diverge, n�o deve mentir sobre arranh�es ou roncos ocultos.
Se Renan seria a �ltima pessoa de quem eu compraria um carro usado e jamais seria gerente de minha oficina, � quase certo que eu compraria de Alessandro Vieira.
O policial do Sergipe, do Cidadania, � igualmente elegante nos gestos e na abordagem, igualmente bem vestido. Utiliza informa��o de qualidade como arma de interrogat�rio e desmonte da testemunha. N�o para uso de inten��es ocultas.
Tolerante com as dificuldades ou as tentativas sutis ou involunt�rias da pobre senhora, confusa entre seus pap�is, de dissimular:
— Tudo bem — disse, depois de perceber o desarranjo dela para localizar um estudo. — Estou vendo que a senhora est� tendo dificuldades. Depois a senhora manda para a CPI.
Como na grande frase de Mill�r, n�o parecia estar fazendo for�a para ser honesto.
Tentava o que � raro em seus colegas, sem o tipo de tumulto e maldade para uso pessoal inerente a essa classe de vendedores pouco confi�veis que ajuda a explicar por que essa � a institui��o mais desmoralizada da Rep�blica.
