
Nessa segunda temporada, mais teatral que a dire��o flu�da da primeira, n�o sobra resqu�cio ou esfor�o de cr�tica moral. � uma
ciranda de sexo ostensivo mal disfar�ada no fio fraco da trama central de vingan�a da filha do empres�rio (Aghata Moreira).
Se, na primeira, a prostitui��o era um efeito colateral de um ambiente que opera no plano da beleza e da sedu��o, nesta ela � a personagem central, motor da engrenagem em que todas as rela��es se movem, mesmo as de p�, em casa, escrit�rios e coquet�is de neg�cios.
A virgem recatada da primeira temporada, j� incorporada �s conveni�ncias desse mundo de books rosas, n�o tem mais constrangimento de aceitar, logo nas primeiras dificuldades financeiras, a oferta de um empres�rio interessado em sadomasoquismo.
A estilista (Deborah Evelyn) se afasta do marido na roda do coquetel para pedir � dona da ag�ncia (Maria Medeiros) o contato do novo modelo de peito de gladiador.
— J� estou imaginando esse homem sem roupa diante de mim… Acho que eu morro…
Mais ladina e predadora sexual do que a cafetina de luxo da primeira temporada, a excelente Marieta Severo, do tipo que sobe na mesa para devorar um modelo, a empres�ria vai ajud�-la com �libis para trair o marido e contratar modelos de programa, no tipo de corrup��o inerente ao v�cio.
Tamb�m compra drogas de um traficante que circula nas altas rodas dizendo que sua profiss�o � como outra qualquer e negocia o s�men de seu plantel de modelos com uma cl�nica picareta de fertiliza��o in vitro. Em troca, pede ao m�dico que dope a mulher do dono da boate com quem est� transando.
Outra virgem retumbante do sub�rbio est� a caminho de entrar na roda para repetir o mesmo calv�rio da primeira, enquanto tenta proteger a m�e (Maria Lu�za Mendon�a) que apanha do padrasto que a assedia e a observa tomar banho enquanto se masturba.
Sintomaticamente, nesse mundo fluido e sem fronteiras, � um homossexual delirante no sub comando da ag�ncia (
Rainer Cadete, lev�ssimo) que baila entre os v�rios n�cleos, de modelos a estilistas, iniciantes a empres�rios, fazendo e vendendo conex�es. Enquanto n�o se diverte �s escondidas com o namorado da chefe.
Sim, tamb�m h� cenas fortes entre homens e at� uma de beijo grego j� devidamente viralizada, que rivaliza em constrangimento com a da modelo assediada por um grupo de empres�rios num leil�o de porches.
� um
mercado de sexo, de corpos bel�ssimos e sarados em pouca roupa, peitos nus, decotes generosos, conversas � flor da pele, muito vapor em conversas inflam�veis de desejo e um abuso impressionante dos corpos das jovens protagonistas Camila Queiroz e Aghata Moreira.
Quase tudo come�a ou termina em torno de algu�m, delas principalmente, vestindo ou se despindo, em toques, beijos, sedu��o descarada ou sexo propriamente dito, no quarto, na cozinha, no escrit�rio ou no banheiro dos coquet�is, como esp�cie de combust�vel central dos interesses do jogo.
Aghata confronta Camila num longo di�logo em seu apartamento, vestida num mai� cavado at� a costela de pura finalidade er�tica. E fecha a cota de erotismo do primeiro cap�tulo numa dan�a sensualizada que vai acabar numa transa cinematogr�fica dentro do carro.
De longe a pe�a mais exposta nesse meio a�ougue, rara a cena em que seu corpo n�o vem antes do di�logo. Seja na boate onde chega de pernas de fora e um adesivo de estrela sobre o bico do seio ou no banheiro de casa, em que conversa com a m�e enquanto se levanta, se vestindo, do vaso sanit�rio.
H� tanto necessidade de coreografia sexual, que a diretora Amora Mautner admitiu no Fant�stico que, l� pelo cap�tulo 38, ela e as atrizes j� tinham esgotado o repert�rio de gestos e poses nas cenas quentes. � como justifica a op��o de ter contratado uma professora de dan�a er�tica.
Nada tenho contra sexo em dramaturgia e, � moda de Nelson Rodrigues, entre ser moralista e roubar galinha, prefiro assaltar o galinheiro mais pr�ximo.
Minhas restri��es est�o relacionadas a apuro liter�rio, respeito ao p�blico e honestidade intelectual. Que, na falta, confundem valores morais numa sociedade j� t�o degradada que precisava manter o m�nimo de dec�ncia.
At� por quest�es de gosto e efic�cia, cenas de sexo s� devem acontecer dentro da exig�ncia da hist�ria. Sendo um imperativo dela, n�o h� problema algum, como grandes cl�ssicos de alta carga:
O �ltimo Tango em Paris
ou Imp�rio dos Sentidos, no passado, Ninfoman�aca ou Azul � a Cor Mais Quente, mais recentes.
N�o sendo necess�ria al�m da efici�ncia narrativa, � pornografia, apela��o para arrastar cliques, vender ingresso ou assinaturas. Misto de incompet�ncia com esperteza e empulha��o do consumidor.
N�o vejo problemas que sejam feitos no puro prop�sito do porn� de luxo como cinquenta Tons de Cinza, pornogr�ficos como Emmanuelle ou de plena putaria como Garganta Profunda. Desde que passem em sistemas fechados de TV a cabo ou em streaming de assinatura, como � o caso da Globoplay. Onde se compra, se paga e se assiste em hora e local auto determinados.
Tendo todas as reservas de que passem em TV aberta, mesmo em hor�rio mais avan�ado e mesmo sabendo das responsabilidades e poderes de pais e m�es sobre seus controles remotos e seus filhos.
� que se trata de um produto de impacto moral, intelectual e comportamental sobre sensibilidades inadvertidas. Como cigarro e bebidas, cujas implica��es idem tamb�m levaram a que fossem cancelados das novelas, em qualquer hor�rio.
Pode ser que minha restri��o nesse caso esteja contaminada pelo mal-estar nunca superado de ver nas novelas regulares, do hor�rio de 19h para frente, cenas como as de Verdades Secretas. Minha impress�o � de que a Globo n�o teria problema de exibir a s�rie no mesmo hor�rio de Imp�rio, �s 21h, onde se abusa quase diariamente do corpo da jovem Marina Ruy Barbosa em cenas de Verdades Secretas com Alexandre Nero.
At� onde j� li, n�o h� nada parecido em TVs abertas e mesmo na maioria das s�ries de streaming, de qualquer pa�s avan�ado. At� porque, para al�m de seus fortes e bem vigiados valores conservadores, t�m um sentido de gosto dramat�rgico que se degradou por aqui.
Em sendo feitos, produtos do tipo devem ser defendidos honestamente como tal. Autores e diretores devem dizer claramente que est�o fazendo entretenimento puro, adequados a seus espa�os, apelativos at� onde lhes interessam para buscar audi�ncia.
Nunca por�m a desonestidade intelectual irritante de se lhes atribu�rem um valor social relevante que n�o t�m. Pior, camuflar as segundas inten��es numa sociologia de botequim para culpar a sociedade por suas op��es.
Na mesma entrevista do Fant�stico em que Amora Mautner admitiu fazer transpirar sexo em todos os elementos da cena, o criador Walcyr Carrasco disse que a s�rie � reflexo da realidade.
Replicou o que j� dissera sobre novelas em outra s�rie recent�ssima da Globoplay, Orgulho Al�m da Tela, sobre a evolu��o dos pap�is de gays nas novelas globais desde 1970, apoiado por outros dois dos maiores criadores da casa, Aguinaldo Silva e Gilberto Braga.
N�o s�o, n�o traduzem ou traduzem apenas um recorte de sociedade, manipulado ao jeito de cada um para provocar os instintos certos. Aguinaldo Silva tem o p�ssimo h�bito de dizer em suas entrevistas que d� o que a sociedade pede. Como se n�o provocasse desejos adormecidos com suas manipula��es.
Se a inten��o primeira fosse mesmo cr�tica social, como no caso de Verdades Secretas, as cenas de sexo n�o derivariam para a quase orgia da montanha russa de corpos semi pelados de puro efeito sensual.
� o mesmo discurso que justifica os finais em muitos casos pouco morais, como foi mesmo o da primeira temporada, em que a virgem violada e depois apaixonada pelo seu comprador opta por uma solu��o pela qual deveria ter sido punida e n�o premiada como um casamento de luxo e final feliz.
Que tamb�m, como nas cenas de sexo nas novelas do hor�rio mais cedo, s�o recorrentes nas novelas, desde pelo menos a cena cl�ssica de Vale Tudo, de 1989, que em Reginaldo Faria d� uma banana para o pa�s, fugindo de avi�o, para se dar bem no exterior com uma estelionat�ria, Gl�ria Pires.
Que tem a ver com certa engenharia social, em que que pegam uma exce��o como se fosse regra, manipulam segundo suas vis�es do mundo, transmitem como se fosse um painel da sociedade, fazem apologia da normaliza��o e depois dizem que a sociedade pediu. � quase um tipo de hipocrisia.
Nada tenho tamb�m contra finais amorais, que podem ter valor moral para denunciar um estado de coisas, como o pa�s apodrecido do final do governo Sarney, em que passava Vale Tudo. Ou se assim entenderem que o mundo das passarelas �, por regra, como aquele pa�s. Que, ali�s, piorou bastante.
Mas m�o me venham com essa conversa de que ele traduz a sociedade ou se trata do que ela est� pedindo nas novelas. Para serem honestos, admitam o que pretendem e acreditam, sem subterf�gios.
Que a realidade expressa no nicho que escolheram, da vida em passarela no caso, � em geral desse tipo de trai��o e corrup��o prostitutiva, onde tudo tem pre�o f�cil de ser pago com o corpo e ningu�m � capaz de uma rela��o de generosidade e honestidade com o outro.
Nos anos 70, um diretor de pornochanchadas, Braz Chediak, se aventurou em adapta��es de pe�as de Nelson Rodrigues para dar lustro intelectual a filmes de puro apelo er�tico. Tra�a as inten��es do autor genial que usava as pervers�es sexuais como base de quest�es altamemente morais.
Numa das cenas mais fortes e desnecess�rias do nosso cinema, de Bonitinha mas Ordin�ria, a fr�gil Luc�lia Santos se compraz do fetiche de ser currada numa �rvore por um grupo de negros enormes, debaixo de chuva. Porque debaixo de chuva, nunca entendi.
Na galeria dos nossos cineastas mais brilhantes e mais honestos, Arnaldo Jabor fez � �poca uma adapta��o honesta de Toda Nudez Ser� Castigada, em que as cenas de sexo soavam imprescind�veis na hist�ria do vi�vo conservador que se casa com uma prostituta.
Walcyr e seus disc�pulos nessa empreitada — os co-autores M�rcio Haiduck, Nelson Nadotti e Vin�cius Vianna — est�o mais para Chediak.
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