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Estado de Minas RAMIRO BATISTA

Judicializa��o do bom senso explica massacre desproporcional a Maur�cio

Jogador extrapolou direito de opini�o que ati�ou milit�ncia identit�ria, mas n�o cometeu crime configurado em lei que n�o existe e atraiu solidariedade crist�


30/10/2021 11:43 - atualizado 30/10/2021 13:31

O jogado de vôlei Maurício Souza, com a camisa da Seleção Brasileira
(foto: ANGELA WEISS / AFP)
A lei 7.776/89, que estabelece os crimes de racismo, diz que ser�o punidos quem "praticar, induzir ou incitar a discrimina��o ou preconceito de ra�a, cor, etnia, religi�o ou proced�ncia nacional".

Ela n�o inclui o crime de discrimina��o por comportamento ou op��o, possivelmente porque os legisladores entenderam que deveriam proteger quem for agredido por condi��o de que n�o possa mudar: ra�a, cor, etnia, cren�a em Deus ou nacionalidade.

Em junho de 2019, entretanto, o STF resolveu legislar e incluir a homofobia entre os crimes abrangidos pela norma, at� que o Congresso aprove uma lei atualizada a respeito.

Sim, a Suprema Corte do pa�s, respons�vel por elucidar de forma definitiva a interpreta��o das leis, estabeleceu que fica valendo algo que n�o est� na legisla��o em vigor, mas que pode estar no futuro, mesmo que um projeto de lei a respeito venha a ser rejeitado.

� t�o escalafob�tico que s� se explica pela natureza biol�gica de uma Corte que inventou o "flagrante continuado" que horroriza at� estagi�rios de direito, legisla sem pudor e onde at� ent�o era seguro dizer que s� havia um legalista que n�o vota pela capa do processo.

Marco Aur�lio Mello, �nico voto contr�rio, hoje aposentado, que n�o por acaso achou a vota��o um horror. Em entrevista � BBC Brasil, resolveu desenhar para os colegas o que diz o artigo 1º do supremo C�digo Penal:

- N�o h� crime sem lei que o defina, � um passo demasiadamente largo que eu n�o dou. A normatiza��o cumpre ao Congresso, o monop�lio da for�a � do Estado, e mediante decis�o judicial n�o se pode chegar a tanto.

Pois foi essa estrovenga que deu a base principal ao massacre que se perpetrou contra o central do time de v�ley do Minas, Maur�cio de Souza, por sua postagem intolerante contra homossexualidade, que n�o se enquadra, mesmo com boa vontade, nem na decis�o ideol�gica dos supremos.

Ele n�o induziu ou praticou insulto, agress�o ou viol�ncia comprov�veis contra algu�m espec�fico, como os que d�o base a pris�es em flagrante delito, mais comuns nos casos de racismo ostensivo contra negros que volta e meia frequentam o notici�rio.

Ele emitiu opini�o sobre seus valores, excrescente se algu�m quiser assim considerar e contestar, n�o pun�vel por nenhuma democracia que acredita que qualquer conduta humana, de qualquer n�vel da pir�mide social, � pass�vel de cr�tica desde que n�o haja insulto ou viol�ncia.

Sua postagem deve ser entendida no contexto de um conjunto de outras, em que o atleta expunha seu desconforto com o identitarismo, a corrente ideol�gica que luta por igualdade controlando o que a sociedade pode pensar e dizer.

Ele havia feito postagens sobre a linguagem neutra, a partir da not�cia de que a Globo cogita lan�ar novela j� adaptada � novidade, e a normaliza��o de atletas trans em competi��es femininas, apesar das �bvias e injustas diferen�as biol�gicas na disputa.

� quase certo que tenham sido essas, somadas ao fato de que o atleta professa um bolsonarismo xen�fobo militante, diga-se, que tenham acionado os bot�es da milit�ncia identit�ria contr�ria, que ganhou repercuss�o e rapidamente adeptos de peso no cerco ao transgressor.

Como os patrocinadores do time, Fiat e Gerdau, que pressionaram a dire��o do clube a tomar uma decis�o a que resistia. Foi a motoniveladora da press�o pol�tica, aliada enfim ao risco s�rio de preju�zos financeiros, que levou a dire��o do Minas a tornar sem efeito uma conversa com que tentava contornar o problema por meios civilizados.

� um jogo pol�tico leg�timo desde que o chamem pelo nome. Uma guerra cultural para convencer a maioria de que pessoas da direita como Maur�cio est�o tamb�m em campanha pol�tica para cristalizar preconceitos derivados de constru��es sociais milenares.

Superado o problema da legalidade e da tenta��o pol�tica que tudo contamina e em que h� poucos inocentes nesse mundo conflagrado, resta o inc�modo leg�timo de uma grande maioria sensibilizada por uma postagem intolerante.

De fato depreciativa sobre um largo espectro da sociedade que acha inadequado sugerir que beijos entre homens numa revista em quadrinhos possa incitar algu�m a ser homossexual. E se incitar, qual o problema?

Essa grande maioria n�o leva ao p� da letra nem a lei, nem oportunismo pol�tico e nem mesmo o que disse Maur�cio. Por tudo que li nas redes sociais, inclusive nas minhas, a maioria de bom senso admite que ele extrapolou, mas que tamb�m foram desproporcionais as decis�es draconianas do time contra ele.

Como desproporcional acabou sendo o massacre impiedoso que, por excesso, tamb�m provocou rea��o contr�ria de solidariedade. A pol�mica elevou em mais de 800 mil o n�mero de seguidores no seu Instagram e a hashtag #StomosTodosMaur�cio subiu aos trending topics do Twitter.

N�o acredito que sejam apenas de reacion�rios bolsonaristas em plena milit�ncia, como gostaria de acreditar a milit�ncia contr�ria. Mas homens e mulheres tamb�m movidos, menos pela busca da verdade, talvez, mas por uma repara��o daquele tipo movido por piedade pelo pecador.  

Me parece um princ�pio crist�o que ainda se esfor�a por resistir em meio a tanta maldade no mundo, a tanta milit�ncia � direita e � esquerda e a uma judicializa��o pol�tica que s� acirra os �nimos.

Maur�cio foi mais militante que crist�o para ser intolerante com as diferen�as, mas h� uma maioria, para al�m da milit�ncia que come�a no STF e acaba nas ruas, que o perdoa. Que passa longe do justi�amento ou da pol�tica para resolver seus conflitos morais.

Acredito que pode ser o que mobilizou a diretoria do Minas a, primeiro, tentar enquadrar o atleta sem puni-lo. Ou tenha movido a sempre sensata vereadora Duda Salabert a optar por uma advert�ncia educativa a uma acusa��o judicial belicosa no caso em que foi humilhada num sal�o de beleza do Shopping Cidade.

S�o princ�pios crist�os em que prefiro acreditar, n�o estivesse tamb�m inspirado pelas v�speras do Finados, que sempre me deixa sens�vel. 

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