O Datafolha que acenou com a possibilidade de vit�ria de Lula no primeiro turno ressuscitou a velha rixa de larga faixa da milit�ncia lulopetista contra Ciro Gomes. A que n�o o perdoa por ter viajado para Paris e n�o ter dado o apoio que, em tese, teria sido decisivo para Fernando Haddad, em 2018, contra Jair Bolsonaro.
Entre tantas manifesta��es nas redes sociais daquele tipo de petista radical que, se ficar muito perto de Lula, tira voto, a do ator Benvindo Siqueira resumiu o tom com que o acusam de fazer o jogo de Bolsonaro caso n�o abra m�o da sua candidatura em favor de seu mito.
- A candidatura de Ciro Gomes neste momento continua sendo a linha auxiliar do fascismo.
A press�o ressuscita tamb�m velhos cacoetes das tenta��es totalit�rias desse espectro que n�o tira a camisa vermelha nem para tomar banho. Mistura de prepot�ncia e soberba que desconsidera quando lhe conv�m mem�ria hist�rica, an�lise de conjuntura, respeito � diverg�ncia e matem�tica eleitoral simples, como se ler� aqui.
Ciro reagiu ampliando a pancadaria ("nunca mais dou apoio a bandido") para n�o cair na provoca��o. Para al�m de sua virul�ncia conhecida, por�m, h� farta informa��o sobre as suas raz�es nas tantas entrevistas e em v�deos pr�prios e alheios em que elenca suas tantas afinidades e contribui��es � esquerda e seu apoio tantas vezes fiel a Lula, ao mesmo tempo que demonstra com boa l�gica quem traiu quem.
� muito convincente sua argumenta��o sobre as escolhas erradas do grande l�der das esquerdas, que contribu�ram para o que seria o golpe do impeachment de Dilma Rousseff e favoreceram pol�ticos suspeitos como Renan Calheiros e Eun�cio Oliveira. Para Lula, um del�rio produto de alguma sequela de Covid.
Veja v�deo: Ciro versus Lula em dez pancadas virulentas
O que teria contribu�do, isso sim, para a degeneresc�ncia moral que favoreceu a elei��o de Bolsonaro em 2018, como j� repetiu em diversos momentos e, neste, a Glenn Greenwald da Carta Capital:
- Haveria o bolsonarismo bo�al, genocida e corrupto se n�o fosse a contradi��o profunda sob o ponto de vista moral e sob o ponto de vista econ�mico do lulopetismo?
Foi nada menos que isso tudo que teria inviabilizado uma candidatura minimamente palat�vel � esquerda em 2018, somada � prepot�ncia suicida de Lula de se manter candidato at� a �ltima hora. Mesmo estando preso e ilegalmente impossibilitado de ser candidato, j� que ent�o ficha suja condenado em duas inst�ncias.
Uma an�lise despreendida, racional e realista, teria aceito que Lula apostou num candidato invi�vel (Fernando Haddad) que poderia, como � de seu estilo, controlar e retirar quando quisesse. N�o apostar em quem, como ele e segundo todas as pesquisas, �nico com chances reais de derrotar Bolsonaro naquele segundo turno.
O mesmo erro de vesguice conjuntural conveniente estaria desprezando agora a ideia de que o �dio ao lulopetismo que elegeu Bolsonaro � que pode reeleg�-lo. E em primeiro turno.
- Qual � a explica��o para Bolsonaro estar subindo nas pesquisas com desemprego, infla��o, pre�os explodindo, desalento pela pandemia? � o lulopetismo. � a recidiva lulopetista. Bolsonaro teve 70% nos principais estados em 2018 por causa do PT e isso n�o vira de uma hora pra outra.
O que conduz � conclus�o de que ele, Ciro, � que teria, como em 2018, mais condi��es de enfrentar o capit�o - que chama entre outras coisas de belzebu - e que a press�o deveria ser ao contr�rio. Os lulistas influentes deveriam estar dando � sociedade uma terceira op��o, como ele, e n�o operando por uma mentira por dois candidatos desclassificados.
A Greg�rio Duvivier, do Greg News, da HBO, que teria pedido a seus eleitores para votarem em Lula de forma a fechar a fatura no primeiro turno, disse:
- Me constrange voc� mandar a juventude brasileira ir pro bar defender picaretagem intelectual, apologia da ignor�ncia e roubalheira.
Contra o argumento de que estaria favorecendo o golpe ao jogar ao atrapalhar a vit�ria de Lula no primeiro turno e jogar a decis�o para o segundo, afirma que uma pequena diferen�a de votos em favor do petista � que daria motivos a Bolsonaro para virar a mesa. Ainda a Greg�rio:
- � uma viagem lis�rgica voc� imaginar que a inten��o real de Bolsonaro em fazer um golpe � se vai ser no primeiro ou no segundo turno. Se o Lula ganhar por cinquenta e um pentelho, o Bolsonaro ter� todas as raz�es, mentirosas, canalhas, fascistas, para fazer crescer a tentativa de golpe. Sabe por qu�? Porque Lula nunca ganhou uma elei��o em primeiro turno. Nem na �poca da alta popularidade, ele ganhou. Sabe o que voc�s est�o produzindo, se eu n�o resistir, se eu n�o ficar? Corre o risco de ele, Bolsonaro, ganhar em primeiro turno.
Fora o contexto que tinge em cores dram�ticas para desqualificar o bal�o de ensaio da vit�ria petista no primeiro, Ciro saca dados de cruzamentos de v�rias pesquisas e outras qualitativas pr�prias, para provar que tem mais condi��es de enfrentar qualquer dos dois polarizados.
� de fato o candidato que tem menos rejei��o, mais potencial de votos, al�m de um bom programa de governo para convencer os 30% de indecisos que n�o querem nenhum dos dois.
- Sou o mais vot�vel - como repetiu na sabatina ao Correio Braziliense, no argumento bem razo�vel de que a campanha ainda n�o come�ou e est� naturalmente contaminada pela din�mica da polariza��o.
Ele n�o diz, mas uma conta de padaria ajuda a entender o quanto a revanche lulopetista ignora, por desinforma��o ou c�lculo de propaganda, o quanto as indica��es de Ciro nas pesquisas nada acrescentariam � campanha de Lula.
De cada dez de seus eleitores, mais brancos, escolarizados e independentes, menos de 4 votariam no petista, segundo o �ltimo Datafolha. Significa que, dos seus 7% consolidados, ele transferiria menos de 3% a Lula, caso desistisse e lhe declarasse apoio j� no primeiro turno.
H� uma montanha de d�vidas cient�ficas de que daria certo, porque o c�lculo n�o leva em conta os que tamb�m poderiam deixar de votar na chapa lulista se Ciro aparecesse por l�. Quando nada, porque esse tipo de conta carregada de pura paix�o e propaganda pol�tica � montada apenas na ansiedade que contamina todo mundo, a come�ar por n�s da imprensa tradicional.
Que alimenta a ignor�ncia do quanto o mundo pode estar diferente no final de agosto. O pr�prio Lula j� desaconselhou o salto alto por saber o quanto a campanha ser� dif�cil e todos os outros institutos de pesquisa, fora o Datafolha, n�o o colocam t�o perto da vit�ria no primeiro turno.
Menos de uma semana depois da sondagem do instituto paulista que lhe deu 48% a 27% sobre Bolsonaro, o instituto Paran� compareceu com uma margem de apenas 6% de diferen�a (41,4% a 35,3%), utilizando a mesma metodologia presencial, margens de erro e universos pr�ximos: 2.556 e 2020 em 181 e 164 cidades, respectivamente, com margens de erro de 2%.
E ainda h�, como escrevi mais de uma vez, um mundo de fatos determinantes a acontecer em agosto, m�s das entrevistas individuais nas TVs abertas, prov�veis debates e o in�cio da propaganda eleitoral que tende a ajudar mais Bolsonaro, que teria mais o que mostrar.
� falta de mem�ria, interpreta��o da conjuntura e erros matem�ticos, a prepot�ncia de tenta��o hegem�nica desrespeita o que � direito �bvio dele � candidatura e tenta sonegar � sociedade um bom projeto.
Ciro Gomes n�o � o mais preparado dos candidatos. Ainda acho que Lula o seja, pela experi�ncia no cargo a que se candidata e pelo poder de negocia��o que faz toda a diferen�a. Tem ideias corporativistas para quebrar o estado, mas que seu pragmatismo, diga-se, costuma jogar no lixo numa mesa de negocia��es. Mas � o melhor dispon�vel no que restou da terceira via para fazer c�cegas na polariza��o.
� um candidato de respeito, de extensa biografia no Legislativo e no Executivo, mais limpo, mais �ntegro e �nico com um projeto consistente para o pa�s, admir�vel numa campanha em que os dois l�deres da pesquisa prometem n�o comparecer aos debates para dar satisfa��es do que pretendem. Querem ambos um cheque em branco.
O programa cirista, consubstanciado no seu livro Projeto Nacional: O Dever da Esperan�a, chega a ser empolgante e fact�vel pela exuber�ncia de sua orat�ria.
Tem planos aparentemente palp�veis para resolver n�s imediatos - a inadimpl�ncia de 65 milh�es de brasileiros e de 6 milh�es de empresas - e estruturais para tirar o pa�s da camisa de for�a das commodities e torn�-lo um pa�s moderno e de pleno emprego.
N�o � de esquerda e n�o s� porque frequentou todos os partidos de direita poss�veis. Uma contempla��o em seu projeto e paci�ncia para ouvi-lo (n�o � dif�cil) permitem enxergar em suas propostas radicais de estatizac�o da Petrobras e da Eletrobras uma pegada � direita, do tipo nacionalista, de soberania sobre as riquezas naturais.
Tem argumentos fortes, n�o corporativistas, contra a privatiza��o e consequente desnacionaliza��o de gambas, apelando para o controle estrat�gico das �guas que alimentam as turbinas e do petr�leo que, em 80% do mundo todo, est� em m�os estatais.
Sua tese de abrasileirar o pre�o dos combust�veis, como a de Lula, com margem de lucro sobre o custo da produ��o interna, n�o explica como os importadores, que abastecem 40% do consumo, v�o importar gasolina a pre�o nacional e vender por menos do que compraram.
� a �nica restri��o que me incomoda no conjunto complexo de propostas que acena com causas, efeitos e solu��es consistentes. Um homem de direita de ideias progressistas em muitos aspectos, de genu�na preocupa��o social, como � do DNA dos pol�ticos da regi�o miser�vel onde nasceu e cresceu.
Seu problema real e ainda insuperado, plenamente sabido, que independe de muita entrevista e v�deo para perceber, � o temperamento de estudante que chega a colocar em d�vida sua capacidade de orquestrar seus planos, capaz de reunir anuma mesma frase um "bandido" um "canalha" e um "ladr�o".
Assegura que tem uma forma previs�vel de negociar com a turma do Centr�o, que conhece de ber�o, mas eu ainda duvido que n�o chute a mesa na primeira rodada de conversas. E morra na praia, como todo presidente deste pa�s atrasado que n�o bate um prego se n�o atender � voracidade de sua classe pol�tica.
Talvez seja por a� que o lulopetismo em revanche poderia bater. Ciro � uma promessa muito boa, � preparado, tem biografia, esp�rito p�blico e potencial de votos. Mas � razo�vel supor que seu estopim curto, meio Bolsonaro, diga-se, possa p�r tudo a perder. Se ganhar, daria certo?
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