De tempos em tempos leio mat�rias em que, diante do descumprimento de alguma norma que disciplina a atua��o do setor p�blico, descarrega-se a bateria das culpas em algum dos entes envolvidos no processo, que, supostamente, deveria ser capaz de, sozinho, impedir sua ocorr�ncia. Nessa hora, se esquecem de (ou n�o sabem) que: 1) existe um problema objetivo por tr�s das cortinas, pendente de solu��o, a que todos dever�amos nos dedicar; e que 2) qualquer ente relevante que atue no mesmo processo e nele esteja implicado de alguma forma, sempre tentar�, diante de suas pr�prias limita��es e na falta da melhor solu��o poss�vel, algum caminho que o poupe das puni��es previstas. Por pior que pare�a, � a mera lei da sobreviv�ncia.
Refiro-me especificamente � atua��o dos tribunais de conta estaduais que muitas vezes s�o colocados no banco dos r�us por n�o ser capazes de punir severamente dirigentes onde h� descumprimento de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, como o que limita os percentuais da receita total ocupados pelo gasto com pessoal e o que impede que atrasos de pagamento acumulados ao longo dos mandatos sejam transferidos para as gest�es seguintes. E logo vem a lista de todos os dirigentes desses tribunais que j� foram punidos pela Justi�a, ou est�o em processo de puni��o, como indicativo de que o caso em pauta � mais uma inst�ncia em que malfeitos ocorrem, como se esse tipo de comportamento n�o estivesse entranhado em praticamente todas as inst�ncias de dire��o p�blica, como a Lava-Jato mostrou recentemente, e como se a quest�o real n�o estivesse alhures.
Nessas supostas an�lises, escolhe-se, no caso dos estados, um ou outro ente que escapa do comportamento-padr�o (pois a grand�ssima maioria vem descumprindo esses dois dispositivos), para supostamente provar que os demais deveriam necessariamente seguir seu exemplo, e pronto. Ou seja, sem entrar no m�rito, a exce��o deveria virar a regra como num passe de m�gica.
Se agem certo ou n�o, primeiro os tribunais n�o t�m toda a for�a que se lhes atribui. Segundo, n�o parecem ser os entes melhor posicionados ou preparados para fornecer diagn�sticos dos cabeludos problemas econ�micos do pa�s. Sua fun��o deveria se concentrar em auditar contas e apresentar os problemas �s assembleias legislativas, respons�veis em �ltima inst�ncia por julgar as contas do chefe do Poder Executivo, em nome da sociedade a que ambos pertencem.
Na raiz da quest�o est� um fato s�: a explos�o dos d�ficits previdenci�rios, que � obviamente o item mais r�gido dos or�amentos p�blicos, pe�as essas em que o grosso da parte supostamente ajust�vel � capturada por quem de fato manda e n�o aceita ajuste, ou seja, os segmentos que comp�em o que costumo chamar de “os donos do or�amento”. Diante disso, o dilema para o gestor financeiro global passa a ser o seguinte: vamos pagar aposentados ou desafiar os donos do or�amento (sa�de, educa��o, poderes aut�nomos, servi�o da d�vida etc.)?
Como j� mostrei v�rias vezes em meus artigos, de 2014 a 2018, o acumulado dos d�ficits previdenci�rios pulou de algo ao redor de R$ 24,3 bilh�es (m�dia de 2006-11) para R$ 101,9 bilh�es em 2018, marca quatro vezes superior �quela m�dia, em apenas sete anos. No caso de Minas Gerais, por exemplo, com base no Balan�o Anual, o total gasto com aposentados representou, em 2015, n�o menos que 28% da receita corrente l�quida, na presen�a de uma fatia dos “donos” de 64,8% do total, e mesmo considerando gastos discricion�rios m�nimos de 21,2%, o que levaria a um subtotal exceto Previd�ncia de apenas 14% da receita, sobrando uma insufici�ncia final igual aos mesmos 14%. Assim, se nos curvarmos ao subor�amento dos “donos” e mesmo imaginando um gasto discricion�rio m�nimo, sobra um “buraco” gigantesco para administrar, especialmente em anos de recess�o pesada e cr�dito esgotado por defini��o federal, como os atuais.
N�o � por outro motivo que v�rios estados preservaram o pagamento a aposentados, e, ao lado disso, atrasaram pagamentos da folha de ativos dos setores menos fortes onde se concentram os gastos discricion�rios, e, na sequ�ncia, “empenharam” (isto �, autorizaram) mas n�o “liquidaram” (ou seja, de fato n�o gastaram) parte dos gastos dos pr�prios “donos”, com a mensagem de que, mais adiante, com a melhoria das contas, essa “d�vida”, que apareceria sob o forma de “restos a pagar n�o processados” seria quitada.
H�, ainda, os que acham que o setor p�blico brasileiro, como um todo, simplesmente gasta muito e n�o sabe o que est� fazendo. �bvio que h� falhas, e temos que corrigi-las, mas � assim que est�o organizados os sistemas que integram qualquer regime democr�tico. Se problemas h�, aproveitemos a liberdade que nos � conferida por esse tipo de regime para discuti-los e apresentar solu��es nas inst�ncias certas. Na verdade, devemos todos buscar sua solu��o, pois somos todos afetados e somos todos respons�veis por eles.
