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Estado de Minas EM DIA COM A PSICAN�LISE

Fa�o meu o recado que o escritor mo�ambicano Mia Couto mandou ao Brasil

"Voc� vai-se levantar, vai sacudir a poeira e vai dar a volta por cima", escreveu o africano mais brasileiro que conhe�o


23/10/2022 04:00 - atualizado 22/10/2022 00:08

ilustração mostra imagem idílica do Brasil, com violão, coqueiro, praia, casinha simples e um livro

O africano mais brasileiro que conhe�o � Mia Couto. Neste momento de tens�o, oposi��es, quando todos estamos � flor da pele, temos de tomar cuidado, muito cuidado. De nada adianta brigar. A democracia � assim: cada um pode se manifestar livremente em rela��o ao que acredita. Sem medo de ser feliz.

No entanto, n�o � o que se pratica agora. As pessoas est�o prontas para a briga, elevam a voz. � irm�o contra irm�o, amigos contra amigos... E assim estamos nos mostrando extremamente autorit�rios, conservadores e pouco democr�ticos. O discurso do �dio invadiu nossas ruas.

Quem diria que depois da ditadura, depois de alguns bons anos de democracia, o conservadorismo despertaria de forma desp�tica, em um vale-tudo assustador.

As elei��es s�o uma festa democr�tica e vai vencer o candidato que tiver maior apoio do povo brasileiro. E os eleitores que forem derrotados, se democr�ticos, far�o oposi��o, o que � bom, muito bom, pois assim � a democracia, feita com participa��o popular, pac�fica e respeitosa com o outro na sua diferen�a.

Em nome do amor ao Brasil – nossa p�tria amada, salve, salve, nosso pendor da esperan�a –, trago hoje a declara��o de amor escrita pelo mo�ambicano Mia Couto, que citei no in�cio, pois acredito que devemos n�s tamb�m, agora, professar amor no lugar do discurso do �dio ao outro, ao que pensa diferente. Quem sabe cola?

“Aconteceu-me a mim o oposto do que sucedeu com Pedro �lvares Cabral: encontrei voc�, Brasil, pensando que era a minha pr�pria terra. N�o tive nem barco, nem mar. Quem viajou foram vozes brasileiras que entraram na minha casa como se n�o houvesse porta. Essas vozes falavam de uma na��o distante que guardava �frica nas suas ra�zes e misturava �frica nas suas sementes. Na minha varanda, desembarcou o mar de Dorival Caymmi, desembarcaram os versos de Jo�o Cabral, de Bandeira, desembarcou a prosa de Drummond, Amado, Machado, Rosa e Graciliano. Havia um idioma que era o de Mo�ambique, mas que j� era um outro. E havia um lugar que me abra�ava com os meus pr�prios bra�os. Esse parentesco era motivo de orgulho dos mo�ambicanos que, enchendo o peito, avisavam ao mundo: olha que temos um irm�o que se chama Brasil!”

Enfim, Mia Couto visitou o Brasil em 1987, dois anos depois da democracia reinstalada, encontrando em nosso pa�s o pretendente com quem tantas cartas de amor trocou. Apaixonou-se pela gente brasileira, o Brasil que romantizou. Como os apaixonados, ele n�o pode sair do fasc�nio e da idealiza��o pr�pria dos apaixonados. Nesse momento, nenhuma decep��o.

Couto n�o percebeu, naquele ano, a dimens�o da for�a adormecida e reprimida que ressurgiu e vigora neste momento. O retrocesso que pode ser abandonar o secularismo – separa��o de Igreja (Tradi��o, fam�lia e propriedade) e Estado –, considerado avan�o na maioria dos pa�ses modernos. Vejam, por exemplo, os problemas do mundo isl�mico.

Mia Couto n�o pode ver, naquele ano, o que estava oculto, reprimido. O tradicionalismo, o conservadorismo e, por que n�o dizer, o colonialismo, que gradativamente davam lugar a pol�ticas de inclus�o e toler�ncia das diferen�as, bem-vindas em uma democracia.

Assim sendo, agora, haja vista a divis�o e as diverg�ncias veladas, surge outro olhar, n�o sem amor, mas mais prudente, avisado, que d� lugar � ilus�o de que existiria aqui concord�ncia da maioria pela multiplicidade. Acho que nem n�s pr�prios sab�amos o que estava adormecido.

Mia Couto avistou, enfim, que todo diamante tem ja�as, imperfei��es. Ele avistou a divis�o, a brecha e tudo o que pode advir de uma verdade que se quer �nica, sendo m�ltipla. Viu divis�es e disc�rdias, que � primeira vista escapam aos apaixonados: a realidade sempre desmente essa idealiza��o. No entanto, e felizmente, nem sempre as diferen�as esgotam o amor que pode resultar de uma paix�o.

O amor, sempre imperfeito, nunca faz de dois um. Antes, nos faz tolerantes, compreensivos diante do outro na diferen�a. Esse amor � ainda o mais importante. S� que pode revirar-se em seu avesso, o �dio. Sim, seu par, pois o contr�rio do amor � a indiferen�a.

Ao final de sua carta de amor, Mia lamenta ver que seu Brasil, mais de sonho que de realidade, tornou-se, agora, pa�s mais pr�ximo de um pesadelo.

Seus votos e desejos expressos ao final s�o para que superemos nossa passagem pelo inferno: “O Brasil que ganhou o respeito do mundo n�o pode ser representado sen�o por algu�m que celebra a vida e que defende o tesouro maior da na��o brasileira: a infinita diversidade do seu passado e pluralidade do seu futuro. N�o � apenas um desejo pessoal. � uma certeza: voc� vai-se levantar, vai sacudir a poeira e vai dar a volta por cima.”

• Confira a �ntegra do texto de Mia Couto em https://www.outraspalavras.net/poeticas/mia-couto-brasil-dara-a-volta/

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