
Bem, nossa hist�ria come�a l� em 2004, quando o empreendimento imobili�rio Vale dos Cristais, em Nova Lima, foi aprovado pelo estado de Minas Gerais e tamb�m pela prefeitura de Nova Lima, com a anu�ncia de uma tal SEDRU - Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional, Pol�tica Urbana e Gest�o Metropolitana.
Em tempo: eu n�o sei voc�s, mas quando vejo siglas e �rg�os estatais com estes nomes gigantes e pomposos, sinto calafrios s� de pensar na quantidade de funcion�rios e na burocracia ao redor. Como diz o ditado popular, sabiamente por sinal, “o Brasil n�o � para amadores”. No caso em tela, eu diria que: Nova Lima n�o � para amadores. Sigamos.
PRESTEN��O, HEIN
Pe�o que leiam, atentamente, este trecho em destaque do licenciamento do Vale dos Cristais, pois al�m de muito importante, certamente voc�s ir�o se lembrar dele mais � frente: “Para os lotes multifamiliares est�o propostos padr�es de ocupa��o de baixa densidade e m�nimo impacto visual, que resultam em um m�ximo de 4 pavimentos e 16 unidades por bloco”. Repitam comigo: um m�ximo de 4 pavimentos e 16 unidades por bloco. Guardaram?
E mais: “a arquitetura dever� contemplar caracter�sticas de ocupa��o em encostas, buscando a melhor adequa��o � paisagem. Essa adequa��o est� diretamente relacionada � imagem do empreendimento, tanto por observa��o externa (rodovia MG-030), quanto pelos pr�prios moradores e usu�rios”.
Pergunto: alguma d�vida sobre as regras construtivas impostas pelo pr�prio empreendedor, que serviram de base n�o apenas para as licen�as necess�rias, mas para a venda dos lotes aos futuros adquirentes, consumidores de boa f� que acreditaram estar comprando um im�vel com estas caracter�sticas?
SE COLAR, COLOU, N�MERO 1
Ao final de 2010, o empreendedor deu in�cio ao projeto de constru��o de um conjunto de 6 pr�dios com 19 andares na regi�o. Oi? N�o eram 4 andares no m�ximo? Pois �. Ignorando completamente o que foi aprovado e vendido, Odebrecht Realiza��es (OR) e Minera��o Morro Velho (AngloGold Ashanti) tentaram um passa-moleque na maior cara de pau. E voc�s achavam que a Odebrecht era s� petrol�o, n�o � mesmo?
Por�m, �quela saudosa �poca, um providencial e atento Minist�rio P�blico (MP) prop�s uma a��o civil p�blica (0188.11.003213-6), com pedido liminar, que foi concedida pela Justi�a para embargar o projeto das torres. Inconformado, o empreendedor recorreu, mas o Tribunal de Justi�a de Minas Gerais, acertadamente, manteve a decis�o. Aplausos.
O fundamento do Judici�rio foi claro, diante do �bvio ululante: desconformidade com o licenciamento aprovado. Simples assim. Posteriormente, de forma estrat�gica, a construtora desistiu da edifica��o e o processo foi extinto sem a resolu��o do m�rito. Dessa forma, o t�o famoso "tr�nsito em julgado”, que a gente escuta sempre, n�o ocorreu, e uma senten�a definitiva n�o foi, portanto, proferida a respeito.
2013: TOMBAMENTO DA SERRA DO SOUZA
No ano mais feliz da minha vida, quando o Gal�o da Massa foi campe�o da Libertadores - n�o, n�o foi 2006 quando minha filha nasceu -, o munic�pio de Nova Lima instituiu, atrav�s do decreto 5.319/2013, o Monumento Natural Serra do Souza, unidade de prote��o integral, visando evitar outras tentativas de constru��es que afetassem as belezas naturais da regi�o. Bons tempos em que havia tamanho carinho e respeito por nossas montanhas.
E n�o s�: tanto o decreto municipal como a lei federal preveem expressamente a impossibilidade de qualquer constru��o - salvo as que visem resguardar a unidade protegida - na aus�ncia do referido Plano (artigo 3º, par�grafo �nico do Decreto, e artigo 28, par�grafo �nico da Lei Federal 9985/00. Traduzindo para o mineir�s: num p�di constru� nada sem es diacho de planu di maneju).
SE COLAR, COLOU, N�MERO 2
“O tempo passa, o tempo voa e a poupan�a Bamerindus continua numa boa” (s� os v�in com mais de 50 anos entender�o, hehe). Bem, o Bamerindus (banco) quebrou, mas o apetite por especula��o imobili�ria, n�o. Em 2020, duas construtoras, com a cumplicidade da propriet�ria da �rea (AngloGold), voltaram � carga e tentaram “tratorar” outro projeto em desconformidade com o licenciamento ambiental e o tombamento da Serra.
Patrimar e Somattos, atrav�s de uma SPE (Sociedade de Prop�sito Espec�fico), protocolizaram o LAS (Licenciamento Ambiental Simplificado) 1634, para a constru��o de unidades familiares na mesma regi�o. A SEMAD (Secretaria do Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento), contudo, corretamente indeferiu o processo.
Os motivos foram diversos, mas o mais grave foi a constata��o de “supress�o vegetal nativa do bioma Mata Atl�ntica”. E voc�s sabem, n�? No Brasil, Mata Atl�ntica e Mico-Le�o Dourado s�o mais sagrados que m�e. Importante: os “ishpertinhos” n�o informaram ao estado a presen�a da m�e, digo do bioma. Sim, omitiram do estado uma informa��o imprescind�vel.
MAS… DESSA VEZ COLOU
V� saber por que - eu sei, mas n�o vou contar - a empresa optou por n�o recorrer da decis�o de indeferimento. Ao contr�rio. Protocolizou um novo pedido (2725/20), informando que pretendia edificar nada mais, nada menos que 5 torres de 15 andares cada, com 304 unidades e 750 vagas de estacionamento. Algu�m a� ainda se lembra dos tais 4 andares e 16 unidades por bloco?

Mesmo com o porte do projeto, as construtoras declararam: “O empreendimento n�o causar� impacto na circula��o vi�ria no munic�pio de Belo Horizonte”. Lembrando que BH fica a pouco mais de 5 km do local, pergunto: ser� que os super, ultra, mega, hiper empres�rios se deslocam de carro pela regi�o ou apenas em aeronaves que “avuam”?
SENTA QUE TEM MAIS
Voc�s j� ouviram falar em “crit�rio locacional”? Nem eu. Mas um passarinho me soprou que na loca��o (�rea) do projeto existem tr�s: Monumento Natural da Serra do Souza (�rea de prote��o integral), Reserva Particular do Patrim�nio Natural Vale dos Cristais e Esta��o Ecol�gica do Cercadinho. “Mas que diabos � isso, Ricardo”?
Bem, trata-se dos riscos inerentes �s edifica��es vizinhas �s �reas de prote��o ambiental, como no caso. Quando isso ocorre, a lei determina a impossibilidade de licenciamento simplificado (LAS). Mais uma vez, os “ishpertinhos” n�o informaram � SEMAD as tr�s "reservas" acima. E fizeram isso nas duas vezes.
Al�m disso, se tudo acima j� n�o fosse suficiente para minha gastrite implorar por um omeprazol de 1kg, os empreendedores omitiram a infraestrutura vi�ria dispon�vel, qual seja, uma mini ponte, uma mini rotat�ria, uma pista simples - sem acostamento - e a congestionada rodovia MG-030. Caberiam a� mais 750 ve�culos fixos, al�m dos milhares de rotativos?
E O QUE DIZ A LEI
O Tribunal de Justi�a de Minas Gerais (TJMG) j� decidiu acerca das regras do licenciamento do Vale dos Cristais (os famosos 4 andares etc.). E mais: em caso de amplia��o do empreendimento, “... caracter�sticas de porte e potencial poluidor/degradador de tais amplia��es poder�o se regularizar por LAC1, a crit�rio do �rg�o ambiental”.
Confuso, n�? S� que n�o. Seguinte: o projeto em tela n�o poderia jamais ser solicitado e aprovado por Licenciamento Ambiental Simplificado (LAS), mas foi. E � dever dos empreendedores e do estado explicarem tal fato. Ali�s, a pr�pria AngloGold, que l� atr�s limitou as constru��es a 4 andares, tem de se explicar tamb�m.
E por falar em explica��es, chegou a hora de falarmos do Minist�rio P�blico. Com a devida v�nia - n�o � assim que os operadores do direito falam quando querem discordar educadamente de algu�m? -, por que o MP celebrou acordo em sentido contr�rio � lei e ao que ele pr�prio j� havia decidido, ferrenha e corretamente, durante anos?
AL�, MP: QUERO TE OUVIR
Durante 13 anos seguidos, o Minist�rio P�blico vinha sustentando e decidindo conforme estabelecido pelo Judici�rio. Por�m, em acordo judicial “sigiloso” no �mbito do COMPOR (sigla para Centro de Autocomposi��o de Conflitos e Seguran�a Jur�dica do Minist�rio P�blico do Estado de Minas Gerais)
que diabos � isso, afinal?), o MP, o estado de Minas Gerais, o munic�pio de Nova Lima e os empreendedores (Patrimar e Somattos) mudaram completamente o rumo da prosa.
Amigos, ou estamos diante de um caso de amn�sia coletiva dos doutores do MP, que l� atr�s e durante uma d�cada participaram ativamente do tombamento, das decis�es que impediram constru��es acima de 4 andares e tudo mais, como leg�timos protetores do meio ambiente que s�o, ou estamos diante de uma daqueles jabuticabas que apenas o Brasil tem.
S� O TJ NA CAUSA
Tomo emprestado o mantra bolsonarista, repetido � exaust�o durante meses - agora que a elei��o passou, acho que posso brincar sem ser xingado, n�? - e pe�o SOS n�o �s For�as Armadas, claro, mas ao Tribunal de Justi�a de Minas Gerais, pois foi “quem” me sobrou para pedir ajuda.
Sim, porque quando os Poderes Executivos Municipal e Estadual, construtoras renomadas (do porte e da excel�ncia de uma Patrimar e uma Somattos) e o Minist�rio P�blico se esquecem dos cidad�os comuns, do meio ambiente, do tr�nsito ca�tico e de tudo o que escreveram e assinaram no ver�o passado, s� me resta as barbas - brancas e honradas - do Poder Judici�rio.
Sendo assim: SOS, TJMG! A Serra do Souza, o Vale dos Cristais, o Cercadinho, a MG-030, Nova Lima e BH (Belvedere e regi�o) est�o abandonados � pr�pria sorte e � merc� da especula��o imobili�ria desenfreada que tomou conta da regi�o. Como � mesmo: “Ainda h� ju�zes em Berlim?”. Bom, se h� (na Alemanha) eu n�o sei, mas por aqui, sim, seguramente h�. Ou ao menos assim espero.