
No comecinho dos anos 2000, deu-se in�cio ao loteamento conhecido como Vale dos Cristais, em Nova Lima, a menos de 5 quil�metros de dist�ncia do BH Shopping. Planejado para ser um bairro sustent�vel, de baixa ocupa��o populacional e caracterizado pelo respeito ao meio ambiente e preserva��o da paisagem natural, hoje encontra-se totalmente desfigurado de seus prop�sitos iniciais, uma vez que em forte ritmo de ocupa��o e adensamento, tr�nsito ca�tico, d�ficit de tratamento de esgoto e palco de gigantesca especula��o imobili�ria.
ESPANTO I: PATRIMAR/SOMATTOS T�M DE EXPLICAR
Muito antes do tombamento da Serra do Souza, em 2013, que circunda o Vale dos Cristais, j� eram previstas medidas mitigat�rias de danos ou grandes impactos ambientais, dentre elas a limita��o de unidades multifamiliares, que deveriam “conversar” arquitetonicamente com as montanhas, tendo a altimetria dos edif�cios limitada a 4 andares e 16 apartamentos por bloco, no m�ximo, por exemplo. Uma r�pida visita ao loteamento, contudo, mostra evidente que os planos originais foram tratados como s�o tratadas as nossas riquezas naturais: com absoluto descaso.
Dentre tantos descalabros, chama a aten��o - em processo de licenciamento - um empreendimento gigantesco com torres de at� 15 andares (superando o limite de 4 andares previsto no licenciamento ambiental do Vale dos Cristais) das empresas Patrimar e Somattos, construtoras de grande porte e influ�ncia. Do processo de licenciamento inicial, na Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento (SEMAD), ao Termo de Acordo Judicial (TAJ) firmado com o Minist�rio P�blico (MP), a quantidade de inconsist�ncias, incongru�ncias e suspeitas � assustadora.
ESPANTO II: MINIST�RIO P�BLICO TEM DE EXPLICAR
Os mesmos agentes, por exemplo, que negaram empreendimentos com altura superior a 4 andares, em duas oportunidades ao menos, em 2011 e 2022, mudaram de opini�o (por qu�?) e celebraram acordo com as construtoras, permitindo edifica��es com altura superior � estabelecida, e que impactam sobremaneira a Serra do Souza, objeto, inclusive, de tombamento por alguns destes mesmos membros do MP, anos atr�s. Ou seja, o que valeu para alguns empreendedores, h� alguns anos, agora j� n�o vale mais. Refa�o a pergunta: por qu�?
Ali�s, foi em uma “reuni�o confidencial”, sem a participa��o da sociedade civil ou dos moradores da regi�o, que o Minist�rio P�blico e as construtoras celebraram, entre si, mas com validade para todos, um acordo que permitir�, por exemplo, um projeto de 720 apartamentos em local com acesso limitado por uma mini ponte e uma mini rotat�ria, que "desaguar�" na j� superlotada MG-30, e com interfer�ncia direta com a Serra do Souza, tombada, conforme j� dito acima, pelos mesmos servidores p�blicos que, estranhamente, mudaram de ideia agora.
ESPANTO III: GOVERNO DE MINAS TEM DE EXPLICAR
Antes deste TAJ, contudo, mais “coincid�ncias” que favoreceram as construtoras: o pedido de licenciamento ambiental feito ao estado foi indeferido. Pior: foi objeto de multa por supress�o vegetal. Acreditem, mas este mesmo processo “sumiu” da SEMAD e, 15 dias depois, um novo processo (sem as fotos que comprovaram a supress�o vegetal) foi apresentado e… aprovado! Sim, em duas semanas, os servidores do estado de Minas Gerais n�o aprovaram, multaram, aprovaram e n�o multaram os mesmos projetos e construtoras. Novamente: por qu�?
Mas n�o � s�: contrariando decreto municipal, o ex-prefeito Vitor Penido e seu secret�rio do meio ambiente, � �poca, emitiram parecer favor�vel ao empreendimento. N�o entenderam? Explico: prefeito e secret�rio, respons�veis por cumprirem e fazerem cumprir as leis municipais, as ignoraram francamente. De igual sorte, a Anglo Gold Ashanti, propriet�ria e vendedora das �reas dos empreendimentos - a mesma que constituiu as regras construtivas de forma a obter as licen�as ambientais necess�rias - tamb�m “mudou de opini�o”.
ESPANTO IV: ANGLO GOLD TEM DE EXPLICAR
A Anglo comercializou o loteamento com regras claras de constru��o, n�o adensamento e obedi�ncia � conserva��o ambiental. Por�m, agora, para vender o terreno � Patrimar e � Somattos, esqueceu o que foi dito, prometido e assinado, e reviu as condicionantes que criou e obrigou - inclusive a todos os adquirentes de lotes e apartamentos - a cumprir. Dessa forma, todos os atuais moradores do Vale dos Cristais foram feitos de trouxa, pois levaram gato por lebre, e ainda por cima tiveram de respeitar, durante anos, o que agora n�o vale mais.

ESPANTO FINAL: ADVOGADO TEM DE EXPLICAR
Para voc� que conseguiu chegar at� aqui, guardei a “cereja do bolo”: em 2004, o Procurador Geral do Munic�pio de Nova Lima foi o respons�vel por assinar o decreto que limitava as constru��es no Vale dos Cristais a edif�cios de no m�ximo 4 andares, conforme amplamente falado acima. Pois bem. Eis que hoje, curiosa e coincidentemente, este mesmo senhor (um advogado) � quem assina, pela construtora Patrimar, o TAJ com o Minist�rio P�blico, que permite constru��es com at� 9 andares. Como � mesmo? “H� mais coisas entre o c�u e a terra do que imagina nossa v� filosofia”.
No campo dos ditados, transcrevo mais um: “No creo en brujas, pero que las hay, las hay”. Quando o Governo do Estado, a Prefeitura do Munic�pio, o Minist�rio P�blico e algumas das maiores empresas do Pa�s confundem-se tanto com leis, decretos e tombamentos, indo e vindo em processos de licenciamentos ambientais e alvar�s de constru��o, eu, como mero cidad�o (o pagador de impostos, lembram-se?), me reservo o direito de me preparar para o pior: qualidade de vida mais baixa, custos mais altos e muita raiva dos poderosos de plant�o.
