
Este ano o carnaval propriamente dito transcorreu sem maiores novidades. Milh�es de pessoas nas ruas de todo o Brasil, muita fantasia, muita bebida e os desastres de tr�nsito de sempre. Na quarta-feira de cinzas tudo voltou ao normal e o ano de 2020 come�ou para valer, em meio ao cansa�o e � ressaca.
Enquanto o Brasil real fazia uma pausa, o Brasil do poder e da pol�tica resolveu fazer o seu pr�prio carnaval. Parece que para alguns a agita��o do carnaval comum n�o era suficiente, era preciso mais confus�o e mais bagun�a.
Os partid�rios mais extremados do atual poder, dentro e fora do governo, percebendo que, al�m dos discursos e das postagens nas redes sociais, pouca coisa efetivamente se modificou no pa�s, resolveram investir mais uma vez contra o Legislativo e o Judici�rio, atribuindo a eles a culpa pela imobilidade e a paralisia que s�o vis�veis na economia e na sociedade em geral. A ideia desses grupos � que o governo tem o diagn�stico, as propostas concretas e a capacidade administrativa para mudar o pa�s mas, ora o Congresso, ora o Judici�rio impedem o presidente de executar os seus planos, embora at� agora o Congresso s� tenha recusado mesmo coisas muito pequenas.
Nos pa�ses democr�ticos em todos os lugares do mundo os governos passam a maior parte do seu tempo convencendo o Parlamento e as institui��es de controle da justeza e dos benef�cios de suas medidas. � sempre um processo tortuoso e cheio de conflitos, desgastante e um pouco demorado. Bons governos n�o s�o os que tem ideias muito boas, mas aqueles que conseguem implementar as suas propostas e v�o reformando lentamente a sociedade.
''Empenhar-se em guerras culturais sem nenhum sentido, ou sair � ca�a de inimigos imagin�rios � muito mais f�cil. Anima as massas radicalizadas, mas n�o resolve nenhum problema''
O presidente Kennedy foi o autor dos mais belos discursos sobre a igualdade e os direitos civis dos americanos, mas morreu sem passar qualquer legisla��o relevante. Seu sucessor, o conservador pol�tico texano Lyndon Johnson, nunca fez um grande discurso ou uma grande promessa, mas aprovou toda a legisla��o de direitos humanos e os programas sociais de sa�de e assist�ncia para os pobres, que existem at� hoje nos Estados Unidos, quase sem altera��o. O que fez ele? Governou democraticamente, n�o convocando com�cios, mas usando todas as horas do seu dia para conversar, seduzir e convencer. Assim funcionam as democracias.
O tra�o distintivo essencial das democracias � a separa��o e a independ�ncia dos poderes do Estado. Se o Legislativo n�o pode corrigir ou impedir os atos do Poder Executivo, quando lhe parecerem errados ou prejudiciais � popula��o, ou se o Judici�rio n�o puder tamb�m se opor, com raz�es e fundamentos expl�citos, aos atos do governo, certamente estaremos numa ditadura. Tal estado de coisas, entre n�s, ocorreu durante o regime militar, que cassava mandatos parlamentares ou mesmo fechava o Congresso, quando este contrariava o governo e cassava ministros do Supremo diante de vota��es adversas.

Chamar de chantagem a a��o do Parlamento quando este contraria o Governo e por em d�vida perante a popula��o a integridade do Supremo Tribunal Federal s�o atitudes e comportamentos que flertam com a ditadura ou com as democracias farsescas que tem aparecido em alguns lugares do mundo.
No primeiro ano do Governo, tanto o Legislativo, quanto o Judici�rio, colaboraram com o governo mais do que em qualquer outro per�odo p�s-constitui��o. A aprova��o da reforma da Previd�ncia, antes tantas vezes tentada por sucessivos governos, inclusive do PT, � a mostra da solidariedade institucional que prevaleceu at� agora. Ser� que todos erram menos o governo?
O fato � que governar o Brasil, com seus problemas, sua pobreza, sua falta de crescimento e suas injusti�as, n�o � uma tarefa trivial. Empenhar-se em guerras culturais sem nenhum sentido, ou sair � ca�a de inimigos imagin�rios � muito mais f�cil. Anima as massas radicalizadas, mas n�o resolve nenhum problema.
Por isso, tor�o para que esta recente agita��o, mesmo envolvendo ministros e o pr�prio presidente, acabe se revelando apenas mais um carnaval. E que ap�s as cinzas, o governo n�o desista de governar e volte ao trabalho de construir e de pacificar.