Depois do temporal, sempre vem a calmaria

H� esperan�a quando pousa uma joaninha na sua roupa. Pensativa, voc� fica em d�vida da autenticidade da criatura, pois falta-lhe a carapa�a vermelha de bolinhas pretas, que enfeita panos de prato e im�s de geladeira.

Ela � marrom, meio desbotada, mas arranca um sorriso da gente, do mesmo jeito. Deve ser essa a raz�o de dizerem que ver uma joaninha traz felicidade. Traz mesmo.

H� esperan�a quando se v� a raiz de uma �rvore levantando a camada de asfalto, impondo a sua presen�a, lutando pela vida. Ela rompe as estruturas e cresce em dire��o ao c�u, livre e sem fronteiras. Nas pontas dos galhos, nascem buqu�s de flores alaranjadas, que humanizam a cidade.

H� esperan�a quando o v�deo de uma menina lourinha falando palavras dif�ceis viraliza na internet. Ela gosta de contar hist�rias e decorou um livro inteiro, sem saber ler. � um alento, em meio a memes non sense, banheiras de nutella e outras sonseiras.

H� esperan�a quando o menino aponta para um c�o na coleira, na sa�da da escola. “Queria ter um cachorro desses!”, diz. A m�e pergunta o motivo da prefer�ncia: “Repara na boca dele, que tem o formato de um sorriso. Ele vive feliz!”. Penso, intimamente, que desejo o mesmo para o meu filho. A �nica expectativa que os pais podem ter em rela��o aos filhos � de que eles sejam felizes, pouco importando a profiss�o, a escolha de seus companheiros, religi�o, orienta��o sexual ou sal�rio.

H� esperan�a quando se observa a atitude de nossos amigos no mundo virtual. Eles enviam figurinhas de beb�s fofos porque sabem que voc� gosta. Mandam v�deos emocionantes de supera��o, que fazem rir e chorar. Muitos oferecem ajuda, sem nem precisar pedir. Outro tenta te consolar com um tratado de filosofia.

H� esperan�a quando voc� abre o arquivo A consola��o da filosofia, de Sebasti�o Gusm�o e l� que ‘a meta da filosofia � a felicidade. Quando temos tudo para ser e n�o somos felizes, o que falta � sabedoria’.

O texto tamb�m cita S�neca: ‘Enquanto se espera viver, a vida passa’. E finaliza com o sublime entendimento de que ‘bem-aventurado ser� o g�nero humano se seu cora��o obedecer ao amor, o mesmo a quem o pr�prio c�u estrelado obedece. Elevar-se acima da terra � merecer as estrelas’.

H� esperan�a quando voc� perde o medo de deixar o filho adolescente andar sozinho de bicicleta. Oferecendo-se para ir com ele, voc� observa, aliviada, que em locais de muito tr�nsito, ele tem o cuidado de pedalar em cima do passeio.

E que, nos momentos de rebeldia, ele desce pela avenida em alta velocidade, mas d� sempre uma olhadinha ao cruzar as esquinas. E, principalmente, que ele n�o se esquece de sentir o vento no rosto, curtindo o caminho.

H� esperan�a quando voc� sabe que o filho de uma amiga passa horas treinando a voz para cantar a Quinta Sinfonia de Beethoven. E que o jovem se prepara para fazer parte do coral da Orquestra Filarm�nica de Belo Horizonte, que volta a se apresentar em dezembro. Duas alegrias.

H� esperan�a quando se ouve dizer que as m�scaras ser�o liberadas ao ar livre no Brasil, ap�s dois anos de distanciamento social na pandemia. H� esperan�a quando o sol se abre ap�s v�rios dias seguidos de chuva. Depois do temporal, vem a calmaria. Sempre vem.