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Estado de Minas VITALidade

Quem � a Elis Regina do comercial?

Quem � esse ente que ressurge dos t�mulos, mas cujas caracter�sticas essenciais s�o manipuladas por outras pessoas ou por dados limitados?


24/07/2023 06:00 - atualizado 07/08/2023 16:06
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Foto tirada do vídeo mostra Maria Rita olhando na direção de Elis Regina
Ainda que seja muito excitante assistir Elis Regina cantar com sua filha, � preciso pensar que n�o se trata verdadeiramente de Elis, mas de um simulacro manipulado por m�os humanas (foto: Volkswagen/Reprodu��o)
Recentemente, uma grande montadora de ve�culos do pa�s veiculou uma propaganda na qual, por meio de Intelig�ncia Artificial (AI), ressuscitou a cantora Elis Regina, a fim de que houvesse um in�dito dueto entre ela e sua filha Maria Rita, que contava com apenas quatro anos de idade quando da morte da m�e. A a��o teve o intuito de comemorar os 70 anos da montadora no Brasil e fez grande parte do p�blico se emocionar ao assistir o que nos parecia imposs�vel em outros tempos. No entanto, muitas foram as vozes que se levantaram questionando os limites �ticos da manipula��o das imagens de pessoas j� falecidas. 

A a��o da montadora n�o foi isolada, j� que Whitney Houston, em forma de holograma, fez uma turn� oito anos ap�s sua morte. Em raz�o disto, alguns artistas j� se manifestaram ou est�o se manifestando, a fim de definir o que pode ou n�o ser feito com suas imagens ap�s sua morte.

O ator Robin Williams, falecido em 2014, deixou em seu testamento a proibi��o de que sua imagem fosse manipulada por meio de Intelig�ncia Artificial pelo per�odo de 25 anos e, recentemente, ap�s uma interna��o, a cantora Madonna proibiu que sua imagem fosse recriada por holograma para que sejam feitos shows p�stumos usando seus dados.
Ser� que uma imagem manipulada por meio da Intelig�ncia Artificial pode mesmo nos trazer de volta uma pessoa querida? Se pensarmos que o que temos ali � meramente um holograma, que � forjado por pessoas vivas, a resposta tem que ser negativa. Partindo desse prisma, entender que a Intelig�ncia Artificial, por ora, consegue apenas reproduzir imagens e dizeres que a ela foram direcionados, mas nenhuma resposta do ente falecido, nos coloca para pensar: quem � esse ente que ressurge dos t�mulos, mas cujas caracter�sticas essenciais s�o manipuladas por outras pessoas ou por dados limitados?

H� um epis�dio da dist�pica s�rie Black Mirror, denominado Be Right Back, que nos oferta uma vis�o dos dilemas que a recria��o, por meio de Intelig�ncia Artificial, pode nos trazer. No epis�dio, a protagonista perde seu namorado em um acidente de carro e sua amiga a inscreve em um servi�o de Intelig�ncia Artificial capaz recriar seu amor perdido. Em raz�o do luto e da profunda dor pela qual estava passando, a protagonista acaba aceitando a ideia, e seu namorado � recriado com os dados existentes em suas redes sociais e em todos os seus arquivos digitais. 

Assim, surge uma vers�o digital do namorado perdido, contudo, recriada apenas com as informa��es dos limitados arquivos digitais que ele produziu enquanto estava vivo, o que faz dele, apesar de sua apar�ncia id�ntica ao falecido, apenas uma c�pia parcial e malfeita do namorado. Isso gera na protagonista, que esperava o amor de volta, um profundo rep�dio pela m�quina que tentava ser id�ntica a seu namorado e n�o conseguia, o que a leva a prend�-la no s�t�o da casa.

A situa��o que nos � colocada pelo epis�dio levanta quest�es profundas sobre a natureza da identidade da pessoa, do significado da exist�ncia e das quest�es �ticas envolvidas no processo. Ao recriarmos uma imagem ou representa��o de algu�m j� falecido por meio da Intelig�ncia Artificial, estamos frente a uma simula��o, uma mera proje��o, que pode evocar sentimentos profundos, como os de nostalgia e saudade, no entanto, n�o estamos diante de uma pessoa real, capaz de oferecer uma verdadeira intera��o.

Ainda que os hologramas possam ser incrivelmente realistas, eles s�o limitados pelas informa��es e dados dispon�veis enquanto a pessoa estava viva e, mesmo que as proje��es possam se assemelhar a pessoas queridas em apar�ncia e em suas express�es conhecidas, elas n�o possuem a ess�ncia �nica e complexa da personalidade e da consci�ncia.

Isso nos coloca para pensar o que de fato define uma pessoa. Seria apenas sua apar�ncia f�sica e suas caracter�sticas externas, ou algo mais profundo, como suas experi�ncias, mem�rias, valores e pensamentos? A resposta a tais quest�es transcende o �mbito da tecnologia e deve ser objeto de profunda reflex�o de nossa parte. 

A Filosofia nos ensina que a identidade humana � uma quest�o complexa, composta por in�meros elementos interconectados. Somos seres em constante mudan�a e evolu��o, influenciados pelas experi�ncias vividas e pelas rela��es que estabelecemos com os outros e com o mundo que nos cerca. A ideia de que uma imagem gerada por meio da Intelig�ncia Artificial possa representar integralmente quem somos �, portanto, ilus�ria e superficial. 

As quest�es levantadas por essa busca de ressuscitar pessoas queridas por meio da Intelig�ncia Artificial nos leva ao necess�rio enfrentamento do dilema filos�fico da finitude humana. A morte � uma condi��o inerente � vida, e lidar com a perda � parte da nossa experi�ncia enquanto seres viventes. Tentar negar essa realidade com artif�cios tecnol�gicos pode gerar consequ�ncias imprevis�veis e conflitos emocionais profundos, como expresso pelo epis�dio de Black Mirror mencionado. 

A tentativa de ressurrei��o, por meio da Intelig�ncia Artificial, pode ser vista, sob certos aspectos, como uma fuga da realidade, que nos impede de lidar com os aspectos mais profundos da exist�ncia humana, como a dor da perda e aprecia��o do momento presente. 

Ainda que seja muito excitante assistir a uma propaganda que recria Elis Regina e a faz cantar com sua filha, � preciso pensar que n�o se trata verdadeiramente de Elis Regina, mas de um simulacro manipulado por m�os humanas. Quem sabe, ao inv�s de buscar a imita��o artificial de quem j� partiu, seria muito mais honesto buscarmos honrar a mem�ria daqueles que j� foram por meio das lembran�as afetivas e das contribui��es que deixaram para n�s enquanto ainda estavam presentes.

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