
A salva��o que o pequi, – o fruto s�mbolo do cerrado –, proporciona aos munic�pios do sert�o n�o se restringe mais � �poca da colheita, que vai de novembro a janeiro. Os ganhos distribu�dos pela cultura j� s�o observados durante todos os meses do ano, com a entrada em cena de novas formas de beneficiamento, entre elas a produ��o da polpa, da conserva e da castanha do pequi.
Diante das inova��es, a “fartura” do pequizeiro refor�ou sua import�ncia como alavanca da economia e do com�rcio dos pequenos munic�pios do Norte de Minas Gerais, ajudando as fam�lias no enfrentamento do per�odo crucial da seca. A atividade tamb�m passou a contar com um aliado, o sistema de microcr�dito.
Formada por 60 pequenos produtores ligados ao extrativismo, a Cooperua�u beneficia diretamente 624 fam�lias de 12 comunidades que vivem da agricultura familiar. Beneficia e comercializa v�rios produtos extrativistas do cerrado, tendo como carro-chefe o pequi, respons�vel por cerca de 80% dos neg�cios. Neste ano, a cooperativa dever� comercializar duas toneladas de pequi, “praticamente tudo fora da safra”, informa Sirqueira.
9 toneladas, foi o volume de pequi em conserva exportado para o Jap�o, em 2018, pela Cooperua�u
“Ter a possibilidade de disponibilidade do pequi o ano todo significa seguran�a e soberania alimentar”, destaca o coordenador t�cnico da Cooperua�u. O fato de os clientes poderem escolher o dia e hora de consumir o “ouro do cerrado”, independentemente da �poca do ano, proporciona ao extrativista fonte constante de renda, inclusive com melhores pre�os, como destaca Joel Sirqueira.
A polpa de pequi em conserva � o principal produto oferecido pelos cooperados, que disponibilizam tamb�m a polpa de pequi congelada, farofa e �leo; doce em barra e castanha in natura e cristalizada. Eles comercializam n�o s� em Montes Claros, como em Belo Horizonte, S�o Paulo e Bras�lia, al�m da venda em feiras e eventos e pela internet.
A Cooperua�u tamb�m impulsionou os seus neg�cios com a busca da exporta��o, fazendo o gosto do pequi chegar ao outro lado do mundo. No ano passado, em parceria com a Organiza��o N�o-Governamental (ONG) Central do Cerrado, vendeu 9 toneladas de pequi em conserva para o Jap�o. Nova remessa do produto est� sendo negociada neste ano. A entidade comercializou, ainda, o creme de pequi e a castanha para a It�lia.
"Ter a possibilidade de disponibilidade do pequi o ano todo significa seguran�a e soberania alimentar''
Joel Ara�jo Siqueira, coordenador t�cnico da Cooperua�u
Tesoureira da Cooperua�u, a agricultora Eva Aparecida Santos Mota, de 37 anos, ressalta que a “pereniza��o” da comercializa��o do pequi e derivados do fruto o ano inteiro mudou completamente a renda das fam�lias da regi�o.
“Antes, a gente s� poderia usufruir do pequi durante a safra. Depois, n�o tinha mais renda. A vida era muito dif�cil. O pessoal ficava muito na depend�ncia dos atravessadores e depois da safra n�o tinha mais renda. Agora, o dinheiro do pequi chega o ano inteiro”, relata Eva. O pre�o do fruto dobra no per�odo fora da �poca da colheita, quando o fruto-s�mbolo do cerrado � apanhado por homens, mulheres e crian�as no ch�o debaixo dos pequizeiros, no sistema extrativista.
“Aprendemos a aproveitar o pequi, a sobreviver do cerrado e a enfrentar a seca”, diz a agricultora. Ela destaca a import�ncia da produ��o de derivados do fruto nativo, j� aproveitado at� na fabrica��o de sab�o. Alguns anos atr�s, quando n�o existia nenhuma t�cnica para obten��o dos derivados do produto, grandes quantidades de pequi eram perdidas no meio do mato. Na comunidade rural do On�a, no munic�pio de Janu�ria, onde a agricutora trabalha, 21 fam�lias t�m o seu sustento retirado do extrativismo.
Poupan�a
A salva��o por meio do pequi durante o ano inteiro tamb�m � verificada em Japonvar, outro munic�pio do Norte de Minas, com 8,6 mil habitantes. Fernando Cardoso de Oliveira, t�cnico do escrit�rio local da Empresa de Assist�ncia T�cnica e Extens�o Rural (Emater-MG), afirma que a comercializa��o do pequi em conserva e a produ��o de polpa e outros derivados viabilizaram uma esp�cie de “poupan�a” para a garantir a sobreviv�ncia dos pequenos produtores fora do per�odo de safra do fruto.
No pico da safra, devido � lei da oferta e da procura, o pre�o do pequi na regi�o cai muito – no final de 2018, a caixa de 30 quilos, antes vendida a R$ 10, chegou a ser vendida no munic�pio por valores entre R$ 3 e R$ 5. “Desta forma, a �poca da safra acaba sendo prop�cia para o catador de pequi fazer polpa, extrair o �leo e guardar estoques para os outros meses do ano. Esse armazenamento, essa poupan�a, vamos dizer assim, faz com que o agricultor extrativista continue tendo renda durante o ano todo para se manter”, afirma.
Oliveira estima que, atualmente, em torno de 2 mil a 2,5 mil moradores de Japonvar apuram renda do pequi na “p�s-colheita” do fruto. O munic�pio conta com uma cooperativa que trabalha com o processamento do produto, reunindo 218 associados. Um empres�rio da cidade j� vende pequi at� para os Estados Unidos.
Empr�stimo � facilitado nas cozinhas

Dona Nenem conseguiu empr�stimo de R$ 5 mil do microcr�dito, usados na conclus�o de uma unidade de beneficiamento do na comunidade de Cabeceiras, onde mora, a tr�s quil�metros da sede urbana. “O dinheiro me ajudou muito. Antes, eu trabalhava com o pequi debaixo de uma �rvore. Agora, temos um galp�o e um fog�o industrial para preparar a polpa de pequi”, conta a produtora.
Na safra 2018/2019, Maria dos Anjos produziu 4 mil quilos de pequi em caro�o e 500 quilos de polpa. Atualmente, ela trabalha com a produ��o da castanha de pequi. A pretens�o � ofertar 200 quilos de castanha de pequi, mas a meta j� foi superada, alcan�ando mais de 300 quilos.
A produtora conta que trabalha com o microcr�dito h� nove anos. “Na primeira vez peguei R$ 500 para comprar quatro porcos”, disse dona Nenem, acrescentando que engordados, ap�s um ano, os quatro su�nos foram vendidos a R$ 2 mil. “Esse microcr�dito � aben�oado. Ajuda a gente demais”, diz a moradora de Japonvar.
Outra agricultora extrativista que recorreu ao microcr�dito para incrementar o beneficiamento do pequi e elevar a renda durante todos os meses do ano foi Vicentina Bispo de Almeida, a “Tina”, de 62, moradora de Janu�ria, tamb�m no Norte do estado. Ela fez um empr�stimo de R$ 1,5 mil no fim de 2018, usados para compra de insumos, principalmente, e de embalagens.
Os derivados decretam fim �s perdas do mato
Como bem definiu o escritor Euclides da Cunha, embora seja “antes de tudo, um forte”, o sertanejo precisa de uma ajudinha para n�o evitar deixar o seu local de origem e superar a falta d �gua e a baixa ou a aus�ncia da produ��o no per�odo crucial da estiagem. No Norte de Minas, ele se estende de abril a outubro. Por isso, a renda gerada pelo pequi fora dos meses da colheita da esp�cie nativa do cerrado ganha maior import�ncia ainda nos meses de “seca braba”.
Essa relev�ncia da renda da ind�stria do pequi no combate aos efeitos da seca � destacada por Fernando Oliveira, da Emater. Ele salienta que Japonvar n�o tem nenhuma ind�stria e depende da agricultura. Sem emprego e condi��es, na pr�tica, de produzir durante o per�odo de estiagem, muitos moradores do munic�pio se veem obrigadas a deixar o lugar em busca do sustento no corte de cana-de-a��car e nas colheitas de caf� em outras regi�es, na constru��o civil ou em servi�os dom�sticos nos grandes centros urbanos. O beneficiamento do fruto s�mbolo do cerrado est�, portanto, servindo para conter a migra��o.
“Muitas pessoas n�o querem deixar o lugar de origem. E permanecem aqui vivendo do pequi mesmo fora da safra, com a venda da polpa, do fruto em conserva, da castanha, do �leo (de pequi) e de outros derivados”, enfatiza Oliveira. O especialista afirma que, de fato, a renda obtida com o processamento e venda de derivados do pequi tem salvado as fam�lias e garantido movimento no com�rcio local nos �ltimos meses, nos quais os efeitos danosos da estiagem prolongada se intensificaram no munic�pio.
De acordo com Fernando Oliveira, historicamente, a quantidade de chuvas anual em Japonvar varia de 900 a 1.200 mil�metros. Num ano chuvoso 2018/2019, foram registrados apenas 480 mil�metros na cidade. “As perdas foram de 100% nas lavouras de milho e de 70% a 80% nas planta��es de feij�o. Se n�o fosse o pequi, o munic�pio estaria em situa��o muito dif�cil”, conclui Oliveira.