postado em 08/07/2019 06:00 / atualizado em 08/07/2019 08:55
Enquanto a saca do caf� comum � vendida por R$ 400, o pre�o do superior pode chegar ao dobro (foto: Arquivo pessoal)
Em um cen�rio em que o caf� commoditie insiste em manter cota��o baixa, em alguns casos n�o chegando a cobrir os gastos do produtor, o investimento em um produto melhor, com maior valor agregado, � uma das melhores sa�das para o produtor. O conselho � de Breno Mesquita, presidente da Federa��o da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg), assim como das comiss�es estadual e nacional de cafeicultura, que afirma que a produ��o nacional de caf�s especiais vem aumentando ao longo dos anos, tendo atingido entre 6 milh�es e 10 milh�es de sacas, sendo que Minas Gerais � respons�vel por metade desse volume.
O Brasil � o maior produtor de caf� do mundo e o principal exportador, al�m de o segundo maior consumidor da bebida. Minas Gerais responde por mais da metade dessa produ��o. Enquanto 70% do caf� brasileiro � da esp�cie ar�bica, o restante, 30%, para o conilon, no estado nada menos que 98% s�o Ar�bica.
De acordo com Mesquita, o caf� ar�bica � mais suave e tem qualidade superior, enquanto o conilon tem mais cafe�na e � tido como caf� de segunda, sendo muito usado na ind�stria de sol�veis. “Mas, hoje, j� se produz um conilon especial no Esp�rito Santo, Bahia e Rond�nia”, garante o presidente da Faemg.
Segundo Mesquita, para aprimorar a qualidade do produto � preciso conhecer as t�cnicas e o manejo correto na colheita e no p�s-colheita, muitos deles oferecidos pelo Servi�o Nacional de Aprendizagem Rural – Administra��o Regional de Minas Gerais (Senar Minas).
“Essas informa��es s�o importantes para obter caf�s especiais, com qualifica��o acima dos 84 pontos na escala da Associa��o Americana de Caf�s Especiais (SCAA), Enquanto a saca do caf� comum � vendida por R$ 400, um caf� superior pode chegar ao dobro. � claro que o custo � maior, porque os cuidados s�o maiores, mas o maior valor agregado compensa.”
Localizada no munic�pio de Machado, na Regi�o Sul de Minas Gerais, a Fazenda Recanto produz caf�s de qualidade superior. O propriet�rio, Afr�nio Ferreira Paiva, explica que a primeira medida a ser tomada para obter um bom caf� � mapear a propriedade e identificar os fatores que favorecem a qualidade do fruto.
Um deles � o clima, mais precisamente a posi��o geogr�fica do plantio, que pode ter mais ou menos insola��o. No caso do caf�, deve haver um equil�brio, nem muito e nem pouco sol.
“O clima a gente n�o domina. � preciso conhecer o hist�rico da regi�o. Mas o aumento da temperatura vem mudando esse cen�rio, e, hoje, as floradas uniformes est�o se reduzindo, o que aumenta a incid�ncia de gr�os em diversos est�gios de matura��o: o cereja (maduro, com colora��o vermelha ou amarela), que � o ideal; o seco, que pode ter sido muito exposto � umidade, o que favorece a contamina��o por micro-organismo, comprometendo sua qualidade; e o verde, de baixa qualidade”, explica o produtor.
ESP�CIES
Outro fator importante � o solo, que deve ser equilibrado, sendo realizadas as corre��es normais, como a aduba��o. A escolha da variedade da planta tamb�m � determinante para obter produto de qualidade.
Na Fazenda Recanto s�o usadas variedades j� comprovadas da esp�cie ar�bica – como bourbon amarelo, catua�, catuca�, rubi e mundo novo –, algumas delas mais propensas a produzir caf�s de qualidade. A propriedade tamb�m tem um campo experimental, onde � analisada a evolu��o de esp�cies diferentes. Uma delas � a variedade gueixa, de origem africana, mas descoberta no Panam�.
Depois da implanta��o da lavoura, outra metodologia � usada para comprovar a qualidade do caf�. Os frutos s�o analisados a partir de um aparelho chamado refrat�metro, que usa a escala Brix para determinar o teor de a��car no fruto. Mesquita explica que o Brix ideal � a partir de 24, numa escala que varia de zero a 30. � a partir desse teor elevado que se identificam os frutos de maior qualidade, que dar�o origem a lotes especiais, com maior valor agregado.
“Depois de colhida, a fruta j� atingiu todo o seu potencial e n�o h� muito o que se fazer para melhorar as caracter�sticas principais que se identificam em um caf�, como a acidez, a do�ura e o corpo. Todo o cuidado no p�s-colheita � feito para preservar as caracter�sticas do fruto”, afirma o produtor, chamando a aten��o para a import�ncia de uma secagem benfeita.
Os limites de temperatura devem ser respeitados, assim como a higiene. No processo de lavagem, em que se retira a polpa e faz-se a separa��o dos gr�os, � preciso expor o caf� � �gua pelo menor tempo poss�vel, j� que isso � prejudicial. Depois, � feita a pr�-secagem em terreiros.
Como o volume � grande, a secagem final � feita em secador mec�nico. “A vida do caf� s� se encerra quando a bebida � ingerida. Ent�o, � preciso respeitar as normas de qualidade em todos os processos que se seguem – a armazenagem, a torrefa��o, a embalagem e, finalmente, a extra��o” ensina o produtor.
M�todo de processamento
O barista Leo Mo�o desenvolveu processo que resulta em frutos com mais aroma e sabor (foto: Arquivo pessoal)
Novas t�cnicas mostram que existe “vida” ap�s a colheita do caf�. O barista Leo Mo�o, tetracampe�o brasileiro, desenvolveu, ao longo de quatro anos, o Sprouting Process, que resulta em gr�os com mais aroma e sabor. O processo foi usado em uma fazenda no munic�pio de Carl�polis, no interior do Paran�, e resultou em aumento de mais de 10 vezes no valor da saca produzida, partindo de R$ 450 para R$ 5 mil.
O caf� � colhido cereja (maduro), lavado e colocado em bombonas pl�sticas por 10 a 20 dias. Esses recipientes t�m v�lvulas que criam um ambiente rico em CO² – formado pela pr�pria fermenta��o, que, sendo mais pesado que o oxig�nio, o empurra para fora –, que inibe o desenvolvimento de bact�rias e fungos e faz com que as enzimas presentes na casca do caf� criem uma fermenta��o natural.
Diferentemente da fermenta��o por micro-organismos, naquela feita por enzimas (realizada dentro da fruta) o gr�o usa o a��car quebrado como energia para aumentar sua matura��o, elevando, assim, seu poder de germina��o, fazendo com que os gr�os mudem sua composi��o qu�mica, aumentando tamb�m sua complexidade. De acordo com Mo�o, outro benef�cio do Sprouting Process � a obten��o de um lote mais homog�neo, j� que todos os frutos foram expostos ao mesmo ambiente.
O barista conta que o processo foi desenvolvido no Paran�, devido � dificuldade de se produzirem caf�s de qualidade na regi�o. “O normal do Paran� � chover muito durante a colheita, o que torna muito dif�cil um p�s-colheita benfeito. Ent�o, estudei uma forma de criar uma fermenta��o ben�fica para o caf�, sem que a chuva e o frio fossem vil�es”, explica. A t�cnica foi inspirada em um processo do vinho chamado macera��o carb�nica, e devidamente adaptada para o caf�.
Segundo Mo�o, devido ao clima favor�vel, no Brasil, o caf� chega a ficar 90 dias a menos no p� em rela��o � Col�mbia, por exemplo. Devido a esse fator, o fruto amadurece mais r�pido, o que pode ser positivo para desenvolver a polpa, que, no caso do caf�, n�o � utilizada. Por�m, isso compromete o desenvolvimento do gr�o, que, com a aplica��o do processo, tem seu potencial de germina��o prolongado. Por esse motivo, normalmente o caf� brasileiro � considerado menos denso, com menor composi��o qu�mica interna.
O Sprouting Process � interessante para o produtor que produz mais do que tem espa�o no terreiro, que n�o pode programar a secagem em uma semana (se as condi��es clim�ticas forem favor�veis), j� que o gr�o sai praticamente desmucilado (sem a polpa), diminuindo o tempo de secagem. Mas isso n�o significa que a t�cnica � invi�vel para o grande produtor. “Na Fazenda Sequoia, estamos produzindo cerca de 700 sacas nesse processo, que � uma etapa para o produtor que quer atingir um outro mercado, o mercado de superespecial, que paga mais e � a sa�da para os baixos pre�os da commoditie”, explica Mo�o.
COLHEITA SELETIVA
O barista firmou parceria com o Instituto Paranaense de Assist�ncia T�cnica e Extens�o Rural (Emater) para difundir o Sprouting Process para pequenos produtores do Paran�. J� foram treinados quase 40 t�cnicos, que est�o aplicando o m�todo em suas regi�es. De acordo com C�ntia Mara Lopes de Souza, coordenadora do projeto Mulheres do Caf� do Norte Pioneiro do Paran�, o curso modificou a forma de atua��o dos agricultores familiares. “Com as dicas e informa��es, os produtores perceberam que a qualidade do caf� � definida no processo de uma colheita seletiva, com gr�os na matura��o correta, com os diferentes processos de secagem, o que vai agregando mais valor ao produto”, avalia.
“Trabalho com caf� desde 2005 e sempre percebi que ningu�m conta seus 'segredos'. Mas, hoje, o caf� brasileiro n�o � muito benvisto no cen�rio mundial dos superespeciais. Isso me atrapalha como barista. Quando participo de campeonatos, existe um preconceito em rela��o ao caf� do Brasil e isso afeta meu julgamento final. Assim, minha ideia � multiplicar esse processo para ajudar o Brasil a atingir outro patamar, vendendo para as principais torrefa��es do mundo, tornando esse preconceito nulo”, afirma Mo�o.
O barista conta que n�o esperava por uma procura t�o grande este ano, de produtores interessados na t�cnica. O processo vem sendo desenvolvido em v�rias partes do pa�s. “Tenho trabalhos em in�meras regi�es e j� vendi para o exterior um cont�iner desse caf�, mesmo sem ter produzido. Em Rond�nia, estamos fazendo o processo com a esp�cie conilon tamb�m. Meu sonho � que seja a nova commoditie de valoriza��o. Os produtores est�o recebendo pelo menos o dobro do valor de hoje. Em outro extremo, no ano passado, pagamos R$ 3 mil pela saca de um produtor que entregou um produto maravilhoso, que vendemos por R$ 212 o quilo”, contabiliza Mo�o.