
O embranquecimento do cabelo � um processo natural, associado ao envelhecimento, quando a produ��o de melanina come�a a se tornar deficiente. Por�m, em algumas pessoas, isso parece ocorrer antes do tempo, especialmente nos casos em que os fios brancos se multiplicam ap�s um per�odo de estresse. Agora, um estudo com a participa��o de um pesquisador brasileiro desvenda os mecanismos biol�gicos do fen�meno e mostra tamb�m que � poss�vel revert�-lo. O artigo, publicado na revista Nature, n�o prop�e a “cura” dos cabelos grisalhos, mas, sim, apresenta as bases cient�ficas de mais um dano provocado por est�mulos excessivamente desgastantes.
“Todo mundo tem uma anedota para compartilhar sobre como o estresse afeta seu corpo, principalmente na pele e no cabelo, os �nicos tecidos do organismo que podemos ver de fora”, diz a autora s�nior, Ya-Chieh Hsu, professora de biologia celular e regenerativa da Universidade de Harvard. Um caso cl�ssico citado por ela — e que, provavelmente, n�o passa de uma lenda com algum fundo de verdade — � o da rainha Maria Antonieta, que teria ficado com os cabelos completamente brancos na v�spera de ser guilhotinada. “Quer�amos entender se essa conex�o � verdadeira e, em caso afirmativo, como o estresse leva a altera��es em diversos tecidos. A pigmenta��o capilar � um sistema muito acess�vel para pesquisar, e est�vamos genuinamente curiosos para ver se o estresse realmente leva a cabelos grisalhos.”
J� o brasileiro Thiago Mattar Cunha, do Centro de Pesquisa de Doen�as Inflamat�rias (Crid) da Faculdade de Medicina de Ribeir�o Preto da Universidade de S�o Paulo (FMRP-USP), entrou nesse estudo sem que seu objetivo inicial fosse desvendar se o estresse est� associado ao embranquecimento do cabelo. Financiada pela Funda��o de Amparo � Pesquisa do Estado de S�o Paulo (Fapesp), a linha de pesquisas de Cunha concentra-se na dor cr�nica. Um dos experimentos consistia em provocar um est�mulo descrito por ele como extremamente doloroso em camundongos.
“A pelagem dos animais era negra e ficou clara depois de passarem por um estresse intenso. A mudan�a foi da �gua para o vinho, o que nos chamou muito a aten��o. N�o est�vamos esperando por isso”, conta o pesquisador. A altera��o na cor foi percebida quatro semanas depois da inje��o da subst�ncia resiniferatoxina, aplicada nos camundongos para ativar um receptor localizado nas fibras nervosas sensoriais e, assim, provocar a dor. O experimento, ent�o, foi repetido algumas vezes — agora, com objetivo de verificar a associa��o entre estresse e embranquecimento dos fios. Thiago Mattar Cunha afirma que, nos camundongos submetidos a est�mulos dolorosos mais brandos, os pelos clarearam, mas nem tanto: “Foi completamente diferente”.
Em prontid�o
Segundo o pesquisador, a explica��o para o embranquecimento p�s- estresse est� no sistema nervoso simp�tico, aquele que rege a resposta diante de um est�mulo de perigo ou dor. Quando estimulado, ele aciona uma cadeia de rea��es, colocando o organismo em prontid�o. Uma dessas a��es � a libera��o de adrenalina e cortisol — subst�ncias que, embora essenciais para deflagrar os mecanismos de lute ou fuja, em excesso ou de forma cr�nica, s�o prejudiciais, afetando negativamente o corpo como um todo.
Segundo o pesquisador, a explica��o para o embranquecimento p�s- estresse est� no sistema nervoso simp�tico, aquele que rege a resposta diante de um est�mulo de perigo ou dor. Quando estimulado, ele aciona uma cadeia de rea��es, colocando o organismo em prontid�o. Uma dessas a��es � a libera��o de adrenalina e cortisol — subst�ncias que, embora essenciais para deflagrar os mecanismos de lute ou fuja, em excesso ou de forma cr�nica, s�o prejudiciais, afetando negativamente o corpo como um todo.
Cunha descobriu por acaso que um grupo de pesquisadores da Universidade de Harvard, onde ele atuou como professor visitante at� o ano passado, havia feito descobertas semelhantes � dos cientistas de S�o Paulo. Assim, ele foi convidado por Ya-Chieh Hsu para participar do estudo que a bi�loga vinha conduzindo.
A princ�pio, a cientista imaginou que o mecanismo por tr�s do branqueamento dos pelos envolvia o sistema imunol�gico: o estresse atacaria as c�lulas produtoras de pigmentos. Por�m, modelos de camundongos sem as c�lulas de defesa tiveram a mesma resposta ao est�mulo doloroso: ficaram com os fios brancos. Em seguida, os pesquisadores testaram a hip�tese de o cortisol, conhecido como “horm�nio do estresse”, ser o respons�vel por mudar a cor da pelagem dos animais. Mais uma vez estavam errados. “O estresse sempre eleva os n�veis do horm�nio cortisol no corpo. Ent�o, pensamos que ele poderia desempenhar um papel. Mas, surpreendentemente, quando removemos a gl�ndula adrenal dos ratos para que eles n�o pudessem produzir horm�nios semelhantes ao cortisol, seus pelos ainda ficaram grisalhos sob estresse”, recorda a cientista.
Por fim, o grupo chegou ao sistema nervoso simp�tico, formado por nervos que se ramificam em cada um dos fol�culos pilosos da derme. No bulbo capilar, existe um reservat�rio de c�lulas-tronco produtoras de pigmento. Quando h� degenera��o do fio, essas estruturas, em princ�pio indiferenciadas, especializam-se na fabrica��o de melanina.
Sem reservas
Os pesquisadores descobriram que, sob estresse, os nervos simp�ticos liberam a noradrenalina, que � absorvida pelas c�lulas-tronco regeneradoras de pigmentos. Quando isso acontece, todas as c�lulas se convertem em produtoras de melanina, esgotando o reservat�rio antes do tempo. Assim, o cabelo torna-se branco prematuramente, um processo que, ao menos naturalmente, � irrevers�vel.
“Quando come�amos a estudar isso, eu esperava que o estresse fosse ruim para o corpo, mas o impacto est� al�m do que eu imaginava. Depois de apenas alguns dias, todas as c�lulas-tronco regeneradoras de pigmentos foram perdidas. Quando elas desaparecem, voc� n�o pode mais regenerar o pigmento. O dano � permanente.” Em laborat�rio, por�m, os cientistas conseguiram revert�-lo. Em um experimento, Thiago Mattar Cunha removeu dos camundongos os nervos do sistema simp�tico e, mesmo sob forte est�mulo doloroso, a pelagem dos animais n�o mudou de cor. Isso foi confirmado em outro teste, onde os animais receberam uma inje��o que impede os nervos de produzir noradrenalina.
Cunha esclarece que o objetivo do estudo n�o foi est�tico, at� porque o uso das subst�ncias com potencial de bloquear o processo seria prejudicial ao organismo. Embora ele diga que talvez um produto de uso t�pico pudesse evitar o branqueamento dos pelos em resposta ao estresse, o pesquisador afirma que as descobertas abrem perspectivas de explorar outras quest�es, especialmente as relacionadas � dor.
