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Estado de Minas Comportamento

Cozinhaterapia: O resgate no s�culo 21 de uma tradi��o

A dica de quem entende do assunto � n�o for�ar, mas estar aberto a descobrir este universo de sabores, prazeres, amor, aten��o, imagina��o e sa�de


13/12/2020 04:00 - atualizado 13/12/2020 08:12

(foto: Alyson McPhee/Unsplash)
(foto: Alyson McPhee/Unsplash)
At� parte do s�culo 20, saber cozinhar era uma tradi��o ensinada em fam�lia, passada de gera��o em gera��o. Afazeres dom�sticos faziam parte da educa��o.

Hoje (j� faz um tempo), n�o � mais assim. A modernidade, o comportamento, os avan�os na sociedade, enfim, deram origem a outro cen�rio.

Muitos sa�ram ou fogem da cozinha, n�o se interessam, n�o t�m tempo, n�o quiseram aprender, chegaram os congelados e fast-food com toda a praticidade e riscos � sa�de que representam.

J� na segunda d�cada do s�culo 21, a cozinhaterapia chega para n�o s� conquistar as pessoas e lev�-las de volta � cozinha, como tamb�m uma ferramenta de bem-estar, qualidade de vida e sa�de mental. Um resgate ao sabor de verdade.

Para o chef Felipe Caputo, as pessoas t�m sempre uma refer�ncia quando o assunto � sabor, n�o � mesmo? Seja comida de av�, da m�e, de algum restaurante explorado durante uma viagem.

Com a correria do dia a dia, quase todo mundo acaba comendo fora de casa, fazendo lanches r�pidos ou comendo congelados. E quando bate a vontade de comer algo gostoso, muitos se encaminham a um restaurante ou casa de algum familiar ou amigo que cozinhe bem.

“A pandemia deu uma quebrada nesse ritmo. Por passarmos mais tempo em casa, coisas que antes eram quase feitas de forma autom�tica e corrida foram readaptadas. Um desses h�bitos tem total rela��o com a comida. Os congelados, os aplicativos e at� mesmo os marmitex foram, aos poucos, sendo deixados de lado. Al�m da preocupa��o com a sa�de e com o ganho de peso, o ato de cozinhar acabou se tornando uma esp�cie de atividade relaxante e saborosa, j� que comida feita em casa, com nosso tempero, tem outro sabor e valor nutricional.”

 

''Al�m da preocupa��o com a sa�de e com o ganho de peso, o ato de cozinhar acabou se tornando uma esp�cie de atividade relaxante e saborosa, j� que comida feita em casa, com nosso tempero, tem outro sabor e valor nutricional''

Felipe Caputo, chef



Felipe Caputo (foto: Debora Gabrich/Divulgação)
Felipe Caputo (foto: Debora Gabrich/Divulga��o)
Felipe Caputo acredita que uma forma de conquistar as pessoas e lev�-las de volta � cozinha � faz�-las entender que comer n�o precisa de medo, de restri��o ou de culpa.

“Alimenta��o n�o � s� mastigar a comida, � momento de prazer, desde a escolha do que vai ser feito, o fato separar os temperos, picar um alho, uma cebola, at� o momento de a mesa estar posta. N�o estou dizendo que as pessoas n�o precisam se preocupar com a alimenta��o saud�vel. Pelo contr�rio. Elas precisam entender que quanto mais forem para a cozinha e fizerem o pr�prio prato, mais saud�vel e saboroso elas v�o comer.”

O chef enfatiza que v�rias li��es foram resgatadas neste momento. Ele ressalta que passamos mais tempo em casa, seja com familiares, com o colega de apartamento ou sozinho.

Em vez de ir para a rua, reaprendemos o valor do lar e a fazer coisas prazerosas dentro desse espa�o. Uma delas � cozinhar, picar os alimentos, escolher os pratos que ser�o feitos em cada refei��o, al�m do h�bito de sentar � mesa e dedicar mais tempo a algo t�o precioso como a alimenta��o.

Antigamente, era comum pedirmos a comida por aplicativo ou deixar apenas uma pessoa com a obriga��o de cozinhar. Na hora de comer, cada um ia para seu quarto, comia em hor�rios diferentes e na frente da TV.

Hoje, as pessoas v�o juntas para a cozinha, escutam  m�sica e conversam sobre a vida enquanto preparam algo gostoso. “Isso � muito positivo e faz com que, al�m de estar juntas na cozinha, acabem assentando juntas � mesa para provar e aprovar o que foi feito.”

Felipe Caputo alerta que as pessoas est�o adoecidas.

“Vivemos uma �poca de dois extremos: de um lado, est�o as pessoas que vivem de dieta restritiva, contando a caloria de cada alimento. N�o se preocupam com o sabor, apenas com os efeitos na balan�a. Do outro, est�o os fast-food, desculpa perfeita de refei��o para quem n�o tem tempo de cozinhar, ir a um restaurante para comer comida de verdade e precisa de praticidade. A ind�stria e o capitalismo transformaram a comida em produto. E ela � muito mais do que isso.”

Ao voltarmos para a cozinha de casa, resgatamos o real sentido da alimenta��o, fazendo bem para a mente, para a rela��o com as pessoas pr�ximas e com a gente mesmo.

“Ao se aventurar com receitas novas, consumimos menos s�dio, menos tempero pronto, menos a��car, menos gordura hidrogenada. Conseguimos saber o real sabor de uma carne, por exemplo, e comemos com mais aten��o.”


NUTRICIONISTA CULIN�RIO 


O chef revela que � um amante da comida leve e saud�vel, tanto que � chef de comida mediterr�nea e tem o t�tulo de nutricionista culin�rio, conhecimento que o faz estudar os processos nutritivos do alimento para o organismo e, ao mesmo tempo, focar no processo gastron�mico de preparar esses alimentos de forma saud�vel e saborosa.

“A partir do momento em que as pessoas se arriscam na cozinha e preparam a comida de verdade, acabam optando por escolhas mais saud�veis, usando menos sal, retirando o �leo e os temperos prontos, por exemplo. H� mais consci�ncia de cada um dos ingredientes que foram inclu�dos nas refei��es. Assim, vai consumir alimentos mais frescos e menos industrializados, cheios de conservantes.”

Claro, apaixonado pelo ato de cozinhar e por querer espalhar esse gosto para mais pessoas, Felipe Caputo criou um projeto impulsionado pela pandemia.

“Vivia em ponte a�rea lecionando Brasil afora e, com a hist�ria de tudo ter parado de repente, comecei a tirar alguns sonhos do papel. Assim nasceu a Escola do Caputo, escola de culin�ria via Instagram que conseguiu reunir 1.500 alunos sob o mesmo prop�sito: desbravar a cozinha com novas experi�ncias, sabores e criatividade, sem medo, sem ingredientes mirabolantes ou t�cnicas dif�ceis. Al�m de ensinar os pratos, conversamos sobre truques b�sicos da cozinha, formas variadas de combinar alimentos e explicamos como mont�-los com toque de chef.”

Das redes, a Escola do Caputo ganhou for�as e se tornou algo real. Segundo ele, a primeira edi��o, de junho a setembro, teve mais de mil alunos, que acompanhavam o preparo de tr�s receitas por semana e as recebiam por escrito por e-mail depois, no formato de e-book. H� alunos de todo o Brasil e do mundo.

E para quem n�o gosta de cozinhar, o chef tem o seguinte conselho: “A proposta �, de in�cio, conhecer o pr�prio paladar. N�o adianta ir para cozinha fazer algo de que n�o goste. Esse � um bom caminho. A partir do seu gosto, voc� come�a a ajustar ingredientes e prepara��es. Outra dica � n�o inventar al�m da conta, no in�cio. Tem gente que ama ir para cozinha, mas para quem n�o gosta, uma coisinha que d� errado no prato j� pode ser motivo de desist�ncia. Seguir o passo a passo das receitas � a certeza de que elas dar�o certo e, assim, a confian�a em fazer coisas novas vai crescendo tamb�m”.

V�lvula de escape


Em um pa�s que voltou a entrar para o mapa da fome em plena pandemia, discutir o ato de cozinhar pode soar como mais uma “agress�o”, mas quem tem o privil�gio de ter o que colocar diariamente na panela pode fazer do preparo do alimento um caminho para cuidar da sa�de mental.

Lucas Bifano, psiquiatra, especializado em gest�o e cuidados de medicina de fam�lia, explica que as pessoas tendem a deixar a mente vagar livremente, seja para reviver acontecimentos passados ou projetar futuros.

“Quem est� passando por um momento de fragilidade psicol�gica tende a vagar mentalmente para situa��es de sofrimento do passado, ou projetam o futuro com foco nas preocupa��es, o que gera ainda mais ansiedade. Por outro lado, o ato de cozinhar requer processos de organiza��o, trabalhos manuais, concentra��o, experi�ncias sensoriais. Tudo isso contribui para que a mente seja chamada ao momento presente.”

Uma das estrat�gias para amenizar quadros de ansiedade, de crises de p�nico e at� de depress�o.

O que poderia se tornar um problema seria fazer do hobby uma obriga��o.

Segundo o psiquiatra, em momentos de fragilidade psicol�gica, na medida do poss�vel, � importante que a pessoa procure adequar seu estilo de vida a um ritmo que permita mais respeito ao seu pr�prio tempo e limita��es.
 
Lucas Bifano, psiquiatra, explica que o ato de cozinhar contribui para que a mente seja chamada ao momento presente(foto: Thainara Barreto/Divulgação)
Lucas Bifano, psiquiatra, explica que o ato de cozinhar contribui para que a mente seja chamada ao momento presente (foto: Thainara Barreto/Divulga��o)
 
Lucas Bifano enfatiza que, agora, muitos procuram uma v�lvula de escape para exercitar o foco, retirando-o do momento pand�mico, e nesse sentido, o crescimento do h�bito de cozinhar em casa tem atuado como um ref�gio.

“� uma forma de manter a mente no presente, por�m, no presente sensorial, f�sico, o que distrai do contexto da crise de sa�de p�blica vivida.”

Muitos tamb�m associam o ato de cozinhar aos momentos em fam�lia, com amigos, aos cuidados e carinho que receberam da m�e, dos av�s quando crian�a.

“� um ato ligado � mem�ria afetiva, ent�o atua como instantes de conforto. Al�m disso, � medida que se cultiva qualquer hobby, h� uma tend�ncia de buscarmos o aperfei�oamento daquilo, o que atua diretamente no exerc�cio da atividade cerebral, muito importante para pessoas em situa��es de estresse ou sofrimento. E tamb�m para os idosos, que precisam manter a mente sempre em movimento.”

O psiquiatra lembra que s� a decis�o de ingerir alimentos de que se gosta j� traz um certo al�vio em situa��es de estresse. Por isso, � importante que as pessoas tenham mais autoaceita��o nesse sentido num momento como esse.

“N�o � hora de fazer dietas restritivas ou de se privar de comer tudo de que gosta. Claro que um comportamento obsessivo ou compulsivo pela comida deve ser observado com o apoio profissional de psiquiatra e/ou psic�logo, por�m, o extremo oposto n�o faz bem agora. Existem ainda alimentos que estimulam a produ��o de uma quantidade extra de receptores de serotonina, o famoso horm�nio da felicidade. Um dos mais consumidos � o chocolate, que tem essa propriedade, principalmente as varia��es com maior teor de cacau, como o chocolate 70%, ou at� mesmo o pr�prio cacau. Outra boa alternativa � a banana. A biomassa de banana aumenta muito os n�veis de serotonina, e pode ser usada em diversas receitas. Lembrando que s�o alimentos que at� as crian�as podem consumir.”
 
 
 
 

FUN��O SOCIAL 


Lucas Bifano destaca que, quando a pessoa est� passando por uma situa��o que demanda tirar o foco dos problemas ou de sentimentos negativos, cozinhar � uma alternativa poderosa.

“H� quem compare o ato de cozinhar com a medita��o, justamente pela demanda que o ato gera, para que nos mantenhamos atentos ao momento presente, aos movimentos que estamos fazendo, � organiza��o, �s experi�ncias sensoriais. � ben�fico, inclusive, para as pessoas mais agitadas. Ajuda no desenvolvimento da capacidade de concentra��o, estimula o aprendizado e contribui com o desenvolvimento da capacidade cognitiva e motora. � muito ligado � uni�o. Quando cozinhamos, desejamos compartilhar e a comida tem essa fun��o social, principalmente a feita em casa. Por isso, cozinhar em casa atua como exerc�cio das habilidades sociais.”

Para Lucas Bifano, cozinhar �, sem sombra de d�vidas, cuidar do outro.

“Culturalmente, o ato de cozinhar � intimamente ligado ao ato de cuidar. A imagem de av�s que cozinham para os netos sempre seus pratos preferidos. Da fam�lia unida � mesa para o almo�o num fim de semana. Existe um prazer a mais quando estamos cozinhando para mais gente, diferentemente de quando cozinhamos sozinhos, para n�s mesmos. Tanto que muita gente que mora sozinha diz que prefere n�o cozinhar, prefere pedir comida ou cozinhar uma vez e congelar para ir comendo ao longo da semana. E quando se cozinha para familiares, amigos, pessoas queridas, exercita-se o afeto, a uni�o. Isso gera a sensa��o de que se est� fazendo algo �til, que trar� retorno diante da satisfa��o de pessoas que amamos.”
 


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