
Emanuel Arag�o, fil�sofo, escritor, interlocutor em autoescrita, roteirista e dramaturgo, oferece a autoescrita como ferramenta, caminho para quem pretende aliviar as dores da vida. Mas, para que serve a autoescrita? � uma forma para descobrir conflitos? O dramaturgo explica por meio da constru��o de personagens: “Se o desafio � forte demais, a personagem n�o consegue super�-lo. Se ele � fraco demais, n�o se coloca como um conflito em si. Ent�o, � preciso uma adequa��o do desafio e da personagem. Com esse princ�pio da narrativa, pensei que se descobr�ssemos nossos conflitos poder�amos descobrir a estrutura, a maneira que nos sentimos. Minha primeira forma��o academia � a filosofia e tinha esta pergunta: o que estrutura a nossa subjetividade? Com ela funciona? Desde ent�o, estudo psican�lise e ela parecia ser uma pista das nossas maneiras de sofrer, porque as nossas estruturas de conflitos n�o poderiam ser respondidas simplesmente pelos campos conscientes, pelo que a gente sabe. H� coisas que n�o sabemos sobre os nossos conflitos, que n�o entendemos. Ent�o, comecei a estruturar essas ferramentas de pesquisa, que foram virando a autoescrita. E a pergunta b�sica � esta: como podemos usar a narrativa para entender o que se sente?”.
O que � autoescrita? Como funciona?
Autoescrita � um processo de pesquisa sobre si. � a utiliza��o das palavras, de textos e pr�ticas de escrita para tentar entender o que se sente e as maneiras de sofrer, de angustiar. Funciona por uma s�rie de pr�ticas. Primeiro, � a pr�tica de percep��o do que se est� sentindo, depois de aprendizado, de descri��o das ang�stias e de identifica��o dessas ang�stias ao longo do tempo, da vida. A hip�tese � que se voc� conseguir entender melhor as suas ang�stias, suas estruturas, como acontecem, o que o faz se sentir assim, em que situa��es e por que h� mais chances de elaborar e encontrar sa�das. Antes de qualquer coisa, � um processo de pesquisa de entendimento de si. N�o gosto da ideia de autoconhecimento, porque para mim sup�e uma esp�cie de coisa fixada, que voc� vai conhecer, pronto, voc� se conhece. A autoescrita entende a coisa como um fluxo, ela foi baseada no come�o da hist�ria, no movimento de ferramentas da narrativa. Como roteirista e dramaturgo pensei que se eu conseguia construir personagens a partir de conflitos que esses personagens enfrentavam, que se eu quisesse entender quem podemos ser, quem eu era naquele momento, eu poderia entender os conflitos. Ent�o, teria uma pista de quem eu poderia ser. A ideia � que cada pessoa sofre de um jeito, por uma situa��o. Descobrir quem �, n�o no sentido duro, mas quem pode ser ou estar. Isso tem a ver com a no��o de conflito da narrativa, que � um personagem enfrentando um desafio.
Escrita autobiogr�fica e memorial�stica � a mesma coisa que autoescrita?
N�o. Autoescrita � uma t�cnica e pr�tica espec�ficas, h� uma ordem e sequ�ncia. A primeira pr�tica � a percep��o de seus afetos, que chamo de pr�tica di�ria, que deve ser feita por uma semana. � como uma prepara��o, uma esp�cie de alongamento para a pessoa conseguir perceber seus afetos. A segunda pr�tica � o corpo de elabora��o de epis�dios de ang�stias. E a �ltima parte da autoescrita chamo de pr�ticas mitol�gicas, que t�m a ver com entendimento das estruturas de origem, ou seja, como a pessoa estruturou a sua maneira de sentir a sua hist�ria, uma esp�cie de pr�-hist�ria, uma hist�ria de que n�o nos lembramos, os quatro primeiros anos (varia de pessoa para pessoa), nesse sentido do que est� atr�s, no que n�o est� no campo de mem�ria e no que est� � frente, o que pode vir a ser. Ao entender os campos de ang�stia e sofrimento � poss�vel pensar outras solu��es, � campo do futuro. � pensar sa�das.
Quando comecei a organizar a autoescrita, em 2018 (a pesquisa come�ou anteriormente), n�o tive contato claro com outra forma��o minha, que � a neuroci�ncia afetiva, e, posteriormente, a psican�lise. A neuroci�ncia afetiva � um campo da neuroci�ncia que pesquisa os afetos e que entende que a base da consci�ncia n�o � cognitiva, n�o � de pensamento racional. A base da consci�ncia � de afetos. Tem todo um campo te�rico, dos �ltimos 20 e poucos anos, inaugurado pelo pesquisador Jaak Panksepp (neurocientista e psicobi�logo da Est�nia que cunhou o termo neuroci�ncia afetiva, o nome do campo que estuda os mecanismos neurais da emo��o). Em 1998, ele escreveu o livro “Affective neuroscience”, no qual tenta determinar os sistemas afetivos que v�o dar origem a todos os nossos sistemas. Tudo que sentimos, de culpa, saudade, amor, raiva, medo, ansiedade, todos t�m base matricial desses afetos. Descobri isso no meio do percurso da autoescrita, que j� era tentativa de descobrir o que sentimos. Fiz uma forma��o em neuropsican�lise, que � uma disciplina que sup�e que os sofrimentos t�m a ver com os sentimentos, com as necessidades afetivas que n�o est�o sendo satisfeitas. A autoescrita utiliza essa matriz de pensamento, que prop�e sete necessidades afetivas b�sicas que todos t�m. Ali�s, as partilhamos com todos os primatas e mam�feros, uma necessidade inata. Cada pessoa vai orientar, organizar e fazer aprendizado na vida de como satisfazer as necessidades afetivas. Por exemplo, ser acolhido, cuidado, amado. A autoescrita virou uma ferramenta de entendimento da organiza��o das necessidades afetivas. As pr�ticas di�rias, de elabora��o e mitol�gicas servem para cada um entender as suas necessidades afetivas e como satisfaz�-las, como estar no mundo e, em �ltima an�lise, ter menos sofrimento e mais prazer.
Com a pandemia, as pessoas est�o mais sozinhas, mais angustiadas, houve aumento de medica��o antidepressiva, est�o em sofrimento. E com dificuldade em falar disso. N�o � brincadeira o que est� acontecendo e qualquer ferramenta de aux�lio vale. � o que eu tenho tentado fazer
Emanuel Arag�o, fl�sofo e interlocutor em autoescrita
N�o me parece uma pr�tica f�cil.
Isso n�o � simples, �bvio. N�o � f�cil. Mas essas ferramentas servem para construir o entendimento de cada um de suas necessidades fundamentais, de como n�o est�o sendo satisfeitas e de como poderia reorientar sua vida para, talvez, satisfazer suas necessidades afetivas. Isso � uma coisa muito pr�tica e concreta. Mas muitos n�o sabem que elas existem. Muitos n�o sabem que a ang�stia, ansiedade, p�nico ou depress�o est�o ligados a necessidades afetivas n�o satisfeitas. Ansiedade, por exemplo, pode ter conex�o com uma necessidade de fugir, de se defender, que � um sistema afetivo b�sico, que n�o sabem que existem, mas se elaborar em epis�dios narrativos � poss�vel buscar uma sa�da entendendo esse sofrimento. Ansiedade tamb�m est� ligada ao abandono, a necessidade de ser amado. A autoescrita funciona para cada um de um jeito.
Quem n�o consegue fazer a autoescrita � poss�vel encontrar outra forma de respirar?
Sim. A autoescrita n�o � pensada para quem sabe escrever. Muito pelo contr�rio. � uma pr�tica de pesquisa dos seus afetos. Ela utiliza as palavras, das frases, das no��es narrativas. Muito mais do que escrever alegorias e textos belos, � sobre descrever as cenas e entender em que situa��es da vida voc� sentiu isso ou aquilo. Porque quanto mais material h� para entender os afetos, mais chances de enfrent�-los, elabor�-los e experiment�-los de maneira mais saud�vel. A autoescrita funciona assim e, em princ�pio, qualquer pessoa consegue fazer. Ela n�o � para quem gosta de escrever, mas para quem est� em sofrimento e com dificuldade de entender o sofrimento. Mas, se a pessoa n�o estiver a fim de ficar elaborando em forma de texto, s� o fato de perceber os afetos e os sofrimentos e n�o tentar escond�-los j� � um grande passo. Com a pandemia, enfrentamos um grande sofrimento, muito medo, muita incerteza. N�o se deve fugir de si mesmo, mas deve-se perceber, se acolher e, em �ltima an�lise, j� � uma forma de respirar.
Quem quiser mergulhar na autoescrita, o que faz? Voc� faz mentoria?
Fiz o curso de v�rios jeitos diferentes: presencial, on-line pelo Catarse com assinatura mensal, recebia os textos por e-mail e dava retorno, mas ficou invi�vel porque cheguei a ter mais de 2 mil pessoas no curso. Hoje, o aprendizado da autoescrita ocorre pelo YouTube (www.youtube.com/emanuelaragaoautoescrita). Tem duas partes. H� uma playlist no meu canal, que se chama “Sentir e fazer sentido”. L� est�o as primeiras pr�ticas da autoescrita. O perfil � variado, todas as idades, de todos os lugares. A busca principal dessas pessoas � tentar sofrer menos. E a autoescrita tenta ajudar ao dar uma ferramenta para cada um entender por que est� sofrendo do jeito que est� sofrendo. E poder elaborar uma sa�da poss�vel. N�o h� uma restri��o. Mas chamo a aten��o para quando a pessoa est� em muita crise, ang�stia aguda. � importante fazer a autoescrita acompanhado de um terapeuta, estar com algu�m junto porque pode ser pesado e intenso. Com a pandemia, as pessoas est�o mais sozinhas, mais angustiadas, houve aumento de medica��o antidepressiva, est�o em sofrimento. E com dificuldade em falar disso, n�o � brincadeira o que est� acontecendo e qualquer ferramenta de aux�lio vale. � o que eu tenho tentado fazer.
ESCRITA AFETUOSA: UM ENCONTRO CONSIGO

Jornalista, escritora e uma apaixonada pelas palavras, Ana Holanda explica que � poss�vel despertar o interesse pela escrita por ser um processo de condu��o: “Quando a pessoa passa a olhar para a escrita n�o apenas como t�cnica, mas tamb�m como rela��o, escrever se torna algo mais f�cil e poss�vel.” Por isso, conquistar e praticar a chamada escrita afetuosa � um presente que cada um pode dar a si mesmo que, certamente, vai reverberar no outro. “Escrita afetuosa � aquela que afeta, toca, marca o outro. � uma escrita que � conversa. � um processo muito bonito em que a gente se encontra primeiro para depois encontrar o outro. A grosso modo poder�amos dizer que � uma escrita mais humanizada”.
Para Ana Holanda, a escrita � uma ferramenta potente para o bem-estar e a sa�de mental. “Indico muito a pr�tica de um di�rio para que as pessoas escrevam sobre o que est�o sentindo. E a� vem algo bem interessante. Falar para algu�m “escreva sobre o que voc� est� sentindo” pode ser f�cil, mas para quem precisa escrever, n�o �. Como escrever sobre a tristeza, a ang�stia, a ansiedade, o des�nimo? Como escrever sobre aquilo que, muitas vezes, � at� dif�cil de falar sobre? � a� que entra o processo de condu��o. Falar sobre algo que nos incomoda, d�i, � algo grande demais, algo inacess�vel. � como entrar num lugar “chutando a porta”, ou seja, pode ser assustador.”
Al�vio e transbordamento

Ana Holanda lembra que, al�m de ajudar com as quest�es pessoais, a escrita tamb�m � uma forma de dar saltos na vida profissional, dos neg�cios. “A escrita deveria ser uma conversa sempre. Percebo, cada vez mais, como as empresas est�o notando (finalmente, mesmo que lentamente) que a escrita praticada hoje no meio corporativo, de uma forma geral, n�o conversa com ningu�m (pelo automatismo, pelo formato “enquadrado”, pelo uso das palavras). E cada vez mais as pessoas sentem a necessidade de serem percebidas, enxergadas. O funcion�rio n�o quer mais ser um colaborador, mas uma pessoa, que sente, que se relaciona. � humanizar o discurso. E isso pode ser tamb�m um grande diferencial para pequenos neg�cios e empreendedores: conversar olho no olho, construir uma rela��o, um la�o com o outro. � isso, o la�o que criamos, que nos ajuda a sobreviver em meio ao caos, as dificuldades, aos tempos dif�ceis. � isso que ensino no curso Alma, produ��o de conte�do para pequenos neg�cios (https://materiais.coolhow.com.br/curso-alma)”.
Portanto, a escrita afetuosa tamb�m � um ato do fazer pensar. “Quando passamos a ter real consci�ncia em rela��o ao que estamos escrevendo, ela se torna um ato reflexivo. A maior parte das vezes escrevemos de um lugar muito autom�tico, percebendo a escrita apenas como um caminho de regras. Quando voc� troca a palavra t�cnica por rela��o, tudo se transforma. E voc� come�a a entender que a sua dificuldade em colocar as palavras no papel pode estar ligada a outras causas que n�o apenas o receio de escrever tecnicamente errado. Mas est� ligada ao seu medo em se mostrar vulner�vel, em se expor”, destaca a escritora.
Seguran�a e vulnerabilidade
Ana Holanda refor�a o ganho quando percebe-se que a escrita n�o est� ligada apenas � natureza da t�cnica, mas da rela��o, uma rela��o que a pessoa tem consigo e com o outro. “Quando escrevemos, nos revelamos. Sempre. Mostramos, por meio da nossa composi��o, das palavras que usamos, se permitimos que o outro se aproxime ou n�o da gente. Gosto de fazer um comparativo. H� pessoas que v�o ficar a vida toda olhando-a passar pela janela; outras ir�o perceber que � preciso ir para a rua e viver. � sempre uma escolha. E voc� pode escolher qual decis�o quer tomar todo dia. Se manter num lugar seguro, mas autom�tico, adormecido ou num lugar em uma posi��o de vulnerabilidade, de mergulho interno e viver, sentir, perceber, sair do automatismo, ser intenso?”
Para ler...

- Livro: Como se encontrar na escrita: O caminho para despertar a escrita afetuosa em voc�
- Autora: Ana Holanda
- Editora: Bicicleta Amarela - 1ª edi��o (6 agosto 2018)
- N�mero de p�ginas: 224
- Pre�o sugerido: R$ 25
Escrita criativa e afetuosa: curso on-line
Ana Holanda montou o curso que ao longo de nove m�dulos, 17 aulas e uma s�rie de exerc�cios pr�ticos, o aluno mergulha na chamada escrita afetuosa, aquela que toca, afeta, que � ponte com o outro. As aulas s�o gravadas. E as inscri��es ocorrem por meio de turmas – ent�o, � preciso esperar a abertura de uma turma para participar. H�, ao longo do curso, alguns encontros ao vivo para tirar d�vidas e o material fica disponibilizado por um ano. O fio de condu��o � a escrita afetuosa. Nela, voc� ir� entender os elementos que um texto carrega para ser conex�o, conversar e afetar o leitor; como a escrita nasce; como torn�-lo um ato mais reflexivo e menos autom�tico; e, ainda, como desenvolver uma escrita mais aut�ntica, com clareza e sensibilidade. Um curso indicado para quem quer melhorar a pr�pria escrita; quebrar medos e barreiras relacionados � produ��o do texto; e desenvolver narrativas para projetos pessoais ou profissionais: https://materiais.coolhow.com.br/ana-holanda.
