
Nos grupos de WhatsApp, diversas discuss�es s�o criadas, opini�es manifestadas, e h� quem goste de colocar um pouco de humor, com piadas e v�deos engra�ados. No entanto, manifesta��o de comportamentos machistas tendem a surgir, bem como ser refor�ados. �, inclusive, o que aponta pesquisa feita pela professora Valeska Zanello, do Departamento de Psicologia Cl�nica da Universidade de Bras�lia (UnB), no ano passado.
Com homens infiltrados em grupos masculinos, o estudo teve acesso a todas as conversas, sem identifica��o dos remetentes e destinat�rios, durante cerca de seis meses. O resultado: pornografia, misoginia e objetifica��o da mulher.
“Houve uma constru��o social da mulher e do feminino pela caracter�stica do servil, da fragilidade e at� de ressignifica��o como objeto. Os tempos mudaram. A mulher conseguiu ascens�o social e espa�o na sociedade, competindo, muitas vezes, por espa�os por igual com os homens. Mas, ainda assim, os homens t�m assegurada uma maior liberdade para agir de forma a objetificar a mulher.”
AS REDES SOCIAIS
As redes sociais intensificam alguns comportamentos. Isso porque h� uma sensa��o de anonimato. “N�o se est� olhando nos olhos das pessoas ao dizer algo, o rosto, a voz, a integridade f�sica, tudo � resumido a algumas linhas escritas, um �udio ou imagens de outras pessoas que s�o compartilhadas.”
Outro ponto que favorece esse tipo de comportamento � que se trata de um ambiente em que h� disputa por aten��o, e uma das formas mais eficazes de conseguir isso � compartilhar conte�dos como esses.
Outro ponto que favorece esse tipo de comportamento � que se trata de um ambiente em que h� disputa por aten��o, e uma das formas mais eficazes de conseguir isso � compartilhar conte�dos como esses.
Tamb�m s�o comuns piadas de cunho sexual e homens nus em grupos de WhatsApp femininos. “O grande problema, no caso desse comportamento em grupos masculinos, � a desigualdade de posi��o entre mulheres e homens na sociedade. O contexto j� � favor�vel ao sexo masculino, pois, socialmente, ao homem � garantida a humanidade, a for�a e o valor como ser humano, enquanto as mulheres est�o lutando para ser desvinculadas da imagem de objeto.”
CONSTRANGIMENTO
O advogado M.C., de 35 anos, que n�o quis se identificar, conta que esse tipo de conte�do j� fazia parte da rotina de seus grupos de amigos na plataforma. “No in�cio, considerava esse tipo de material intrigante, mas, aos poucos, fui percebendo que n�o era adequado e o quanto me fazia mal. Al�m de n�o concordar com esse tipo de conte�do, me sinto incomodado por saber que o material n�o foi autorizado e causa exposi��o � pessoa que est� sendo retratada e, tamb�m, porque, muitas vezes, a pessoa acaba recebendo sem pedir. � uma esp�cie de invas�o de privacidade.”
Conforme a psiquiatra, esse tipo de comportamento pode se tornar um v�cio, mas n�o significa que o fato de um homem consumir e divulgar conte�dos a respeito o torne dependente ou mesmo ref�m de algum dist�rbio psicol�gico.
Conforme a sex�loga Katiuscia Le�o, muitos usu�rios s�o un�nimes em relatar que, quanto maior o envolvimento com a pornografia, mais se isolam de intera��es sociais. “Conte�dos pornogr�ficos tendem a deturpar a autoimagem de quem as consome. Muitas pessoas pensam em realizar a reconstru��o da parte �ntima ou come�am a ficar insatisfeitas com o tamanho do p�nis, por exemplo. E isso afeta a autoconfian�a no quesito consentimento e sa�de sexual do homem.”
EFEITO
A realidade fora das telas pode at� n�o ser a mesma, mas � real e os comportamentos dispostos nas redes sociais ditam, e muito, os rumos dados aos relacionamentos reais. � o que aponta a sex�loga Katiuscia Le�o.
“Esses v�deos e fotos tendem a mostrar posi��es, fetiches e h�bitos que n�s, reles mortais, jamais vamos conseguir praticar e sentir prazer ao mesmo tempo. Isso gera frustra��o para com a parceira, por ela n�o ‘dar conta’ de fazer o mesmo que as mulheres expostas nos conte�dos, e nos pr�prios homens, porque jamais ser�o capazes, em condi��es normais, de realizar o que viram. As expectativas sobre o sexo acabam distorcidas e problemas com aceita��o do pr�prio corpo tamb�m.”
“Esses v�deos e fotos tendem a mostrar posi��es, fetiches e h�bitos que n�s, reles mortais, jamais vamos conseguir praticar e sentir prazer ao mesmo tempo. Isso gera frustra��o para com a parceira, por ela n�o ‘dar conta’ de fazer o mesmo que as mulheres expostas nos conte�dos, e nos pr�prios homens, porque jamais ser�o capazes, em condi��es normais, de realizar o que viram. As expectativas sobre o sexo acabam distorcidas e problemas com aceita��o do pr�prio corpo tamb�m.”
Diferentemente do que esse tipo de conte�do mostra, o sexo na vida real, segundo a especialista, nunca sai como o planejado. “Em materiais e v�deos pornogr�ficos, muitos deles com uma misoginia velada, a mensagem � extremamente ofensiva para n�s mulheres, pois nos coloca apenas como objetos sexuais que devem levar prazer ao homem a qualquer custo. Somos vistas como algo que s� tem valor nesse quesito e mais nada”, completa a sex�loga.
M.C. sentiu os impactos na pele. “Quando recebia e via esse tipo de material, criava em mim uma expectativa de vida sexual muito diferente do que era na vida real. Passei por um relacionamento muito longo e que foi se desgastando com o tempo. A falta de intimidade se fez cada vez mais presente e a perda de libido em ambas as partes tamb�m. Consumir pornografia era uma forma de compensar a falta de intimidade na rela��o, mas ao mesmo tempo me fazia projetar na minha parceira algo que era um desejo s� meu e que nunca poderia ser satisfeito. Isso acabou causando muitos problemas”, relata.
Katiuscia Le�o lembra, ainda, que a pornografia � prejudicial tamb�m para a mulher que consome esse tipo de conte�do. Isso porque, al�m de se tornar vicioso, faz com que as rela��es pessoas e reais sejam frustradas ou distorcidas.
A arquiteta M.A., de 30, que tamb�m n�o quis se identificar, conta que a objetifica��o da mulher enquanto parceira, em raz�o de conte�dos consumidos nas redes sociais, foi um dos motivos que fize- ram com que seu relacionamento amoroso se desgastasse. “Tive problemas e j� terminei um relacionamento por causa do tipo de conte�do que o meu companheiro consumia. A maneira que ele objetificava e objetifica mulheres era um peso para a rela��o. E ele jamais abriu m�o disso, por mais que me incomodasse.”
INFORMA��O
Katiuscia Le�o chama a aten��o para a import�ncia da informa��o sobre os preju�zos que esse comportamento provoca, e destaca que, para a sa�de do relacionamento, � preciso ficar longe desse tipo de conte�do e sair de grupos que o consomem. Atualmente, tem muito material informativo sobre o assunto. “Assim, com certeza, a desconstru��o pornogr�fica come�ar� a ser desfeita, dando espa�o a um maior entendimento sobre o pr�prio corpo e o prazer sexual.”
Ela ainda pondera que, caso a pessoa entenda que est� viciada nesse tipo de comportamento e que n�o consegue lidar com isso sozinha, n�o � vergonha procurar um m�dico ou psic�logo. A terapia, nesses casos, pode ser uma excelente forma de se ajudar.
REFOR�O DO PRECONCEITO
No estudo “Masculinidades, cumplicidade e misoginia na casa dos homens: Um estudo sobre os grupos de WhatsApp masculinos no Brasil”, a pesquisadora Valeska Zanello classificou o material colhido em categorias. Confira:
>> Objetifica��o sexual das mulheres como prova de que � homem: h� uma objetifica��o nos grupos, at� mesmo com certa desumaniza��o, da figura feminina, haja vista os coment�rios gordof�bicos, racistas e etaristas (“horror � velhice”).
>> Ser homem � n�o ser gay: nos grupos, os homens que se negam a interagir com os conte�dos publicados normalmente s�o tachados como gays.
>> O homem � guiado pelo sexo e o poder da mulher � uma vagina: nos grupos, h� a ideia de que os desejos sexuais dos homens s�o imposs�veis de ser controlados, e de que as mulheres t�m como �nico poder satisfazer os homens, desconsiderando a intelig�ncia e demais caracter�sticas sociais.
>> Rela��o da mulher com comida: nos grupos masculinos, a mulher � classificada como peda�o de carne.
>> Mulher gosta � de dinheiro: h� tamb�m, nos grupos, a estereotipa��o de que mulheres gostam de homens ricos.
>> Riso e cumplicidade face a viol�ncias contra mulheres: h�, ainda, nesses grupos, certo deboche e est�mulo em torno da viol�ncia contra a mulher.
*Estagi�ria sob supervis�o da editora Teresa Caram
*Estagi�ria sob supervis�o da editora Teresa Caram