A mulher com os seios � mostra estava de p� apoiada sobre uma das pernas em um campo de flores. Ela usava uma coroa de ouro e um colar de rubis e esmeraldas; na m�o direita, segurava uma varinha fumegante .
"Esta � Dugpoema , a deusa budista da oferenda de incenso", diz Nado, apontando para o quadro da divindade pendurado na parede de seu escrit�rio na capital do But�o , Thimphu.
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"Diz-se que Buda criou primeiro o incenso , depois disc�pulos como Dugpoema o espalharam pelo mundo. De muitas maneiras, tamb�m me sinto um disc�pulo. Estou fazendo o mesmo trabalho."
Nado — seu �nico nome, j� que os butaneses tradicionalmente n�o usam sobrenomes — se ofereceu para me mostrar sua oficina de incenso, a Nado Poizokhang.
� a maior e mais antiga do tipo no pa�s — ela produz varetas e p�s de incenso que s�o bastante requisitados por resid�ncias e mosteiros em todo o reino do Himalaia.
At� o rei encomenda pessoalmente incenso da Nado Poizokhang para queimar dentro das paredes do pal�cio real.
"Acredito que uma das raz�es pelas quais meu incenso � t�o bem conceituado e seus
efeitos
s�o t�o
poderosos
� a incr�vel pureza dos ingredientes", avalia Nado, antes de abrir a porta de um dep�sito repleto de especiarias secas e esp�cies bot�nicas.

"Tudo � 100% org�nico: desde os grandes ramos de zimbro — o ingrediente b�sico de todos os incensos do But�o — at� as mais delicadas flores de jatamansi que oferecem o rico aroma do �leo essencial de nardo."
"Outros fabricantes de incenso podem usar produtos qu�micos e materiais de baixa qualidade para cortar custos — mas isso apenas enfraquece as propriedades curativas do incenso e pode te deixar com dor de cabe�a ou sensa��o de agita��o ao queimar. Aqui, o foco est� na qualidade", explica.
Muitas das plantas medicinais e folhas usadas por Nado s�o colhidas por pastores n�mades de iaques em grandes altitudes para garantir que sejam livres de toxinas e contaminantes.
"Eles vivem uma vida dif�cil, mas a colheita proporciona a eles uma renda extra", afirma.
"Essa boa a��o coloca ondas de carma bom em movimento antes mesmo de uma �nica vareta ser feita ou queimada."
O momento da colheita � o segredo. Nado explica que o per�odo ideal � o m�s ap�s o Thrue-Bab, o aben�oado dia chuvoso, que marca o fim das mon��es.
"Durante essa �poca, o sol aquece as folhas e as p�talas ap�s serem nutridas por meses de chuva; isso me ajuda a produzir um perfume rico e maravilhoso. E esse perfume � vital para que a vareta do incenso e o p� fa�am sua m�gica ancestral."
A oferenda de aroma e fuma�a tem uma longa hist�ria e um profundo significado cultural no But�o, onde o incenso � tradicionalmente queimado duas vezes ao dia.
"Em outros pa�ses, o incenso pode ser usado apenas em cerim�nias, mas no But�o tamb�m � como come�amos e terminamos cada dia", conta Nado.
"� um ritual quase obrigat�rio."
At� hoje, o incenso ainda � utilizado, como tem sido h� s�culos, de duas maneiras: em p� ou em vareta.
A vers�o em p� � a mais fumegante das duas — e � queimada em brasas em resid�ncias, mosteiros e templos.
� usada tanto como oferenda aos deuses quanto como defumador para limpar c�modos e objetos sagrados, aplacar esp�ritos maliciosos e erradicar energia negativa.
Varetas de incenso tamb�m s�o usadas %u200B%u200Bpara fazer oferendas, mas al�m disso s�o queimadas por suas propriedades terap�uticas.
"A libera��o suave de fuma�a perfumada nutre a mente e estimula os sentidos", diz Nado.
"Isso traz prazer e, por sua vez, tranquilidade mental. Minha pr�pria receita de incenso pode fazer tudo isso, assim como liberar energia bloqueada e curar muitos tipos de doen�as."
Segredo bem guardado
A f�rmula totalmente natural de Nado para a sa�de e felicidade continua sendo um segredo bem guardado, conhecido apenas por ele e sua filha, Lamdon.
Ele explica que � baseada em uma receita amplamente conhecida do Mosteiro Budista Tibetano Mindrolling, na �ndia, que tem mais de 350 anos.
"Mas eu a adaptei, porque as quantidades originais de a�afr�o eram t�o grandes que hoje tornariam o incenso extremamente caro e fora do alcance das pessoas comuns", revela.
"Tamb�m misturei com outra receita da escola Drukpa Kagyu de budismo para real�ar o aroma e maximizar seus poderes de cura."
"Eu uso cerca de 30 ingredientes no meu incenso padr�o e 108 na vers�o reservada para cerim�nias religiosas importantes. O n�mero 108 � auspicioso para os budistas, e esta vers�o especial s� pode ser feita em um dia sagrado, de acordo com os mapas astrol�gicos budistas", acrescenta.
Para fazer o incenso, os v�rios ingredientes — incluindo cascas, especiarias, lascas de madeira, flores e folhas — s�o pulverizados na sala de moagem da oficina.
Embora os membros da equipe que ajudam nessa etapa saibam aproximadamente o que acontece na fabrica��o do incenso, eles n�o conhecem as propor��es exatas, explica Nado.
"E eles certamente n�o sabem o que h� no copo que coloco no final."
O que ele revela � que o p� destinado � queima direta � misturado com ervas medicinais extras para garantir mais fuma�a antes de ser enviado para ser embalado.
O p� para varetas � misturado com �gua, mel e um corante roxo natural para formar uma massa que � colocada em uma grande cuba para fermentar suavemente por at� uma semana.
"Penso nisso como um ba� do tesouro", diz Nado, levantando lentamente a tampa para me deixar espiar dentro e inalar o aroma floral da fermenta��o.
"Muitas pessoas adorariam colocar as m�os no tesouro que est� dentro."
Enquanto a massa fermenta, Nado e sua equipe a vigiam de perto, uma vez que � f�cil um lote estragar.
"� por isso que grande parte do que fazemos aqui � feito � m�o. � um trabalho artesanal, n�o uma produ��o em massa."
'Processo que vem do cora��o'
Nado me levou depois para a sala de extrus�o para ver a pr�xima etapa do processo de fabrica��o das varetas.
L�, Gyenzang, uma das 12 mulheres da equipe de Nado que trabalham na fabrica��o de incensos, colocava punhados de massa fermentada no funil de uma m�quina que transformava a pasta semelhante � argila em carret�is de incenso macio em segundos.
"Fazer incenso � um processo que precisa vir do cora��o", diz ela, pegando os novelos cor de ameixa e colocando em uma bandeja � medida que saem do tubo da extrusora.
"� um trabalho que n�s amamos profundamente. Nenhum de n�s recebeu uma boa educa��o; ter�amos dificuldade de encontrar trabalho se n�o fosse por Nado", acrescenta ela, antes de passar a bandeja para sua colega de trabalho, Yeshey, que vai esticar os novelos.
"O trabalho � empoderador", afirma Yeshey, enquanto desenrola a massa para ficar plana ao longo de um bloco de madeira.
"Podemos ganhar dinheiro e nos sentir independentes dos nossos maridos e fam�lias. O trabalho aumenta nossa autoestima. Sentimos os benef�cios da bondade de Nado e ficamos felizes em saber que todas as boas a��es e positividades envolvidas no processo de fabrica��o do incenso ser�o repassadas ao produto final e �s pessoas que o queimam."
Ap�s serem esticadas por completo, as varetas de incenso s�o levadas para secar ao ar do s�t�o, e depois s�o aparadas no tamanho certo e amarradas em ma�os prontos para serem comercializadas.
"Produzimos cerca de 20 mil varetas e 350 kg de p� por m�s", conta Nado.
"Agora exportamos para lugares t�o distantes quanto a China, Estados Unidos e Reino Unido."
"Mas, embora este seja um neg�cio que me oferece sustento, o dinheiro de forma alguma precede a import�ncia espiritual do que fa�o. Fabricar incenso faz parte da minha devo��o ao budismo h� mais de 50 anos. � a minha voca��o. E me d� uma grande satisfa��o pessoal porque vejo com meus pr�prios olhos como as pessoas se beneficiam do incenso. Vem comigo, vou te mostrar."
Nado e eu descemos a encosta arborizada em dire��o ao centro de Thimphu e, no caminho, ele me contou como havia descoberto seu prop�sito na vida.
"Entrei para a vida mon�stica aos 15 anos e fiquei por 10 anos", diz ele.
"Eu me destacava na caligrafia, e quando o terceiro rei do But�o pediu que o c�none budista fosse escrito em letras de ouro, fui recrutado para a tarefa. Depois de terminar, queria encontrar algo igualmente satisfat�rio que misturasse a criatividade com o sagrado, e isso me levou ao caminho para fazer incenso. "
No centro de Thimphu, entramos no vasto Mercado do Agricultor Centen�rio; o t�rreo � dedicado a frutas, legumes e verduras, o andar superior repleto de produtos de incenso que prometem aliviar dores abdominais, ajudar no relaxamento e auxiliar na realiza��o de exorcismos.
Em uma barraca, conversamos com uma mulher chamada Choden, que costumava queimar o incenso de Nado no santu�rio do templo perto de sua casa e estava comprando um novo suprimento de varetas perfumadas.
"Assim como escovo os dentes, queimo tr�s incensos pela manh� e tr�s � noite", diz ela.
"Me sentiria incompleta se n�o fizesse isso. � um ritual que foi passado para mim por meus ancestrais, e que eu transmiti para meus filhos. Queimar incenso � t�o importante quanto a comida que comemos, a �gua que bebemos e o ar que respiramos. � uma pr�tica que une a todos — ricos e pobres ".
Continuamos at� um mosteiro que Nado abastece com seus incensos.
L�, em uma sala de ora��o iluminada pelo sol, um monge balan�ava suavemente um incens�rio, a fuma�a arom�tica escapava da tampa perfurada para permear o ar e se infiltrar nas dobras de suas vestes.
"Quando eu realizo o puja (cerim�nia de limpeza usando o p� de incenso), ele remove qualquer energia negativa da sala e me faz sentir espiritual, corporal e mentalmente limpo", afirma.
"O incenso ajuda a focar minha mente na ora��o e a me desenvolver como ser humano. Me ajuda a me tornar a melhor vers�o poss�vel de mim mesmo."
Ao fim do corredor, em uma sala de estudos, um grupo de monges estava sentado de pernas cruzadas com as cabe�as raspadas enterradas em seus livros de ora��es, cada um com uma vareta fumegante ao lado.
"Acredito que dentro de uma �nica vareta existe um poder enorme", afirma um dos monges, chamado Wangchuk. Nado concorda com a cabe�a.
"O incenso � capaz de remover maus press�gios e obst�culos do caminho da vida", acrescenta Wangchuk.
"Isso faz com que as pessoas sejam mais gentis umas com as outras. O incenso � uma chave que pode abrir a porta para a felicidade."
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Travel .
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