Movimento que ganhou for�a nas redes sociais com a #Goodvibesonly mascara a realidade e pinta vida s� de coisas boas, negando a exist�ncia de problemas
A hashtag Goodvibesonly � um compromisso de destacar as coisas boas da vida e esconder, fingir e at� mesmo negar a exist�ncia de problemas, tristeza, decep��es e infort�nios da vida (foto: �ngel L�pez/Unsplash)
Ser positivo. Ser otimista. Ser feliz. Mantra do mundo atual, perseguido, ca�ado, buscado e t�o desejado a ponto de, mesmo infeliz, triste e pessimista, fingir uma imagem alegre, para cima, de excita��o para ser aceito, aprovado, mesmo que a vida compartilhada nomundo digital, cantada aos quatro ventos, n�o seja de todo real, verdadeira.
Por que agir assim? Quais as consequ�ncias para a sa�de mental e f�sica? A chamada positividade t�xica, que ganhou for�a e destaque nas redes sociais com a #Goodvibesonly (s� boas energias, em tradu��o livre) � um compromisso de destacar as coisas boas da vida e esconder, jogar para debaixo do tapete, fingir e at� mesmo negar a exist�ncia de problemas, quedas, rasteiras, decep��es e infort�nios da vida. � a repress�o a tudo que � negativo. N�o parece a melhor sa�da.
Ainda que possa imaginar que a positividade t�xica nasceu no mundo digital, ela j� existia antes das redes sociais. Felicidade vende e h� milh�es dispostos a pagar por ela, mesmo sem receber o “produto”. O pensamento positivo � bem de consumo e alimenta um mercado milion�rio, seja de filmes, livros, palestras ou treinamentos h� anos. Mas, claro, as redes sociais mais uma vez potencializaram uma demanda humana.
Consultamos especialistas da sa�de mental para entender os riscos de n�o aceitar ou reconhecer as adversidades da vida, de ter o direito de se sentir mal, inseguro, com medo, triste, negativo, de n�o querer estar sempre sorrindo. Todos sabem do valor do equil�brio, seja qual for a seara da vida, mas tamb�m reconhecem a batalha que � conquistar o autocontrole para se manter de p� na corda bamba. Os profissionais v�o ajudar a entender a diferen�a entre positividade t�xica e o ser otimista, assim com a psicologia, a psicologia positiva e a psiquiatria conseguem ajudar.
Quantas vezes voc� j� n�o ouviu por a�, independentemente das circunst�ncias, ruins ou devastadoras, que voc� tem de “ser forte”, “ser grato”, “que poderia ser pior”, “quanto pessimismo”, “n�o seja negativa”, “n�o se deixe abalar”, “n�o fique triste, est� tudo bem”, “ao menos...”, “� s� pensar positivo”... Todas essas tentativas de exaltar s� o positivo e reprimir o negativo s�o a positividade t�xica. � como se os momentos infelizes precisassem ser invalidados emocionalmente. O que muitos ainda n�o perceberam � que o pensamento positivo n�o � suficiente para prevenir infort�nios e bloquear ou ignorar emo��es ditas “negativas” e tal atitude trar� consequ�ncias � sa�de. Esconder-se das dificuldades por tr�s de uma fachada de positividade pode refletir desde problemas mentais a de pele.
� NATURAL SENTIR-SE TRISTE, INFELIZ, FRUSTRADO E TER MEDO
Felicidade vende e h� milh�es dispostos a pagar por ela. O pensamento positivo � bem de consumo e alimenta um mercado milion�rio, seja de filmes, livros, palestras ou treinamentos (foto: Amanda Jones/Unsplash)
� natural sentir-se triste, infeliz, frustrado, com raiva, inseguro, com medo e ter inveja. Assim como feliz, alegre, de alto-astral, esperan�oso e divertido. Todos s�o formados por esses dois lados, mas o ser humano sempre tende a se complicar, � complexo e, por isso mesmo, cheio de facetas. Neste momento de pandemia, fase em que milh�es de pessoas est�o em isolamento social, perderam o emprego, passam fome, enfrentam o luto, a dor, perdas emocionais e materiais, tempo de consequ�ncias negativas que afetam emocionalmente qualquer pessoa, muitos se deixam aprisionar na cartilha da positividade t�xica.
Quem n�o se deparou, principalmente no in�cio desta trag�dia, com a ordem para ser produtivo, otimista, aproveitar a quarentena para aprender ingl�s, se qualificar, fazer cursos, estudar, buscar conhecimento, participar de lives, palestras, come�ar um projeto, manter o bom humor... Ou seja, agir como a vida estivesse no curso normal, e quem n�o embarcasse nesta canoa furada estaria errado e a consequ�ncia � o risco de ser isolado, posto de lado, evitado.
A psic�loga cl�nica Renata Borja enfatiza que o bem-estar n�o est� no dinheiro, no status, no poder, no prazer, nas facilidades, nem na perfei��o. “Ele est� na capacidade de reconhecer que viver � dif�cil mesmo, � compreender que somos vulner�veis, fr�geis e que iremos ser rejeitados, desvalorizados, poderemos fracassar, perder as pessoas e coisas que valorizamos, mas mesmo assim podemos viver bem, com boas rela��es e em harmonia com nossas emo��es e pensamentos, sabendo que na vida tudo � passageiro, tanto os bons quanto os maus momentos e est� tudo bem mesmo assim.”
(foto: J. Mantovani/Divulga��o)
� t�xico porque a ditadura da felicidade nega a natureza humana, que � de altos e baixos. A pessoa passa a se culpar por n�o ser sempre otimista e estar sempre feliz, o que gera mais negatividade, naturalmente. Corpo e mente respondem pior ao estresse quando negamos o que estamos sentindo. � imposs�vel estar bem quando estamos em guerra com n�s mesmos
Adriana Drulla, mestre em psicologia positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e p�s-graduada em terapia focada em compaix�o pela Universidade de Derby (Inglaterra)
QUATRO PASSOS: PARA OTIMISTAS E PESSIMISTAS
O fundamental � que todos tenham em mente que o mais importante � buscar a consci�ncia e a viv�ncia de que est� tudo certo se n�o estiver bem sempre. E n�o � para esconder, com ou sem a m�scara. Mestre em psicologia positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e p�s-graduada em terapia focada em compaix�o pela Universidade de Derby (Inglaterra), Adriana Drulla enfatiza que � imposs�vel ser positivo sempre.
“� t�xico porque a ditadura da felicidade nega a natureza humana, que � de altos e baixos. A pessoa passa a se culpar por n�o ser sempre otimista e estar sempre feliz, o que gera mais negatividade, naturalmente. Corpo e mente respondem pior ao estresse quando negamos o que estamos sentindo. � imposs�vel estar bem quando estamos em guerra com n�s mesmos. Quando se aceitam os momentos dif�ceis, entendendo que fazem parte da natureza, � poss�vel se apoiar durante esses per�odos com gentileza, como fazemos com um grande amigo. A partir da nossa compreens�o e apoio internos fica mais f�cil dar a volta por cima, dar para n�s mesmos o que a gente precisa, e superar as dificuldades.”.
Adriana Drulla comanda os podcasts “Crescer humano” (https://open.spotify.com/show/0Ci43iTKORzjg9ZmNzOrik), onde fala sobre psicologia, e “Mente compassiva” (https://open.spoti fy.com/show/7jysb5HI0go9fx4mY5iOt6si?=5au1k27mStGl8gZBlyS6Yg&nd=1). Ela enfatiza que achar a dose certa entre pessimismo e otimismo inclui encontrar a calma necess�ria para que se possa analisar o di�logo interno de forma realista. Para isso, tanto os pessimistas quanto os otimistas podem fazer um exerc�cio de quatro passos: primeiro, imagine e se poss�vel escreva o pior cen�rio poss�vel; depois, imagine e escreva o melhor cen�rio poss�vel; e terceiro, descreva o cen�rio realista. A partir do cen�rio realista, construa um plano para lidar com a situa��o”.
Como se blindar da positividade t�xica?
1 – Em vez de dizer “n�o pense nisso, seja positivo”, diga “me diz o que voc� est� sentindo, eu te escuto”
2 – Em vez de falar “poderia ser pior”, diga “sinto muito que est� passando por isso”
3 – Em de vez “n�o se preocupe, seja feliz”, diga “estou aqui para voc�”
Como agir?
1 – Autogentileza: acolha o seu desconforto
2 – Fica atenta �s suas emo��es, elas s�o sinais importantes
3 – Lembre-se que n�o h� nada de errado com voc�
4 – Autocompaix�o: capacidade de fornecer suporte emocional a n�s mesmos