
Em uma manh� de s�bado recente, meu marido sugeriu que eu ficasse em casa enquanto ele levava as crian�as para passear. Imediatamente, senti um imenso sentimento de gratid�o, embora, devido � rotina de trabalho, muitas vezes eu tenha me dedicado um pouco mais a cuidar das crian�as no geral.
Eu sabia que ele queria que eu tivesse um tempo s� para mim — mas senti que deveria expressar minha gratid�o dando algo em troca enquanto ele estava fora, ent�o, preparei a comida e arrumei a casa.
A gratid�o existe por um bom motivo: est� ligada � pr�pria ess�ncia do que une as pessoas e ajuda a manter os relacionamentos positivos. No entanto, apresenta mais nuances em uma arena como a da cria��o de filhos, que sabemos ser desigual.
Depois de escrever sobre a carga mental (o pensamento oculto e o trabalho de planejamento feito sobretudo por mulheres para viabilizar o funcionamento da casa), dezenas de mulheres enviaram coment�rios — e a palavra "grata" continuava aparecendo.
Algumas se sentiam gratas por terem parceiros solid�rios, dada a falta de igualdade que muitas vivenciam. Outras se sentiam profundamente frustradas com a ideia de que deveriam se sentir gratas quando seus parceiros ajudavam.
Afinal, que papel a gratid�o deve desempenhar dentro de casa, visto que sabemos que as tarefas recaem desproporcionalmente sobre as mulheres em relacionamentos heterossexuais?
Por que exatamente aplaudimos nossos parceiros por realizar tarefas que devem ser compartilhadas, e ser� que tem algum valor em fazer isso? No fim das contas, dever�amos ser gratas por pequenos gestos de "ajuda" se a divis�o do trabalho dom�stico e da cria��o dos filhos permanece desigual?
Como a gratid�o molda relacionamentos
A gratid�o � uma experi�ncia humana universal; o sentimento de ser grato e apreciar algo ou algu�m. Tem v�rios benef�cios, tanto para quem sente quanto para o receptor.
Os primeiros estudos da psicologia da gratid�o mostraram, por exemplo, que quando os participantes simplesmente anotavam as coisas pelas quais eram gratos num di�rio, eles apresentavam uma melhora no bem-estar depois.
Os pesquisadores descobriram que a gratid�o une as pessoas nos relacionamentos, criando mais comprometimento e maior satisfa��o na rela��o. "Quando as pessoas percebem que receberam um benef�cio de outra pessoa, isso muda a percep��o delas sobre aquela rela��o e aquela pessoa", diz a psic�loga Shelly Gable, da Universidade da Calif�rnia em Santa B�rbara, nos Estados Unidos.
A gratid�o � �til tanto para relacionamentos novos quanto para aqueles em andamento — pode criar intimidade entre aqueles que acabaram de se conhecer e tamb�m mant�-la.
A gera��o de gratid�o tamb�m n�o est� necessariamente ligada ao tamanho do presente ou do favor concedido. Em um estudo, a experi�ncia de se sentir compreendido e valorizado teve um efeito maior na express�o de gratid�o do que o valor monet�rio de um presente que os participantes receberam.
"Em muitos aspectos, o que importa � se o benef�cio que voc� recebe � algo que voc� precisa e aprecia", diz Gable.

A gratid�o atua, portanto, como um sinal de que a outra pessoa se preocupa e est� fazendo um esfor�o para nos compreender. No entanto, n�o � suficiente se sentir silenciosamente grato quando algu�m faz algo por voc�.
Gable, em parceria com a pesquisadora de gratid�o Sara Algoe, mostrou que temos que expressar o que estamos sentindo para que os relacionamentos sejam beneficiados. Quando a gratid�o n�o � expressa igualmente, pode causar o rompimento do relacionamento.
Expressar gratid�o pode ter um vi�s de g�nero: estudos sugerem que as mulheres expressam mais gratid�o do que os homens, e que ela � mais intensa e duradoura.
Jeffrey Froh, professor associado de psicologia da Universidade Hofstra, nos Estados Unidos, diz que uma raz�o para isso pode ser que "as mulheres s�o mais socializadas para emo��es interpessoais mais suaves".
De fato, estudos mostram que as mulheres s�o mais propensas a expressar emo��es mais positivas do que os homens e tamb�m a compartilhar emo��es de forma mais intensa (exceto raiva).
Outra pesquisa prop�e que aqueles com mais poder (geralmente na forma de sal�rios mais altos) expressam menos gratid�o — e os homens apresentam ganhos superiores em pouco mais de dois ter�os dos casais heterossexuais americanos, conforme o Pew Research Center revelou (usando dados de 2017).
A arena dom�stica desigual
A gratid�o nos relacionamentos se torna um pouco mais complexa dentro de casa, onde as tarefas n�o s�o divididas igualmente. � claro que as mulheres assumem a maior parte da carga mental em torno da organiza��o de uma casa, mas tamb�m persiste uma divis�o desigual na carga dom�stica.
Em casais heterossexuais com filhos, os pap�is de g�nero e os "padr�es de m�es ideais" — estere�tipos sobre quem faz o que e como uma 'boa m�e' deve ser — facilmente se tornam arraigados, quer o parceiro tenha essa inten��o ou n�o. Isso pode significar que certas tarefas dom�sticas sejam consideradas, conscientemente ou n�o, do �mbito da mulher.

� por isso que um homem pode n�o agradecer sua parceira por tarefas que ela sempre faz mais — ou ela pode se sentir compelida a agradec�-lo por tarefas que ele consistentemente faz menos.
Isso pode naturalmente causar ressentimento e at� mesmo o rompimento da rela��o, especialmente se a mulher for constantemente considerada a cuidadora oficial, e ela perceber que a divis�o de trabalho � injusta.
Pesquisas mostram que a forma como definimos o que � justo � importante: se esperamos igualdade total e n�o conseguimos, seremos menos felizes; mas se n�o esperamos igualdade e vemos que nosso parceiro faz mais do que o marido de uma amiga, n�s somos mais propensas a sentir gratid�o.
Embora o ressentimento possa ser uma resposta justificada � desigualdade de uma forma geral, � importante entender que for�as estruturais — como as expectativas do local de trabalho que exigem longas jornadas — podem contribuir para uma divis�o de tarefas desigual em casa.
E mesmo que as for�as estruturais n�o expliquem por que seu parceiro nunca tira a lou�a da m�quina de lavar, h� uma vantagem surpreendente em expressar gratid�o, independentemente de a igualdade ter sido alcan�ada.
Expressar gratid�o pode, na verdade, motivar mais o comportamento pelo qual somos gratos. Fazer isso "lembra ao parceiro de baixo desempenho que a divis�o do trabalho n�o � justa", escreveram os pesquisadores Jess Alberts e Angela Trethewey na revista Greater Good da Universidade da Calif�rnia em Berkeley, nos Estados Unidos.
Portanto, se um dos membros do casal lava a maior parte da roupa, expressar gratid�o quando o outro parceiro faz isso pode na verdade ajud�-lo a fazer isso com mais frequ�ncia.
E se cada pessoa em um relacionamento sentir gratid�o pelo que o outro est� fazendo para ajudar, isso aumenta a satisfa��o geral da rela��o, o que alimenta o bem-estar — mesmo que a divis�o do trabalho n�o seja igual.
Todd Kashdan, diretor do The Well-Being Lab da Universidade George Mason, nos Estados Unidos, diz que ser grato mesmo que a situa��o n�o seja perfeita � "um mecanismo adaptativo para a sa�de do relacionamento, e a sa�de de uma sociedade que ainda n�o atingiu o ideal ut�pico, em que homens e mulheres tratam uns aos outros igualmente".
Sabendo que n�o conseguimos mudar a sociedade rapidamente, o sentimento de gratid�o interv�m para nos ajudar a enfrentar a situa��o, ao mesmo tempo que fortalece conex�es sociais importantes.
"A mudan�a social em termos de estrutura dos n�cleos familiares e dos lares � lenta. Portanto, por causa disso, se voc� n�o valorizar as pequenas mudan�as incrementais, n�o ser� uma pessoa feliz", diz Kashdan.
Ent�o, embora �s vezes nossa gratid�o possa estar tingida de ressentimento, � claro que compensa ser grato, mesmo que seja por algo que achamos que merecemos, como dormir at� mais tarde ou ter ajuda na hora de lavar roupa.
Se conseguirmos relaxar e desfrutar da ajuda que recebemos, tamb�m ficaremos mais felizes por isso.
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Work Life.
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