
“Ser ou n�o ser, eis a quest�o”, a fala emblem�tica da pe�a “Hamlet, pr�ncipe da Dinamarca”, de William Shakespeare, � indaga��o profunda que faz parte da filosofia e que na abordagem cl�nica ajuda os pacientes a se descobrirem.
O fil�sofo cl�nico Beto Colombo, que participou da funda��o do Instituto de Filosofia Cl�nica do Sul de Santa Catarina e ajudou a criar na Unesco o primeiro curso de p�s-gradua��o do pa�s em filosofia cl�nica nas organiza��es, explica que a filosofia cl�nica � a filosofia acad�mica aplicada ao consult�rio como m�todo terap�utico.
O fil�sofo cl�nico Beto Colombo, que participou da funda��o do Instituto de Filosofia Cl�nica do Sul de Santa Catarina e ajudou a criar na Unesco o primeiro curso de p�s-gradua��o do pa�s em filosofia cl�nica nas organiza��es, explica que a filosofia cl�nica � a filosofia acad�mica aplicada ao consult�rio como m�todo terap�utico.
Segundo ele, embora haja estudos em que ela tenha nascido com os gregos pr�-socr�ticos como filosofia na pr�tica, em alguns pa�ses ela � conhecida com nomes distintos. No Canad� � chamada de filosofia de aconselhamento, no Brasil e na Alemanha como filosofia cl�nica. � uma pr�tica nova, o in�cio dela se d� em meados da d�cada de 1990. No Brasil, ela n�o chegou como em outros pa�ses, pronta, os estudos se iniciaram nos anos 1980 pelo fil�sofo L�cio Packter que viajou o mundo conhecendo seus criadores e a adaptou partindo da historicidade, ou seja, da hist�ria de vida contada pelo pr�prio partilhante (paciente) singularizando assim a filosofia cl�nica no Brasil.
Beto Colombo afirma que filosofia cl�nica � reconhecida como uma terapia que tem como objetivo um trabalho que vai al�m da sa�de mental. “Ela trabalha o aspecto existencial. � regularizada pela Associa��o Nacional de Fil�sofos Cl�nicos (Anfic) com n�cleos de forma��o em todos os estados brasileiros, e est� presente em universidades, hospitais, col�gios, organiza��es, consult�rios. � um m�todo. A pessoa ou partilhante inicia a caminhada com o terapeuta pelos seus assuntos imediatos, os sintomas. Depois disso, segue para a hist�ria de vida, onde o fil�sofo busca na narrativa da pessoa os elementos a partir dos quais estudar�, pelo seu repert�rio existencial, a maneira como est� estruturada.”

A diferen�a para a psicologia e psican�lise � que a filosofia cl�nica � um m�todo a posteriori, diante da pessoa em nossa frente nada sabemos, por isso precisamos da historicidade. O tratamento se dar� somente depois de descobrirmos como o outro funciona. Essa � uma diferen�a, nem melhor nem pior, � diferente
Beto Colombo, fil�sofo cl�nico
De posse da hist�ria de vida, a terapia ter� o entendimento de como a pessoa est� no tempo e no espa�o e quais seus modos de vida. Na filosofia cl�nica, o terapeuta estuda a pessoa a partir da sua hist�ria para entender sua singularidade e construir a caminhada terap�utica.
Para Beto Colombo, o grande diferencial da filosofia cl�nica � que n�o h� um conceito sobre a pessoa, um entendimento a priori sobre como ela deveria ser ou o que seria ou n�o, em detrimento do doente. “O fil�sofo cl�nico entender� a pessoa a partir da sua hist�ria e com base neste material construir�, junto com ela, uma caminhada na dire��o do que faz mais lhe faz sentido. N�o � o terapeuta quem sabe, mas quem aprende com o partilhante, via interse��o, como ele deve ser atendido e qual seria o melhor encaminhamento dos assuntos.”
A diferen�a para a psicologia e psican�lise � que, enfatiza Beto Colombo, a filosofia � um “m�todo a posteriori, diante da pessoa em nossa frente nada sabemos, por isso precisamos da historicidade. O tratamento se dar� somente depois de descobrirmos como o outro funciona. Essa � uma diferen�a, nem melhor nem pior, � diferente. Na psican�lise, o paciente � levado a falar de modo livre, discorrer sobre os assuntos que lhe incomodam e cabe ao psicanalista buscar a origem no inconsciente do problema que acomete a pessoa. J� a psicologia, tem por base fundamentos s�lidos baseados em teorias (a priori) que consideram o material exposto pelo paciente como forma de entender o que se passa a ele.”
Beto Colombo afirma que n�o h� desconforto dos fil�sofos cl�nicos com os psic�logos e psicanalistas: “Nenhum. Temos muitos colegas que t�m forma��o em filosofia cl�nica. Os fil�sofos cl�nicos consideram importante a diversidade de alternativas terap�uticas, uma vez que cada pessoa pode escolher a ajuda com a qual se sente melhor.” Segundo ele, n�o existe um padr�o ou caracter�stica espec�fica que marca as pessoas que buscam aux�lio na filosofia cl�nica. Desde crian�as at� os adultos, a diversidade est� presente no dia a dia do consult�rio.
“O m�todo filos�fico cl�nico � dialogal, um momento em que a pessoa � conduzida pelo fil�sofo com base no m�todo a discorrer sobre sua vida e ent�o dar-se a conhecer. Ao longo do processo, tanto as perguntas quanto as respostas ser�o encontradas pelo caminho, na constru��o da terapia em si. O terapeuta � conduzido no desenvolvimento da terapia pelas demandas existentes e identificadas na hist�ria de cada um. As perguntas, se existirem, bem como as respostas, ser�o encontradas no caminhar terap�utico.”
PLAT�O E ARIST�TELES

Chav�o, termo j� desgastado, o tal do autoconhecimento sempre est� presente nas terapias. Para Beto Colombo, � poss�vel aplic�-lo na filosofia cl�nica para aqueles que t�m abertura epistemol�gica. “No entanto, em filosofia cl�nica esta demanda pode ocorrer somente se este for o assunto identificado pelo fil�sofo ao longo do processo terap�utico. Para muitas pessoas o autoconhecimento n�o � recomendado, algumas precisam apenas da resolu��o ou encaminhamento dos assuntos e n�o est�o interessadas em autoconhecimento.”
Com uma diversidade e riqueza de fil�sofos, de Friedrich Nietzsche a Arthur Schopenhauer e David Hume, Beto Colombo explica que na filosofia cl�nica n�o � um ou outro fil�sofo que participa do processo terap�utico, mas todos. Ele ressalta que cada fil�sofo desenvolveu sua tese baseado em como ele funcionava naquele tempo, lugar e circunst�ncias. A constru��o metodol�gica da filosofia cl�nica n�o � excludente, ela considera a colabora��o de cada um como importante. Em cada momento da terapia alguns fil�sofos ou escolas filos�ficas fazem parte da constru��o do m�todo.
Beto Colombo explica que, logo no in�cio da terapia filos�fica, h� o historicismo, abordagem que tem por base o fil�sofo Wilhelm Dilthey, mas que vai muito al�m dele, conta tamb�m com a participa��o de Hegel e tantos outros. “A filosofia cl�nica � um m�todo de atendimento ao indiv�duo que busca na filosofia acad�mica, em sua vasta hist�ria de produ��o de conhecimento, as bases para entender o sujeito em sua singularidade. “
Segundo o especialista, um exemplo simples a considerar � a quest�o corpo e mente. Para algumas pessoas o corpo aparece em certa medida separada da mente, neste aspecto ela seria considerada do ponto de vista plat�nico. Em outras, corpo e mente s�o integrados, sendo estas consideradas do ponto de vista aristot�lico. “E isto falando de apenas um quesito e duas possibilidades, do sensorial e abstrato, que s�o as possibilidades da rela��o.”
CONSTRU��O DO AUTORESPEITO

Em Minas, a filosofia cl�nica cresce e ganha cada vez mais adeptos. Marta Batalini, fil�sofo cl�nica, professora universit�ria e reprogramadora neurodimensional do Instituto Mineiro de Filosofia Cl�nica-IMFIC/Polo Uberl�ndia, explica que, considerando que a sa�de mental se relaciona ao n�vel de qualidade de vida cognitiva ou emocional de cada pessoa, a filosofia cl�nica contribui de forma significativa nesse processo, na medida em que busca tra�ar a estrutura de pensamento de cada partilhante para reconhecer tudo o que a pessoa conhece, sente, intui, ou seja, sua maneira de ser, agir e pensar. Nesse processo, o pr�prio partilhante reconhece seus limites e possibilidades, consegue fazer escolhas respons�veis e se torna autor de sua hist�ria, permitindo a constru��o de um autorrespeito, que na cl�nica se apresentar� de forma consistente.
Marta Batalini enfatiza que tudo na cl�nica � resultado da interse��o entre o fil�sofo e o partilhante que suscita a empatia e a sintonia. “O ponto de partida �, quando poss�vel, compreender os choques da estrutura de pensamento do partilhante, compreender e entender sua malha intelectiva, seus verbos mentais, suas interse��es com o mundo e consigo mesmo. Trabalhar no sentido de elaborar as quest�es existenciais. “
Segundo ela, o fil�sofo cl�nico considera dados literais apresentados pelo partilhante e se limita a m�nima interfer�ncia, pois o partilhante deve ter sempre o lugar de fala. Posteriormente, o fil�sofo far� os enraizamentos, dados divis�rios da hist�ria de vida de cada um a fim de compreender junto com o partilhante sua historicidade. “A singularidade � importante, porque embora o m�todo seja �nico, a cl�nica se moldar� de acordo com a historicidade de cada um. Considerando sempre sua plasticidade. N�o se trata, pois, de um m�todo unilateral.”
O tamb�m fil�sofo, fil�sofo cl�nico, pedagogo e professor da rede municipal em Uberaba, Guilherme Caiado, conta que o sistematizador da filosofia cl�nica, L�cio Packter, diz que a filosofia cl�nica apresenta sentido quando relacionada � pessoa dentro de um exerc�cio de psicoterapia, pois a viv�ncia da pessoa apresenta diferentes op��es �s quest�es por elas propostas. Entretanto, a filosofia cl�nica � recomendada �s pessoas que buscam compreender e elaborar suas quest�es existenciais, �ticas, axiol�gicas, antropol�gicas, cient�ficas, art�sticas e acima de tudo filos�fica.
SINGULARIDADE E PLASTICIDADE
Para Guilherme Caiado, os processos peculiares � filosofia cl�nica se tornam mais intelig�veis quando o partilhante cresce de onde partiu, tornando-se sujeito do seu processo, da sua vida e exist�ncia. “O partilhante romper� com as press�es sociais e pessoais que o sufocam e aprender� a olhar diferente para sua realidade, j� que a singularidade e a plasticidade estar�o sempre presentes.”

Marta Batalini avisa que, muito mais que um processo de perguntas, a filosofia, parte do princ�pio de reflex�o da realidade circundante. “Vale ressaltar que, muitas vezes, temos um amontoado de pr�-ju�zos, de conceitos e defini��es formadas, mas na cl�nica filos�fica eles s�o suspendidos e ter�o valor a partir daquilo que o partilhante apresenta. Em um atendimento, a partilhante relatou que seu marido era um 'homem bruto'. Na sua mente o que � ser um homem bruto? Violento? Grosseiro? Intolerante? Para esta partilhante, era uma pessoa destemida, de atitude, que n�o se cansa dos afazeres, que encara qualquer desafio, que lida com os afazeres da casa com carinho e cuidado, que desde lavar uma lou�a ou trocar uma telha faz com esmero. Vejam, se o fil�sofo cl�nico vai � cl�nica com seus pr�-ju�zos coloca todo o processo em risco. Pois a voz, o tom da partilha � feito pelo partilhante e n�o pelo fil�sofo. No momento oportuno, esses conceitos ser�o enraizados e ser�o bem elaborados para compreens�o do processo cl�nico.”