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Estado de Minas SA�DE

Devemos mudar o conceito de 'perda da virgindade'?

Especialistas defendem que precisamos de um conceito alternativo para discutir nossas primeiras experi�ncias sexuais


05/10/2021 23:32 - atualizado 05/10/2021 23:33

Mulher com camiseta que diz debut sexual
Os defensores dos direitos dos homossexuais afirmam que toda a no��o de virgindade � heteronormativa (foto: Getty Images)
O conceito de "virgindade" enfrenta alguns problemas.

 

As feministas apontam que a virgindade tradicionalmente trata a sexualidade feminina como um tesouro, lembran�a ou presente a ser "concedido" pelas mulheres, "tomado" delas ou, simplesmente, "perdido".

 

Os educadores sexuais defendem que as narrativas tradicionais sobre a virgindade muitas vezes deixam de refletir as experi�ncias �ntimas de muitas pessoas.

 

Os defensores dos direitos dos homossexuais afirmam que toda a no��o de virgindade � heteronormativa e n�o se aplica a muitas experi�ncias n�o-heterossexuais.

 

Embora muitos possam concordar que a ideia de virgindade � um problema, poucos ofereceram alternativas vi�veis. Mas, no ano passado, Nicolle Hodges - que se autodenomina "fil�sofa da liberdade sexual" - de Toronto, no Canad�, come�ou a oferecer uma argumenta��o contra a ideia da virgindade que, segundo ela, tem potencial.

 

A ideia come�ou com o escritor norte-americano Dr. Seuss. Em 2020, Hodges publicou o livro "Oh! os lugares aonde voc� ir� Oh! Oh!" (em tradu��o livre do ingl�s), inspirado no estilo do Dr. Seuss, sobre o poder do orgasmo feminino, escrito em versos e celebrando uma vida de expans�o da descoberta sexual.

Ao comparar a sexualidade com uma viagem, Hodges percebeu que ela precisava de um ponto de partida.

 

Mas o ponto de partida tradicional da virgindade pareceu obsoleto para ela, ainda mais em meio ao seu projeto sobre express�o e libera��o sexual, empoderamento feminino contra as expectativas patriarcais e expans�o do conjunto das normas de g�nero.

 

"Ainda temos essa palavra pobre e antiga que restringe o que deveria ser um momento de expans�o", afirma Hodges. "� uma ideia muito limitadora, uma express�o limitadora."

 

Para substitu�-la, ela adotou uma nova express�o: "debut sexual".

 

Este n�o foi o primeiro uso dessa express�o, mas Hodges concluiu que ela se encaixava no teor do seu trabalho, inspirado pelo Dr. Seuss.

 

Ela esperava que fosse apenas uma frase sugestiva, mas conta que ficou surpresa quando os leitores come�aram a pedir que ela desenvolvesse essa ideia.

 

Para isso, Hodges usou seu poder de influenciadora na �rea da positividade sexual para lan�ar uma campanha sugerindo a express�o "debut sexual" como alternativa � virgindade.

 

Ela criou uma s�rie de postagens populares sobre o tema no Instagram e no Twitter, al�m de uma campanha muito bem sucedida na plataforma de financiamento coletivo Kickstarter, para confeccionar camisetas de apoio � mudan�a.

 

A pr�xima fase da campanha inclui a cria��o de um jingle mediante financiamento coletivo para anunciar a ideia, al�m de uma s�rie de entrevistas em v�deo com pessoas reagindo � no��o de debut sexual.

 

A rea��o das redes sociais � sua campanha at� o momento comprovou para Hodges que ela pode conduzir uma conversa diferente sobre as primeiras experi�ncias sexuais.

 

Embora a ideia enfrentasse algumas cr�ticas, a maior parte das rea��es foi de agradecimento.

 

Para muitas pessoas que compartilharam ou apoiaram o trabalho de Hodges, o conceito de virgindade tinha menos relev�ncia para elas e suas experi�ncias.

 

J� a vis�o de debut sexual ofereceu uma nova perspectiva para que elas observassem a si pr�prias e �s outras pessoas como indiv�duos sexualmente aut�nomos, cada qual construindo seu pr�prio caminho para a intimidade.

 

Na abordagem de Hodges, "debut sexual" ofereceu uma descri��o mais simples e direta da primeira experi�ncia sexual - que ela espera que possa ser mais inclusiva e empoderadora.

Como evoluiu a inicia��o sexual

A express�o "inicia��o sexual" existe h� d�cadas. Ela foi criada como um termo cl�nico destinado a substituir "perda da virgindade", segundo Laura M. Carpenter, professora de Sociologia da Universidade Vanderbilt no Tennessee, Estados Unidos.

 

Carpenter � autora de "Virgindade perdida: um retrato �ntimo das primeiras experi�ncias sexuais" (em tradu��o livre do ingl�s), al�m de in�meros artigos sobre virgindade em revistas cient�ficas.

 

"O debut sexual � mencionado, na verdade, em diversas publica��es acad�micas das d�cadas de 1970 e 1980 sobre o que era ent�o considerado uma 'epidemia' de gravidez e doen�as sexualmente transmiss�veis entre adolescentes", afirma ela.


casal se beijando
Especialistas afirmam que as narrativas tradicionais sobre a virgindade n�o representam realmente as experi�ncias de muitos jovens hoje em dia (foto: Getty Images)

"A express�o surgiu como eufemismo para o primeiro sexo vaginal. Na �poca, as publica��es poderiam dizer 'perda da virgindade', mas acho que 'debut sexual' era uma express�o amenizada. Nas d�cadas de 1980 e 1990, passou-se a utilizar 'primeiro coito' ou 'primeiro sexo vaginal'. Dizia-se explicitamente desta forma porque � mais preciso", segundo Carpenter.

 

A defini��o das express�es � importante para Carpenter, que rastreou a mudan�a dos significados das express�es que incluem a palavra "sexo".

 

Carpenter conta que utilizou as express�es "virgindade" e "perda da virgindade" no seu trabalho exatamente porque estava procurando adotar a linguagem empregada pela maioria das pessoas para a experi�ncia.

 

Mas ela sabe que a linguagem moralmente carregada usada como eufemismo para sexo raramente oferece defini��es precisas.

 

Quando ela come�ou seu doutorado em meados dos anos 1990, suas pesquisas sugeriram que diferentes grupos de colegas na mesma escola secund�ria poderiam ter defini��es totalmente diferentes do que constitui o sexo.

 

Isso significa que uma express�o como "perda da virgindade" poderia ser definida em infinidade de formas - e, em muitos casos, a defini��o era moralmente vol�til, com fortes tra�os de vergonha.

 

A campanha de Hodges, destinada expressamente a contestar essa moraliza��o e a vergonha, define a express�o "debut sexual" de forma ampla, que "n�o refor�a a virgindade como o fim de uma jornada ou uma transi��o por si pr�pria".

 

Ao contr�rio, ela afirma que a express�o refor�a a ideia de que o seu debut sexual � algo que acontece muitas vezes e de muitas formas ao longo da sua vida.

 

"N�o se trata apenas de substituir 'virgindade' por um termo novo - trata-se de afirmar que a virgindade � um conceito que n�o existe, pois a sua viagem sexual nunca termina", afirma Hodges.

 

Por isso, os debuts sexuais de Hodges s�o mudan�as pessoais profundas, que s�o principalmente emocionais e de reflex�o.

 

"Pode ser o momento em que voc�, enquanto garota ou mulher, beijou outra mulher, sentiu todo o seu corpo se iluminar e alguma coisa brilhou dentro de voc�", conta ela.

 

"Isso � um debut sexual: � um dos momentos na sua vida que causam mudan�as profundas na sua compreens�o pr�pria e de como voc� se torna uma pessoa. A observa��o do debut sexual como algo que pode acontecer diversas vezes, de in�meras formas, em qualquer idade, alivia a press�o de que uma 'primeira vez' precisa significar, definir ou sugerir como ser� o resto da sua viagem sexual, ou com quem voc� ir� compartilh�-la", segundo Hodges.

Simples demais?

Quando a campanha de Hodges decolou nas redes sociais, Julia Feldman-DeCoudreaux ficou c�tica.

 

Ela � uma educadora sexual de Oakland, na Calif�rnia (Estados Unidos), preocupada com a simplicidade da mensagem: a camiseta simplesmente apresenta a palavra "virgindade" riscada e substitu�da por "debut sexual", relembrando a origem eufem�stica de debut sexual na linguagem acad�mica.

Isso n�o avan�ava muito na quest�o do reconhecimento da virgindade como uma ideia obsoleta.

 

"Quando procuramos uma express�o alternativa, estamos tamb�m travando um di�logo sobre um conceito muito inadequado", segundo Feldman-DeCoudreaux.

 

Mesmo considerando a defini��o de debut sexual adotada por Hodges como sendo qualquer uma dentre uma s�rie de inicia��es sexuais, ela afirma que persiste uma inadequa��o estrutural intr�nseca da linguagem que utilizamos para discutir experi�ncias sexuais.

 

"Quando voc� usa um termo como virgindade - ou debut sexual -, voc� est� obrigatoriamente definindo a sexualidade de uma pessoa no contexto da intimidade com outra pessoa. � necess�rio o sexo com um parceiro para definir a experi�ncia e a identidade sexual de algu�m", explica Feldman-DeCoudreaux.

 

"Se definirmos desta forma, estamos causando muita confus�o, fracasso e frustra��o para muitas pessoas. A consequ�ncia l�gica � que a capacidade de sentir prazer ou satisfa��o sexual deve tamb�m necessitar do envolvimento de outra pessoa", segundo ela.

 

Feldman-DeCoudreaux � frequentemente consultada por adultos que dizem: "meu parceiro n�o me leva ao orgasmo".

 

Ela ressalta que isso � consequ�ncia do pressuposto de que o prazer ou experi�ncia sexual de uma pessoa depende de um parceiro para cri�-los.

"Isso nos torna muito passivos e alienados de nossa identidade e da nossa sexualidade", afirma ela.

 

Mas ela concorda com Hodges que a no��o de virgindade como um todo � problem�tica, por muitos motivos.

 

"Temos a obriga��o de repensar esse conceito, pois criar�amos uma experi�ncia muito melhor para todos n�s se pud�ssemos abandonar essas no��es negativas", afirma Feldman-DeCoudreaux.

 

"Temos que eliminar o conceito da virgindade como algo problem�tico. O problema � a no��o de que a nossa sexualidade tem um ponto inicial, que existe um momento em que subitamente ela se torna real. Isso nos confunde: o que acontece no resto das nossas vidas? E as outras vezes em que sentimos prazer? E as outras experi�ncias reveladoras que tivemos? Elas n�o contam?", questiona ela.


casal
Nicolle Hodges acredita que a reestrutura��o da forma como descrevemos as experi�ncias sexuais poder� ser empoderadora e inclusiva (foto: Getty Images)

N�o se trata apenas de "um momento"

Para os que gostariam de destruir completamente o conceito de virgindade, Carpenter ressalta que as sociedades tendem a criar mem�rias de muitos primeiros eventos, que representam mudan�a de situa��o, como o nascimento do primeiro filho, o primeiro dia da crian�a na escola e assim por diante.

 

� poss�vel que a primeira experi�ncia sexual permane�a sendo um evento socialmente importante - mas Carpenter afirma que nossa expans�o da compreens�o da sexualidade pode ainda contribuir para o enfraquecimento da ideia de virgindade.

 

Embora possamos usar um �nico evento - a problem�tica perda da virgindade - para indicar a transi��o entre uma pessoa sexualmente n�o ativa para sexualmente ativa, Carpenter afirma que "a maior parte das pessoas agrega gradualmente todo tipo de experi�ncias sexuais aos seus repert�rios e o que elas chamam ou compreendem como sendo a 'perda da virgindade' provavelmente est� inclu�da em todo um conjunto de outros comportamentos sexuais".

 

Por isso, Carpenter v� potencial em ideias como as de Hodges e Feldman-DeCoudreaux, pois as sociedades mudam e as pessoas podem aprender a dar menos import�ncia a ideias que costumavam parecer verdadeiras e universais.

 

"Acredito que poder�amos certamente dissociar a ideia da virgindade como um momento em que voc� gira uma chave e tudo muda", afirma ela. "Geralmente, isso nem mesmo � preciso para a maioria das pessoas e, para aquelas para quem isso � verdadeiro, pode ser porque n�s constru�mos socialmente dessa forma. Se n�s n�o fiz�ssemos disso um grande evento, seria mesmo um grande evento?"

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