"Eu s� estou aqui, de p�, porque desde que afundei meus amigos organizaram um rod�zio pra ficar sempre gente na minha casa", escreveu o youtuber Felipe Neto. "A depress�o � uma doen�a da mente, como a gastrite � uma doen�a do est�mago."
O maior influencer do Brasil detalhou recentemente seus problemas com a sa�de mental em uma s�rie de apari��es nas redes sociais. Desabafos p�blicos sobre o tema, que chegam a dezenas de milh�es de pessoas, tamb�m j� foram feitos por outros influenciadores, como o comediante Whindersson Nunes.
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Antes restritas ao �mbito privado, conversas sobre depress�o, ansiedade, bipolaridade, s�ndrome do p�nico e outros transtornos t�m se livrado da atmosfera de segredo e constrangimento do passado para ajudar a romper estigmas e estimular pessoas a buscar tratamento.
"A gente acabava encarcerando o sofrimento, a loucura, as contradi��es humanas na vida privada. Algo como 'n�o traga isso aqui para a rua, deixe l� no seu quarto, na sua casa, na sua fam�lia, mas n�o divida isso, n�o torne isso um assunto coletivo", diz o psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de S�o Paulo (USP) e autor do livro Reinven��o da Intimidade - Pol�ticas do Sofrimento Cotidiano.Para ele, h� um movimento positivo em se mostrar mais vulner�vel, inclusive do ponto de vista cognitivo: "Nossas vulnerabilidades que antes precisavam ser escondidas na vida privada s�o uma mat�ria-prima para o la�o com o outro. Porque pode ser de cuidado m�tuo, pode ser de reflex�o conjunta, pode ser de partilha de afetos".
Daniel Martins de Barros, do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Cl�nicas de S�o Paulo, diz que o impacto de revela��es p�blicas sobre o enfrentamento da depress�o � "basicamente na diminui��o do estigma. Parece pouco, mas ele � brutal, � uma das principais causas para uma pessoa n�o buscar tratamento".
O psiquiatra afirma que esse atual momento "nem de longe significa que o estigma deixou de existir. H� o preconceito, que passa por um componente afetivo, emocional, e se expressa em posturas como 'eu n�o me sinto bem ao estar perto de uma pessoa com esse problema'. E h� o estere�tipo: um aspecto racional, cognitivo, materializado em achar que se conhece exatamente o comportamento de algu�m, por exemplo, com s�ndrome do p�nico".
O que as pesquisas dizem?
Alguns estudos j� mostraram resultados ben�ficos quando personalidades de alcance na internet falam sobre sa�de mental.
Uma pesquisa examinou os efeitos sobre homens negros nos Estados Unidos depois que o rapper Kid Cudi exp�s seus problemas com depress�o.

A an�lise da repercuss�o no Twitter aponta que as revela��es de Kid Cudi ajudaram a engajar no debate sobre sa�de mental um perfil populacional muitas vezes sujeito a press�es do ideal de masculinidade - que historicamente trata a depress�o com termos como "frescura".
J� um trabalho de cientistas dos EUA e de Taiwan focou em microcelebridades (refer�ncias em nichos espec�ficos, como games) que abordam seus problemas emocionais em lives no YouTube e na plataforma Twitch.
Falar do tema ajuda os seguidores a perceberem os riscos da depress�o. Faz tamb�m, segundo o estudo, com que essas microcelebridades pare�am mais aut�nticas - embora surjam d�vidas entre o p�blico sobre a credibilidade delas como porta-vozes do assunto.
Mas o pesquisador brasileiro Felipe Giuntini, da empresa Sidia, detectou algo diferente sobre os efeitos dessa conversa na internet.
Em seu trabalho de doutorado no Instituto de Ci�ncias Matem�ticas e de Computa��o (ICMC) da USP em S�o Carlos, ele formulou um sistema de intelig�ncia artificial que analisou posts de 415 mil participantes da maior comunidade sobre depress�o do site Reddit. O estudo contou com o suporte do departamento de psicologia da Universidade Federal de S�o Carlos (UFScar)
"N�s notamos que os usu�rios pioraram seus sentimentos no ambiente de suporte m�tuo", afirma Giuntini, que utilizou um per�odo de 10 anos para avalia��o das postagens.
"Os usu�rios que entraram com depress�o leve sa�ram com depress�o moderada. E os usu�rios que entraram com uma depress�o moderada evolu�ram para um quadro mais grave. N�o notamos casos de melhora."
A pesquisa sugere que ambientes como esse, em que pacientes de depress�o trocam experi�ncias, deveriam contar com especialistas em sa�de mental no papel de moderadores. Para Giuntini, "n�o adianta voc� apenas agrupar pessoas com depress�o. A coisa n�o vai melhorar".
A din�mica das redes sociais
Para o psicanalista Christian Dunker, essa cultura da conversa nas redes sociais ainda est� se consolidando.
"Acho que � um fen�meno amplo, geral, mas que ainda est� sobre o impacto da novidade. N�s ainda estamos formando, vamos dizer assim, uma cultura de avalia��o sobre as produ��es em redes sociais. A gente v� fen�menos de regula��o disso. Por exemplo, o cancelamento ou a superpopularidade de alguns influenciadores."

Paula Sibilia, professora de estudos de m�dia da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio, e autora do livro O Show do Eu: A Intimidade como Espet�culo diz que "a rela��o destes fen�menos com o crescente uso das tecnologias digitais de comunica��o e informa��o � direta e evidente".
No entanto, ela considera que s�o "transforma��es socioculturais bem complexas que v�m ocorrendo nas �ltimas d�cadas, muito profundas e significativas, que est�o sendo acompanhadas e alavancadas pela inven��o e r�pida ado��o de dispositivos t�cnicos adequados para a sua canaliza��o".
A professora da UFF observa que "tem ocorrido n�o apenas um aumento dos diagn�sticos de transtornos psiqui�tricos como a depress�o, a ansiedade e o p�nico, mas tamb�m o reconhecimento da legitimidade (e inclusive do prest�gio) desse tipo de sofrimento. Os problemas de sa�de mental, portanto, v�m ganhando visibilidade e dignidade, motivando at� um certo 'orgulho' de quem ousa assumir publicamente que os padece".
Isso aparentemente se conecta com a quest�o da autenticidade e com outros elementos do ecossistema das redes sociais - como a ind�stria dos influenciadores - que se tornam parte insepar�vel do cen�rio descrito acima.
"Na sociedade contempor�nea, a vulnerabilidade se tornou um crit�rio ou um cap�tulo do que a gente poderia chamar de indiciamento de autenticidade. Aquele que mostra suas dificuldades, que compartilha seus limites, aparece como algu�m mais real, como todo mundo", diz Dunker, em uma conclus�o semelhante � da pesquisa dos cientistas dos EUA e de Taiwan sobre microcelebridades.
Para Sibilia, "o eu de cada um � incessantemente trabalhado para se tornar um produto ou uma grife atraente, desdobrando toda sorte de estrat�gias de comunica��o".
O te�rico de m�dias sociais e soci�logo Nathan Jurgensen afirma "que n�o se consegue entender a cultura da confiss�o hoje sem estabelecer uma rela��o com uma gamifica��o das m�tricas".
"A personalidade � uma moeda. A fragilidade � uma commodity", diz ele, que tamb�m � editor-chefe da revista norte-americana sobre cultura e tecnologia Real Life.
Mas o psiquiatra Martins de Barros, do HC de S�o Paulo, diz que o saldo � positivo a partir de todo esse cen�rio que vem se formando.
"Quando as pessoas se abrem, elas diminuem a ignor�ncia, elas levam informa��o para o bem. Nem sempre da maneira mais precisa, mas colocam o assunto na pauta, aumentam o debate e diminuem o estigma. Quando se come�a a ver pessoas produtivas, sejam artistas ou gerentes de banco, falando 'eu me trato', isso ataca os principais obst�culos ao tratamento."
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