QI acima da m�dia: o universo dos superdotados

 

 

 

Parafraseando William Shakespeare, certamente, h� muito mais intelig�ncia e sabedoria � nossa volta do que julga a nossa v� filosofia. As habilidades que constituem a intelig�ncia s�o in�meras e, por isso, ela � multidimensional e male�vel. H� capacidades intelectuais determinadas geneticamente, como tamb�m por fatores ambientais. Hoje, o Bem Viver leva seus leitores a desvendarem um pouco do universo das pessoas que fazem parte de um grupo exclusivo, incr�vel e que carrega as dores e as del�cias de serem inteligentes acima da m�dia. 

 

 

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A empres�ria sob o pseud�nimo Lara, de 43 anos, � m�e da superdotada, tamb�m sob pseud�nimo, Sara, de 3 anos. Lara prefere n�o expor a fam�lia, e aceitou dar seu depoimento na esperan�a de que os mitos ao redor da superdota��o ganhem luz e se dissolvam. Para ela, ser m�e de uma crian�a com alta habilidade “� um presente e um grande desafio. Ela � uma crian�a ativa, comunicativa, intensa, questionadora, que n�o aceita qualquer resposta, argumenta, n�o aceita um n�o sem explica��o. Nem sempre � f�cil. � uma princesa fofa e uma indiazinha selvagem. � bonito de ver”.

Lara conta que nunca imaginou que Sara fosse superdotada. “Para mim, ela era muito estimulada e tinha a sorte de ter contato com coisas novas o tempo todo. Uma amiga superdotada me alertou. Fiquei surpresa inicialmente e, no m�s seguinte, iniciamos a avalia��o multidimensional dela. A superdota��o foi confirmada e com o relat�rio ela foi acelerada um ano na escola. Minha filha tem muita energia e faz muitas coisas. � realmente surpreendente. Ela pinta quadros (j� fizemos duas exposi��es), anda a cavalo (ama os animais), surfa, nada, ama os livros (tem cerca de 200 t�tulos). Ama estar com as crian�as no parquinho e na pracinha. Prefere sempre estar entre as mais velhas que ela. J� falou que quer ser m�dica e fazer cirurgia. Eu n�o sei dizer se ela se sente diferente, mas as pessoas que a observam ou interagem com ela geralmente dizem para mim: “Nossa, mas ela s� tem 3 anos mesmo?”.

 

Tatiane Oliveira, pedagoga, psicopedagoga, 

especialista em educa��o especial 

 

FUTURO Lara deseja que Sara seja “feliz e equilibrada”. “Quando a vejo surfando, penso que ser� surfista. Quando a vejo pintando, artista. Quando a vejo preocupada com a sa�de dos animais, veterin�ria. Quando deseja fazer cirurgias em mim e no meu marido, m�dica. Vamos ver o que vir�. Acho importante plantar nela confian�a para que n�o tema ser quem nasceu para ser, independentemente da opini�o dos outros. Ela � forte, carism�tica, sens�vel e destemida. S�o muitas habilidades, muitas possibilidades. � uma vida pela frente.”

Tatiane Oliveira, pedagoga, psicopedagoga, especialista em educa��o especial e coordena��o pedag�gica e propriet�ria do espa�o psicopedag�gico Amar � Acolher, em Po�o Fundo (MG), acompanhou o processo de Sara. A profissional, em setembro de 2020, tamb�m foi identificada com altas habilidades e superdota��o multipotencial, ou seja, nas quatro grandes �reas: acad�mico-intelectual, lingu�stica e l�gico-matem�tica; lideran�a; artes e esportes.

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Ent�o, ela sabe como ningu�m os privil�gios, benef�cios, maravilhas e perspectivas de futuro da superdota��o: “A facilidade de aprender e de ter resolu��es r�pidas de problemas, �s vezes pode ser um privil�gio. �s vezes, n�o. Quando estamos sozinhos � bem legal, ficamos orgulhosos com nossas conquistas. Mas quando outras pessoas, que n�o t�m conhecimento da condi��o, veem, pode surgir o sentimento de inveja, falta de compreens�o ou at� mesmo aproveitar de nossas habilidades. As pessoas superdotadas conseguem perceber tudo isso, pois somos sens�veis e emp�ticos. Depois, ficamos ruminando isso por dias, pois nosso senso de justi�a � extremamente agu�ado.” 

INVISIBILIDADE  Para Tatiane, os benef�cios seriam maiores se as leis fossem cumpridas e os tirassem da invisibilidade. “Ou se em todos os lugares pud�ssemos ser n�s mesmos, mas muitas vezes temos de camuflar as habilidades para n�o sofrer persegui��es, bullying e ass�dio moral. Uma das maravilhas de ser superdotado � saber que n�o estamos s�s, quando achamos profissionais que nos entendem (pois faltam muitos) e tamb�m quando temos contato com outras pessoas que t�m a mesma condi��o. � maravilhoso se relacionar com os pares, mesmo que via on-line. Faz pouco tempo que tive o prazer de conhecer superdotados presencialmente em uma viagem ao Paran�. Parecia um sonho.” 

“Sabem tudo, s�o g�nios”, “tiram 10 em todas as disciplinas”, “s�o excelentes alunos”, “s�o quietos e comportados”, “n�o sofrem, pois aprendem r�pido”, “conquistam tudo o que desejam”, “n�o enfrentam dificuldades”, “tem de ter QI acima de 130”, “n�o precisam de ajuda” e “n�o necessitam de atendimento educacional especializado”.

Esses s�o apenas alguns mitos que Tatiane enumera que os superdotados lidam no dia a dia: “Desmistificar a superdota��o tem sido uma das minhas miss�es, o meu prop�sito de vida. H� muitas pessoas buscando ajuda a si pr�prias, aos filhos, alunos, entre outros e no desespero acabam encontrando profissionais despreparados que ao inv�s de ajudar geram mais sofrimento. Atuo na avalia��o psicoeducacional ou multidimensional para identifica��o de altas habilidades/superdota��o com crian�as a partir de 3 anos, adolescentes e adultos. No desenvolvimento de talentos, potenciais, criatividade e tamb�m no processo de autoconhecimento desses indiv�duos que buscam aux�lio e direcionamento.”

 Segundo Tatiane, a inclus�o da superdota��o no Brasil acontece a passos lentos: “Eu mesma procurei algu�m que me entendesse h� anos. Na minha busca incessante por ajuda, n�o encontrei atendimento para adultos em Minas Gerais. Sempre percebi ser diferente dos demais e que me enquadrava dentro das caracter�sticas das altas habilidades. S� que isso me gerava sofrimento. Meus talentos e minha forma de ser incomodavam e ainda incomodam por onde passo.  Mas aos poucos venho aprendendo a lidar com isso”, explica. 

H� pouqu�ssimos profissionais da �rea no pa�s que de fato compreendem esse fen�meno e que saibam atender e avaliar. Existem alguns n�cleos de atendimento para AH/SD (altas habilidades/superdota��o), mas precisamos aumentar o n�mero de profissionais preparados para lidar com esses casos, pois muitos s�o diagnosticados com transtornos erroneamente, sendo que algumas caracter�sticas se confundem com transtorno do espectro autista (TEA), transtorno de d�ficit de aten��o e hiperatividade (TDAH), transtorno opositivo desafiador (TOD), bipolaridade, borderline, entre outros.”

Tatiane Oliveira alerta que, de acordo com o Minist�rio da Educa��o (MEC), apenas 5% da popula��o tem altas habilidades/superdota��o. “S� que essa porcentagem inclui somente os estudantes que s�o acad�micos na �rea lingu�stica e l�gico-matem�tica, ou seja, os acad�micos. Os que t�m a superdota��o nas �reas de artes, lideran�a e esporte n�o constam nesses n�meros, nem t�m op��o no Censo de cadastr�-los.  � necess�rio um enriquecimento intra e extracurricular, porque a pessoa com habilidades acima da m�dia precisa de constantes desafios.” 

O recado final de Tatiane � que “se voc�, seu filho, sua filha ou qualquer pessoa da sua conviv�ncia tiver algum comportamento que percebe ser diferente, vocabul�rio rebuscado, interesses peculiares, busca por aprendizado constante e desafios, busque ajuda, estude, pesquise. Os superdotados precisam sair da invisibilidade, pois na maioria das vezes n�o t�m seus direitos respeitados.