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Estado de Minas SA�DE

Por que sele��o natural n�o 'apagou' doen�as como c�ncer de mama

Grazyna Jasienska � uma antrop�loga biol�gica que busca explica��es para os problemas de sa�de que milh�es de mulheres sofrem hoje


16/05/2022 11:40 - atualizado 16/05/2022 11:45

Paciente com câncer e sua filha
O passado permite compreender o que est� acontecendo com as mulheres hoje em dia, em termos de sa�de e fisiologia (foto: Getty Images)
O corpo da mulher moderna parece ser o epicentro de um intenso conflito de interesses. De um lado, sua capacidade reprodutiva. Do outro, sua sa�de. "Muitas mulheres dedicam grandes esfor�os para acompanhar o que lhes foi recomendado como sendo um estilo de vida saud�vel. Elas n�o fumam, eliminam os alimentos gordurosos da alimenta��o, diminuem os doces, d�o prefer�ncia �s escadas em vez dos elevadores e caminham at� o trabalho." Mas, "quando ficam doentes com c�ncer de mama, problemas do cora��o ou osteoporose, elas frequentemente se culpam e perguntam 'o que fiz de errado?'" � o que destaca o livro The Fragile Wisdom ("A sabedoria fr�gil", em tradu��o livre), da antrop�loga biol�gica Grazyna Jasienska.

 

� claro que essa culpa n�o tem raz�o de ser. A autora reconhece que existem pr�ticas que s�o completamente prejudiciais e devem ser evitadas, mas as mulheres n�o deveriam sentir-se culpadas quando ficam doentes.

 

Na verdade, Jasienska declarou � BBC News Mundo (o servi�o em espanhol da BBC) que existem muitos fatores que influenciam nesse processo - "poderia ser gen�tico, poderia estar relacionado a algum tipo de intera��o ou a um acidente na nossa fisiologia", por exemplo.

Jasienska � professora do Departamento de Epidemiologia e Estudos Populacionais da Universidade Jaguel�nica, na Pol�nia, e tenta compreender por que a preven��o de doen�as nas mulheres pode ser t�o dif�cil.

 

Na descri��o do seu livro, a Harvard University Press resume a ess�ncia daquilo que chama de conflito de interesses no corpo feminino: "a fisiologia das mulheres evoluiu para facilitar a reprodu��o e n�o para reduzir o risco de sofrer de enfermidades". Por isso, a pesquisadora retorna at� milhares de anos atr�s em busca de respostas.

Prioridade

Jasienska destaca que "o passado nos permite compreender o que est� acontecendo com as mulheres hoje em dia, em termos de sa�de e fisiologia".


Grazyna Jasienska
Um dos campos de pesquisa de Grazyna Jasienska � a ecologia evolutiva humana (foto: Arquivo pessoal/Grazyna Jasienska)
Nosso legado evolutivo tem influ�ncia quando se fala em c�ncer e na reprodu��o. Ela defende que "em termos evolutivos, transmitir os genes para a gera��o seguinte sempre � mais importante do que estar saud�vel".

 

"� claro que � necess�rio ter sa�de para transmitir [os genes], � uma parte importante desse processo, � preciso sobreviver, encontrar um parceiro para a reprodu��o", afirma ela, mas "o que for preciso" acontecer com o organismo para apoiar essa transmiss�o ser� "mais importante que qualquer coisa".

 

Jasienska explica, por exemplo, que a probabilidade de que uma mulher venha a desenvolver c�ncer de mama aumenta proporcionalmente "� exposi��o ao longo da vida aos estrog�nios", que s�o horm�nios important�ssimos para a gravidez. "Quanto mais alta for essa exposi��o, mais alto ser� o risco de sofrer c�ncer de mama."


Desenho de uma mulher com câncer de mama
Grazyna Jasienska busca explica��es para os problemas de sa�de que milh�es de mulheres sofrem hoje a partir de uma abordagem evolutiva (foto: Getty Images)
"Algu�m poder� perguntar: por que a sele��o natural, que � o principal mecanismo para as mudan�as evolutivas, n�o nos torna diferentes para deixarmos de produzir n�veis t�o altos de estrog�nio, se ele � t�o prejudicial para a sa�de com rela��o ao c�ncer de mama?"

 

A resposta � simples: porque os estrog�nios ajudam na reprodu��o.

"N�o importa quais consequ�ncias prejudiciais ter�o os altos n�veis de estrog�nio ao longo da vida, desde que ele ajude na transmiss�o dos genes para a gera��o seguinte", segundo ela. Ou seja, para a sele��o natural, "n�o importa muito" a sa�de das mulheres, mas sim a sua capacidade de reprodu��o.

 

 

Leia tamb�m: Acolhimento e individualiza��o s�o novos aliados contra o c�ncer.

 

Segundo o Instituto Nacional do C�ncer dos Estados Unidos, "sabe-se que os estrog�nios, um grupo de horm�nios sexuais femininos, s�o cancer�genos para os seres humanos. Embora esses horm�nios tenham fun��es fisiol�gicas essenciais, tanto para as mulheres quanto para os homens, eles tamb�m foram associados a um maior risco de certos tipos de c�ncer."

Aumento dos ciclos menstruais

A professora pesquisou as mudan�as dram�ticas do n�mero de ciclos menstruais das mulheres. "Estima-se que, no que chamamos de Idade da Pedra, as mulheres tivessem apenas cerca de 100 ciclos ao longo da vida", afirma ela.

N�o se sabe ao certo qual � a raz�o. Acredita-se que os corpos das mulheres amadurecessem mais tarde, mas talvez tamb�m seja porque elas entravam na menopausa mais cedo.


Aparelho reprodutivo feminino
A professora pesquisou as mudan�as no n�mero de ciclos menstruais das mulheres (foto: Getty Images)
"A primeira menstrua��o ocorria muito mais tarde do que ocorre com as mulheres agora. N�o sabemos o quanto mais tarde, mas talvez com cerca de 16 anos", explica Jasienska.

 

Al�m disso, nossas antepassadas tinham mais filhos, sendo que a gravidez e a lacta��o influenciam os per�odos menstruais.

Por tudo isso, "as mulheres modernas t�m cerca de 450 ciclos ao longo da vida, em vez de 100".

 

"Essa diferen�a � imensa se voc� analisar a exposi��o aos estrog�nios", segundo a pesquisadora, pois esses horm�nios possuem fun��o reguladora do ciclo menstrual.

 

Jasienska explica que a forma de desenvolvimento desses ciclos tamb�m se alterou. O n�vel de produ��o de horm�nios � mais alto que no passado, por exemplo.

 

"Com rela��o � exposi��o aos estrog�nios e � vida moderna, o resultado � que temos mais ciclos e de qualidade diferente", o que se traduz em "maior exposi��o aos horm�nios".

 

E, segundo a Sociedade Norte-Americana contra o C�ncer, "as c�lulas de c�ncer de mama possuem receptores (prote�nas) que se aderem ao estrog�nio e � progesterona, ajudando-as a crescer". 

O custo

"Tudo ter� custos relacionados. Se fisiologicamente houver foco na reprodu��o, haver� um custo", segundo a professora.

O mesmo n�vel de energia dedicado � reprodu��o, por exemplo, n�o ser� atribu�do a outras fun��es do pr�prio organismo. Isso pode prejudicar outros aspectos da sa�de.

 

"Com esse investimento de energia na reprodu��o, o sistema imunol�gico ser� prejudicado. O risco de contrair infec��es aumenta e, por isso, outros aspectos relacionados ao sistema imunol�gico ser�o afetados", segundo a professora.

 

Ela prossegue: "de certa forma, voc� acumula danos ao longo dos anos reprodutivos porque voc� est� nessa fun��o. E, � claro, a sele��o natural n�o se preocupa muito com as mulheres na etapa p�s-reprodutiva."

 

A este respeito, no seu artigo Costs of Reproduction and Ageing in the Human Female ("Custos da reprodu��o e envelhecimento nas mulheres", em tradu��o livre), Grazyna Jasienska afirma o seguinte, em tradu��o livre:

"A reprodu��o das f�meas humanas � exigenteem termos de energia, nutrientes e ajustes metab�licos.

Por isso, � esperado que as mulheres que sofreram alto esfor�o reprodutivo como resultado de diversos eventos de reprodu��o envelhe�am mais r�pido. Mas a evid�ncia dos efeitos negativos da reprodu��o a longo prazo n�o � conclusiva.

Muitos estudos documentaram que as mulheres que passaram por intensa reprodu��o apresentam maior risco de doen�as relacionadas � idade. Nos seres humanos, como em qualquer outra esp�cie, a sele��o natural favoreceu caracter�sticas ben�ficas para o sucesso reprodutivo, ainda que prejudiciais para a sa�de, especialmente na velhice."

A hip�tese da av�

Mas a especialista destaca a chamada hip�tese da av�, que defende que as mulheres, quando atingem a etapa em que n�o podem mais ter filhos e "n�o podem transmitir genes diretamente para as gera��es seguintes", de certa forma fazem isso ao ajudar seus filhos e netos a transmiti-los.

 

"Neste sentido, pode-se dizer que a sele��o natural n�o nos mata imediatamente quando deixamos de ter capacidades reprodutivas porque ainda h� um sentido evolutivo", segundo ela.

 

"Em muitas esp�cies, as f�meas vivem enquanto puderem reproduzir-se e conseguem faz�-lo at� o final de suas vidas. N�s podemos viver muito mais [depois dessa etapa] e existem muitas discuss�es sobre isso do ponto de vista da biologia evolutiva", explica Jasienska.

 

"Por que permanecemos vivas por tampo tempo se n�o somos capazes de transmitir genes, que � o prop�sito evolutivo da vida?", questiona a pesquisadora. Para ela, a hip�tese da av� � uma explica��o. "Talvez as mulheres ainda tenham um papel na evolu��o."

A alimenta��o dos ancestrais

Jasienska acredita que, embora o c�ncer tamb�m esteja relacionado ao estilo de vida moderno, existem outros fatores que podem intervir nessa doen�a. E o mesmo ocorre com outras enfermidades.


Mulher deitada no sofá com calendário
Pesquisadora aponta que as mulheres modernas t�m cerca de 450 ciclos ao longo da vida (foto: Getty Images)
O livro da pesquisadora, The Fragile Wisdom, apresenta uma realidade: n�s ouvimos diariamente como diferentes doen�as podem ser evitadas com uma vida saud�vel. Mas, quando ficamos doentes, o sentimento de que fracassamos de alguma forma na tentativa de seguir as recomenda��es pode se tornar insuport�vel.

 

"O que � uma alimenta��o adequada?", questiona Jasienska.

 

"Algumas pessoas prop�em a chamada dieta paleol�tica. Mas a dieta paleol�tica n�o existiu, porque havia uma imensa variedade de dietas, dependendo se era um clima frio, o deserto ou o litoral."

"Existe a ideia de que, se comermos da mesma forma que fizeram nossos ancestrais, ficaremos saud�veis, magros e bonitos, mas isso n�o funciona porque eles comiam muitos tipos de alimentos e os seres humanos, de forma geral, evolu�ram para comer muitas coisas", segundo ela.

 

"Acredito que foi algo que aconteceu na evolu��o: n�o precisamos de uma dieta muito espec�fica para sobreviver. N�s evolu�mos para comer coisas muito diferentes e ficar bem. E isso � algo maravilhoso do nosso passado."


Ilustração da evolução de uma mulher de criança à vida adulta
(foto: Getty Images)

N�o procurar a perfei��o

Jasienska ressalta que "somos apenas seres humanos, n�o podemos ser perfeitos. E n�o conhecemos essa perfei��o porque algumas recomenda��es de sa�de mudam com frequ�ncia."

 

As dietas s�o um exemplo preciso dessas mudan�as. "As pessoas dizem que os ovos realmente fazem mal, mas depois um novo estudo indica que eles s�o bons. Sai um artigo que diz que o caf� � prejudicial e depois outro que garante que ele � perfeito e que, com tr�s ou quatro x�caras por dia, a sua sa�de vai melhorar", explica ela.

 

"Muitas mensagens de sa�de s�o bastante confusas", enquanto outras s�o absolutamente claras e comprovadas: "se voc� fumar, voc� destr�i sua vida e a�, sim, poder� culpar a voc� mesmo".

 

Cuidar da nossa alimenta��o e fazer exerc�cios � importante. Mas � certo que, quando o assunto � sa�de, tudo � muito complicado.

"Existem muitas intera��es, n�o � preciso tentar ser perfeito todo o tempo. Devemos cuidar de n�s e n�o apenas por n�s mesmas, mas por nossas fam�lias e amigos. N�o queremos ser um encargo para ningu�m. Seria bom ser ativo e saud�vel na velhice, mas, se n�o formos, isso n�o significa que seja nossa culpa. Nunca sabemos se poderia ser gen�tico, devido a algum tipo de intera��o ou um acidente da nossa fisiologia", explica Jasienska.

'Nada faz sentido...'

Outro aspecto importante � a atividade f�sica - um tema em que nossos ancestrais nos deixam para tr�s. "� claro que a atividade f�sica � �tima para a sa�de", segundo a pesquisadora. "Mas quanto dever�amos fazer? Ainda n�o sabemos. Existem muitas organiza��es que dir�o tr�s vezes por semana, algumas uns tantos minutos e outras recomendar�o outra coisa."

 

Mas tudo depende das necessidades e do estado de sa�de de cada pessoa. Em alguns dos seus artigos acad�micos, Jasienska relembra a c�lebre frase do geneticista ucraniano Theodosius Dobzhansky: "nada tem sentido na biologia, a n�o ser � luz da evolu��o". De fato, no artigo Public Health Needs Evolutionary Thinking ("A sa�de p�blica precisa do pensamento evolutivo", em tradu��o livre), a pesquisadora parafraseia Dobzhansky, dizendo: "nada na demografia e na sa�de p�blica tem sentido, a n�o ser � luz da evolu��o".

 

Ela acredita que "n�o podemos compreender realmente o funcionamento de nenhum organismo antes de aplicar o enfoque evolutivo". Como indica a pesquisadora americana Laura G. Goetz em um artigo na revista cient�fica Yale Journal of Biology and Medicine: "fascinante e educativo, The Fragile Wisdom deixa tantas perguntas quanto respostas, da melhor forma poss�vel".

 

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