
Acordei no meio da noite com cristais de gelo caindo no meu rosto. De dentro da barraca, em meio �s cobertas, ouvi um ru�do distante que parecia ser de um animal farejando.
Ainda atordoado, abri o z�per do saco de dormir e sentei. Comecei a prestar aten��o nos barulhos l� fora, sem tirar o olho da lata de spray para espantar ursos que estava na minha frente.
Ouvi as corredeiras de um riacho pr�ximo e o relinchar de um de nossos cavalos, que pastava nos arredores do Parque Nacional de Yellowstone. At� que escutei o barulho de gravetos quebrando, � medida que algu�m – ou algo – se aproximava.
Abri a barraca, me deparei com a n�voa branca que cobria a pradaria e, logo em seguida, avistei as pegadas frescas de um lobo no ch�o, a poucos cent�metros de onde eu estava dormindo.
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Uma colega que estava junto � fogueira contou que um grupo de quatro lobos passou cheirando a minha barraca.
"Eram apenas as montanhas dizendo bom dia", acrescentou ela, colocando a chaleira de volta na brasa.
"Depois de uma visita como essa, teremos um dia extraordin�rio."
Em 15 anos trabalhando com cientistas nas Montanhas Rochosas dos EUA, fiquei cara a cara com ursos pardos, escapei de inc�ndios florestais, cruzei rios transbordando a cavalo e descobri aldeias pr�-hist�ricas. Mas nunca pensei na visita de um lobo como uma b�n��o.
No entanto, � medida que a luz avermelhada do sol iluminava as cordilheiras acima da gente, eu olhei para os campos cobertos de neve e me perguntei que hist�rias as montanhas nos revelariam hoje.
Como arque�logo das montanhas, estudo como culturas passadas viviam em grandes altitudes e ambientes cobertos de neve acima da chamada linha das �rvores - altitude m�xima onde a vegeta��o consegue crescer. Os turistas geralmente descrevem os penhascos e desfiladeiros congelados da paisagem alpina como hostis e assustadores.
Mas, por ter sido criado aos p�s da Cordilheira Teton, no Wyoming, bem no cora��o das Montanhas Rochosas, sempre me senti em casa aqui. Na verdade, a 3 mil metros de altura � onde me sinto mais vivo.

No entanto, s� quando comecei a explorar meu quintal com um olhar diferente que percebi que as montanhas escondem muitas hist�rias que conectam o homem � natureza.
'Hostis demais'
Quando era adolescente, passava os ver�es guiando montanhistas por todo o Wyoming. E, durante um passeio � Cordilheira Wind River, encontrei uma ponta de flecha perto das nossas barracas. A ideia de que 2 mil anos antes outra pessoa havia acampado no mesmo local, me fez pensar em por que as montanhas sempre atra�ram a humanidade.
Quando comecei a faculdade naquele outono, tentei pesquisar sobre a hist�ria das montanhas de Wyoming, mas s� consegui encontrar uma refer�ncia em uma revista arqueol�gica antiga: "a regi�o montanhosa era hostil demais para abrigar povos pr�-hist�ricos".
V�rios meses depois, fiquei sabendo que um arque�logo de Wyoming chamado Richard Adams tinha acabado de descobrir uma aldeia pr�-hist�rica inteira a apenas alguns quil�metros de onde eu encontrara a ponta da flecha. Entrei em contato com ele, e fui convidado a participar do projeto de escava��o da aldeia.
Adams me ensinou que as montanhas guardavam segredos antigos � espera de serem revelados. Decidi ent�o trocar minha corda de escalada por uma esp�tula, e comecei uma nova e emocionante carreira em busca daquele passado misterioso.
Hoje eu gerencio projetos nas montanhas da Am�rica do Norte – de escava��es arqueol�gicas a pesquisas por sat�lite para localizar aldeias pr�-hist�ricas. Uma aventura fascinante. E, �s vezes, custo a acreditar que tudo come�ou com uma descoberta casual aos 17 anos de idade.
Como muitos arque�logos consideraram por muito tempo as regi�es montanhosas hostis demais para abrigar povos antigos, a maioria das cordilheiras permanece imensamente inexplorada.
No entanto, para aqueles que come�aram a trabalhar entre os picos mais altos do mundo, as altitudes elevadas s�o terras desconhecidas apaixonantes que est�o apenas come�ando a ser compreendidas.
No ver�o, meus colegas e eu caminhamos at� as profundezas das Montanhas Rochosas, dos picos gelados da Cordilheira de Wyoming at� as altas plan�cies do Colorado. Est�vamos em busca de aldeias desconhecidas, aparatos de ca�a, pedreiras e outras evid�ncias de vida desde aproximadamente 13.000 a.C. (quando acredita-se que o homem tenha chegado pela primeira vez � Am�rica do Norte) at� hoje.
Mas, diferentemente da arqueologia de uma maneira geral, h� algo peculiar no nosso trabalho: as pistas que encontramos nem sempre est�o enterradas no solo; �s vezes, elas est�o congeladas, presas debaixo do gelo.
Nas cadeias de montanha ao redor do mundo, os povos antigos usavam os campos cobertos de neve, as geleiras e as placas de gelo para ca�ar, armazenar alimentos e servir como pontes em terrenos inacess�veis. Assim como os montanhistas de hoje, esses andarilhos antigos de vez em quando deixavam cair itens pessoais que, com o passar do tempo, ficaram presos e preservados no gelo.

Enquanto descobrimos muitos artefatos pr�-hist�ricos de pedra, e n�o biodegrad�veis, nossas descobertas mais fascinantes s�o os chamados "artefatos de placas de gelo", como flechas de madeira, couro e outros materiais org�nicos que teriam entrado em decomposi��o se n�o tivessem sido enterrados em um freezer natural.
Esses artefatos incrivelmente raros oferecem pistas inestim�veis sobre diversos aspectos – de padr�es de migra��o nos prim�rdios da humanidade � culin�ria pr�-hist�rica, al�m de indicar como o ambiente e o clima mudaram ao longo de mil�nios.
Mas, embora haja tanta informa��o cient�fica retida nas camadas de gelo, elas correm o risco iminente de desaparecer para sempre.
Corrida contra o tempo
� medida que as temperaturas globais aumentam, o gelo das montanhas est� derretendo a um ritmo sem precedentes, e esses artefatos perec�veis que permaneceram preservados por milhares de anos est�o descongelando e se desintegrando rapidamente.
Portanto, procurar rel�quias em placas de gelo n�o � apenas algo emocionante – mas uma verdadeira corrida contra o tempo.
Em 2007, Craig Lee, da Universidade Estadual de Montana, nos EUA, descobriu uma vara de formato estranho em um peda�o de gelo que estava derretendo a 3.200 metros de altura no norte de Wyoming.
Ap�s uma an�lise mais detalhada, ele percebeu que a vareta era, na verdade, o dardo de uma lan�a feita h� 10.300 anos. At� o momento, � o artefato congelado mais antigo j� encontrado no mundo.
A descoberta inesperada de Lee ressaltou a urg�ncia de salvar esses artefatos do degelo – e levou a uma corrida nas Montanhas Rochosas para resgat�-los.

� medida que mais arque�logos se aventuraram na tundra alpina americana na �ltima d�cada, uma s�rie de artefatos foram descobertos – de flechas de 1.300 anos a cestas tran�adas de vime e arcos de madeira, revelando descobertas surpreendentes.
A an�lise da madeira mostrou, por exemplo, que grupos pr�-hist�ricos preferiam certas esp�cies de �rvores para fazer suas flechas; o p�len congelado ofereceu dados paleoclim�ticos detalhados, indicando que a linha das �rvores costumava ser muito mais alta; e sementes de dejetos descongelados mostraram que, diferentemente de hoje, o bis�o americano vivia a mais de 3 mil metros de altura.
Um mundo de novas descobertas se abriu, mas essa janela n�o permanecer� aberta para sempre. Dado o grande n�mero de placas de gelo e sua localiza��o remota, nunca conseguiremos alcan��-las a tempo.
Numa �poca em que computadores e sat�lites substitu�ram machetes e capacetes, muitos exploradores lamentam que a era dos descobrimentos tenha terminado. No entanto, nossas expedi��es reproduziram as pr�ticas de muitos povos que viveram nos prim�rdios da Am�rica do Norte.
Como nos aventuramos nas profundezas das montanhas de um dos lugares mais remotos dos EUA, precisamos usar cavalos para transportar equipamentos e alimentos pelas encostas.
Montamos acampamentos selvagens com vista para lagos azul-turquesa, colhemos plantas comest�veis de prados pr�ximos, assamos na fogueira carne de ca�a fresca, como alces ou carneiros selvagens, e dormimos sob as estrelas. De muitas maneiras seguir os mesmos passos dos povos antigos que estamos estudando nos ajuda a entend�-los melhor.
Nunca se sabe que peda�os de gelo podem revelar itens pr�-hist�ricos, por isso passamos os dias caminhando pela montanha e explorando a cordilheira em busca de pistas. Quando avistamos artefatos ou ossos de animais protuberantes em meio ao degelo no ver�o, os extra�mos com cuidado e envolvemos com gaze e pl�stico para proteg�-los na viagem de volta a cavalo.
No laborat�rio, fotografamos, fazemos data��o por radiocarbono e identificamos cada artefato antes de congel�-lo novamente em um reposit�rio de museu ou universidade.
A emo��o de descobrir uma tigela de pedra pr�-hist�rica ou uma ponta de lan�a de 8.000 anos em campo � sempre emocionante. Mas � no laborat�rio que podemos conhecer as fascinantes hist�rias por tr�s desses artefatos – como as refei��es que foram preparadas nesses recipientes e para onde os povos antigos viajavam em busca das pedras que usariam como arma.
Apesar das incont�veis bolhas no p�, noites geladas e hordas de mosquitos, sou grato por chamar as montanhas de meu escrit�rio. Toda vez que encontro algum artefato � beira do gelo, lembro da minha pequena participa��o na preserva��o das montanhas e da hist�ria da humanidade.
Quando era um jovem alpinista, passei infinitos dias explorando os picos das Montanhas Teton e, naquela �poca, diria a voc� que sabia tudo sobre elas. Mas, nos �ltimos 15 anos, aprendi que n�o importa se voc� est� em um ambiente familiar ou desconhecido, sempre haver� algo mais a ser descoberto.
Em todos os cantos do mundo, h� uma nova e fascinante hist�ria � espera de ser contada.
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Travel.
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