
Embora tenha havido muitos avan�os em pesquisas nos �ltimos anos, o c�rebro continua sendo um �rg�o misterioso e complexo, repleto de segredos a serem desvendados.
Mas, at� onde � poss�vel, o neurologista argentino Facundo Manes o conhece muito bem.
Ele cresceu na Prov�ncia de Buenos Aires com um sonho: seguir os passos do pai, um m�dico rural. E conseguiu.
Manes se formou em Medicina pela Universidade de Buenos Aires em 1992 e, ainda estudante, conseguiu uma bolsa de estudos em neuroci�ncias pela Associa��o M�dica Argentina. A partir da�, o c�rebro passou a ser seu grande objeto de estudo.
Com passagens pelo Massachusetts General Hospital, em Boston (EUA), pela Universidade de Iowa e pela Universidade de Cambridge, Manes j� publicou diversos livros e estrelou v�rios programas de televis�o, entre eles Os Enigmas do C�rebro e O C�rebro Argentino, produzidos em parceria com Mateo Niro.
A quatro m�os, Manes e Niro escreveram seu �ltimo livro, El cerebro del futuro: ¿Cambiar� la vida moderna nuestra esencia? ("O c�rebro do futuro: a vida moderna mudar� nossa ess�ncia?", em tradu��o livre).
A publica��o aborda o impacto das novas tecnologias no c�rebro, a neuro�tica e o papel da ci�ncia como mediadora de problemas sociais, tudo sob a perspectiva dos �ltimos avan�os no campo da neuroci�ncia.
Facundo Manes conversou com a BBC News Mundo, servi�o em espanhol da BBC, durante o Festival Hay Arequipa, que acontece virtualmente de 28 de outubro a 8 de novembro.
BBC - O que torna o c�rebro um �rg�o t�o fascinante?
Facundo Manes - O c�rebro � fascinante, entre outras qualidades, porque � o �nico �rg�o que tenta explicar a si mesmo. E assim nos damos conta que tudo que fazemos pode ser feito gra�as a ele, desde respirar at� ler esta entrevista ou refletir sobre as quest�es filos�ficas mais profundas.
� a estrutura mais complexa e enigm�tica do universo. Cont�m mais neur�nios do que as estrelas existentes na gal�xia.

BBC - Quanto sabemos realmente hoje sobre ele?
Manes - Nas �ltimas d�cadas, houve muitos avan�os na compreens�o do c�rebro. Podemos dizer que nesses anos conseguimos aprender mais sobre ele do que em toda a hist�ria da humanidade.
Para citar alguns avan�os, foi demonstrado que a mem�ria, ao contr�rio do que se sup�e geralmente, n�o � uma caixinha em que guardamos nossas lembran�as, mas sim nossa �ltima lembran�a.
N�o se trata do fato que (de fato) vivemos porque, cada vez que recordamos algo, o modificamos.
Tamb�m sabemos que os neur�nios continuam a ser gerados ao longo de toda vida, mesmo na idade adulta.
Al�m disso, as neuroci�ncias deram contribui��es importantes para entender os diferentes componentes da empatia, �reas cr�ticas da linguagem, mecanismos cerebrais da emo��o e os circuitos neurais envolvidos em ver e interpretar o mundo ao nosso redor.
Foram feitos ainda avan�os significativos na identifica��o precoce de doen�as psiqui�tricas e neurol�gicas, permitindo elaborar tratamentos e terapias mais eficientes.
Ao mesmo tempo, aprofundamos nosso conhecimento sobre o processo de aprendizagem, e isso resulta em um planejamento melhor de estrat�gias na �rea de educa��o, entre muitas outras.
Todos os avan�os no conhecimento do c�rebro contribuem para uma qualidade de vida melhor para as pessoas e a vida em sociedade.
BBC - E o que falta aprender sobre o c�rebro e quando vamos aprender?
Manes - � preciso reconhecer que ainda nos resta muito a aprender.
Por exemplo, aprendemos sobre processos cerebrais espec�ficos, mas ainda n�o existe uma teoria do c�rebro que explique seu funcionamento geral.
Al�m disso, novos conhecimentos levantam novas quest�es. Portanto, podemos nos perguntar se algum dia seremos capazes de desvendar os enigmas do c�rebro por completo.
Sempre me lembro da frase de um renomado neurocientista que disse que responder a pergunta sobre como nosso c�rebro funciona � como tentar pular puxando o cadar�o do sapato.
De qualquer forma, acredito que o futuro da ci�ncia � muito promissor e nosso conhecimento continuar� avan�ando.

BBC- O c�rebro � uma m�quina perfeita?
Manes - Eu n�o falaria de perfei��o, mas de complexidade e potencialidade.
Ao longo da vida, nosso c�rebro est� em constante transforma��o. � um �rg�o flex�vel e adapt�vel.
Essa neuroplasticidade, a capacidade do sistema nervoso de se modificar e se adaptar �s mudan�as, permite que os neur�nios se reorganizem, formando novas conex�es e ajustem suas atividades em resposta a transforma��es no ambiente.
Ou seja, nossa experi�ncia muda permanentemente nosso c�rebro.
Esse � um dos principais mecanismos pelos quais a esp�cie evoluiu e se adaptou ao longo do tempo, para al�m do que estava geneticamente predeterminado.
BBC - Seu livro mais recente se chama O C�rebro do Futuro. Como exatamente ser� o c�rebro do amanh�?
Manes - N�o � uma pergunta com resposta f�cil. Em termos anat�micos, o c�rebro n�o mudar� por s�culos.
Com todos os avan�os tecnol�gicos que est�o sendo desenvolvidos, podemos pensar que, talvez, no futuro nosso c�rebro esteja mais ligado � influ�ncia da engenharia gen�tica e da biotecnologia para expandir nossas capacidades.
H� autores que argumentam que a evolu��o em termos da sele��o natural n�o � mais t�o relevante para os homens modernos no mundo cultural e tecnol�gico em que nos desenvolvemos.
O que seria essencial � a adapta��o cultural e tecnol�gica. Somos capazes de mudar o ambiente natural de forma eficiente por meio do uso da tecnologia.
Ao passo que as gera��es mudam a cada 25-35 anos, com a tecnologia dispon�vel � poss�vel alcan�ar mudan�as muito mais r�pido.
Atualmente, somos capazes de manipular genes mediante a sele��o artificial e modificar caracter�sticas biol�gicas.
A tecnologia est� permitindo o desenvolvimento de tecidos artificiais, como peles criadas a partir de pl�stico, e dispositivos como retinas artificiais ou implantes cocleares, por exemplo.
� prov�vel que, nas pr�ximas centenas de anos, seja poss�vel criar ou regenerar o tecido neural que comp�e o c�rebro, o que teria implica��es importantes no tratamento de doen�as que hoje n�o t�m cura, como a dem�ncia.
BBC - H� quem acredite que com as novas tecnologias n�o precisaremos usar o c�rebro e poderemos guard�-lo na gaveta. Vai ser assim?
Manes - N�o, de jeito nenhum, n�o vai. Nenhuma m�quina pode substituir nosso c�rebro.
Nossa mente � muito mais do que um processador de informa��es. Pense em todas as habilidades do nosso c�rebro social, como entender a mente de outro ser humano, sentir sua dor, reagir a ela.
A empatia, o altru�smo, a coopera��o s�o capacidades alheias a qualquer m�quina e fundamentais para nossas vidas. Porque n�o podemos esquecer que o ser humano � basicamente um ser social.
Pense tamb�m no nosso lobo frontal, que lida com as fun��es executivas, ou seja, a capacidade de definir metas, planejar e automonitorar o pr�prio desempenho para atingir um objetivo.
Gra�as a ele podemos desenvolver um plano, execut�-lo, tomar decis�es, inferir os pensamentos dos outros e agir de acordo, inibir os impulsos e, ao mesmo tempo, controlar esses processos.
Uma m�quina pode fazer isso? N�o.
Ent�o as m�quinas n�o v�o nos substituir. Vamos continuar precisando que cada c�rebro siga funcionando com a genialidade que o caracteriza, e deixar a gaveta para guardar roupas ou objetos fora de uso.

BBC - Como as novas tecnologias est�o transformando nossos c�rebros?
Manes - A tecnologia levou a v�rios avan�os.
Por exemplo, no campo da medicina, foram criados muitos instrumentos que permitem diagnosticar doen�as com mais precis�o e de maneira mais precoce.
Tamb�m foram criados novos tratamentos e dispositivos que melhoram consideravelmente a vida das pessoas.
Para dimensionar tudo isso, posso citar um caso muito conhecido de uma mulher tetrapl�gica, sem mobilidade nos membros, que conseguiu movimentar um bra�o rob�tico.
Foram implantados cirurgicamente eletrodos no seu c�rtex motor, respons�vel %u200B%u200Bpelo controle volunt�rio dos movimentos.
Por meio desses eletrodos, os sinais cerebrais foram enviados a um computador, e algoritmos complexos decodificaram e identificaram padr�es cerebrais associados aos movimentos do bra�o e da m�o.
Ent�o, quando essa mulher pensou em mover o bra�o, os eletrodos detectaram as oscila��es cerebrais, e o software do computador as traduziu em comandos de movimento que foram executados por um bra�o rob�tico.
Sem d�vida, esse avan�o � revolucion�rio pelo impacto que tem na qualidade de vida.
Embora a tecnologia possa gerar estresse ao nos tornar dependentes de e-mails, das mensagens no celular, das �ltimas not�cias e nos levar � multitarefa, neste momento em que vivemos a pandemia de covid-19, a tecnologia tem sido uma grande aliada de todos, por nos permitir estar conectados.
Nos ajuda a enfrentar melhor esses momentos de distanciamento f�sico.
BBC - O c�rebro � fruto de milh�es de anos de evolu��o. Ele pode regredir por causa da intelig�ncia artificial, das novas tecnologias ou de qualquer outro aspecto?
Manes - Justamente, por ser produto da evolu��o de milh�es de anos, s�o necess�rios milhares de anos para observar mudan�as a n�vel cerebral.
Dada sua hist�ria evolutiva, em que n�o houve nenhuma mudan�a percept�vel na apar�ncia f�sica dos seres humanos nos �ltimos 200 mil anos, � dif�cil pensar que a estrutura do c�rebro se modificar� drasticamente nos pr�ximos s�culos.
Tampouco regredir, porque assim como requer menos fun��es para algumas atividades — como lembrar dados ou fazer certas opera��es matem�ticas —, requer mais fun��es para outras.
� fundamental cuidarmos do estresse que a depend�ncia excessiva de tecnologia pode gerar. Porque sabemos que o estresse cr�nico afeta negativamente nossa sa�de e nosso c�rebro.

BBC - Somos nosso c�rebro ou nossas emo��es?
Manes - � uma pergunta muito boa. Somos os dois, mas porque n�o se trata de quest�es distintas.
As emo��es t�m lugar no c�rebro e s�o centrais em nossa vida. Elas impactam nossa mem�ria porque recordamos melhor aquilo que nos comove.
Por exemplo, todo mundo se lembra do que estava fazendo em 11 de setembro de 2001, quando aconteceu o atentado �s Torres G�meas, mas ningu�m se lembra do que estava fazendo no dia anterior. Al�m disso, as emo��es influenciam nossa tomada de decis�o.
De maneira simplificada, podemos entender que temos dois sistemas para tomada de decis�o: um autom�tico e r�pido, que � produto de mecanismos evolutivos, e outro, lento e racional.
Ao longo de um dia, tomamos muit�ssimas decis�es e fazemos isso em mil�simos de segundo. Estas decis�es s�o baseadas neste mecanismo autom�tico que � determinado pelas emo��es.
Na realidade, s�o poucas as decis�es que tomamos com o sistema lento, em que pesamos os pr�s e os contras de uma situa��o.
Somos guiados pelas emo��es, o racional costuma ser a explica��o que encontramos para as decis�es ap�s t�-las tomado.
BBC - Em seu livro O C�rebro Argentino, voc� argumenta que embora o c�rebro dos argentinos n�o tenha nenhuma peculiaridade anat�mica diferente em rela��o ao de outras nacionalidades, uma vez que todos os c�rebros s�o iguais, cada c�rebro � moldado pela intera��o com o ambiente, o contexto social, a cultura, os gostos e experi�ncias. Como � o c�rebro dos argentinos nesse sentido?
Manes - De fato, em termos de anatomia, meu "c�rebro argentino" � igual ao de um russo, de um ingl�s, de um japon�s ou de um dinamarqu�s.
Ent�o, na verdade, n�o existe c�rebro argentino.
No entanto, pensamos, decidimos e sentimos influenciados pelas pessoas que nos rodeiam, nossos colegas de trabalho, nossos vizinhos, nossos parceiros, nossos amigos. E tamb�m pela sociedade em que vivemos e pela hist�ria dessa sociedade. Ent�o, podemos pensar em vieses que nos caracterizam.
Que vieses s�o esses? S�o as estruturas de pensamento que nos permitem interpretar as informa��es provenientes do nosso entorno.
Podemos pensar neles como "moldes" a partir dos quais formamos uma interpreta��o de n�s mesmos, dos outros e do mundo. Portanto, devemos nos perguntar quais s�o os vieses argentinos.
N�s argentinos somos solid�rios e valorizamos a fam�lia, mas temos que reconhecer que podemos destacar tamb�m a chamada "viveza criolla" (conceito semelhante ao "jeitinho brasileiro") para "tirar vantagem".
Por isso, sempre dizemos e temos que concordar que, como sociedade, temos que deixar esse comportamento de lado para pensar e planejar que pa�s queremos no futuro, considerar o longo prazo.
Temos que perceber que a verdadeira esperteza est� em alcan�ar uma comunidade integrada que atue com a intelig�ncia de pensar um projeto de pa�s baseado no conhecimento, na educa��o e, consequentemente, no crescimento e na igualdade.

BBC - Qual � o impacto da pandemia de coronav�rus em nosso c�rebro? Como o medo, o isolamento, a solid�o, o trabalho remoto, as aulas online e a falta de contato com outras pessoas afetam nosso c�rebro?
Manes - A pandemia tem um impacto negativo em nossa sa�de mental. Estamos expostos a grandes n�veis de estresse.
Nossas rotinas foram completamente alteradas, estamos com medo, estamos afastados de nossos entes queridos.
N�o fazer as coisas que sempre fazemos e fazer as que normalmente n�o fazemos requer um grande esfor�o.
Da mesma forma, o mal-estar econ�mico decorrente dessa situa��o gera uma grave ang�stia social, considerada outro fator de risco para transtornos psicol�gicos.
Se as sociedades n�o tomarem medidas coletivas que visem proteger nossa sa�de mental, vamos ter uma pandemia de doen�as mentais.
V�rias pesquisam mostram que longos per�odos de quarentena est�o associados a estresse p�s-traum�tico, exaust�o emocional, depress�o, ins�nia, ansiedade, irritabilidade e frustra��o.
Em um estudo realizado na Argentina pela Funda��o INECO, cerca de 72 dias ap�s o in�cio da quarentena, observou-se que a fadiga mental era o fator mais importante para explicar os sentimentos de ansiedade e sintomas de depress�o nas pessoas.
� importante evitar que isso tenha consequ�ncias que se estendam no longo prazo e se tornem cr�nicas. � que a sa�de mental n�o pode ser separada da sa�de f�sica. � tudo integrado.

Por isso � t�o importante manter h�bitos saud�veis %u200B%u200Bcomo dormir bem, ter uma alimenta��o saud�vel, al�m de evitar o cigarro, o �lcool e as drogas.
Na medida do poss�vel, devemos manter rotinas, ter hor�rios regulares para ir dormir e acordar, trabalhar, estudar e/ou fazer exerc�cios, e fortalecer nossos la�os sociais, porque esses la�os nos ajudam a fomentar um senso de normalidade, nos oferecem conten��o e nos permitem compartilhar o que sentimos.
Em muitos lugares, n�o � poss�vel se reunir fisicamente, mas podemos nos manter conectados gra�as � tecnologia.
Tamb�m temos que ser compreensivos com n�s mesmos, n�o podemos esperar ter o n�vel de desempenho habitual, tampouco a concentra��o e energia de sempre, ap�s tantos meses enfrentando a pandemia.
Nesse sentido, pr�ticas de relaxamento e medita��o, como mindfulness (aten��o plena), podem ser ben�ficas.
Certos estudos reconhecem que as �reas do c�rtex pr�-frontal, associadas a emo��es e fun��es sociais, s�o intensamente estimuladas com a medita��o, enquanto as �reas do c�rebro tipicamente associadas ao processamento de emo��es negativas, como a am�gdala, diminuem sua atividade.
Trata-se de desenvolver a capacidade de estar totalmente atento a todos os momentos da sua vida, reduzindo a quantidade de tempo que voc� gasta se preocupando com o futuro ou com o passado.
Temos que cuidar da nossa sa�de de forma integral e saber que juntos vamos superar essa situa��o.
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