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Estado de Minas CI�NCIA

Como o pr�ximo supercontinente da Terra vai se formar

Longe de serem fixos, os continentes n�o estiveram sempre organizados da forma como vemos hoje %u2014 ser� que � poss�vel saber onde estar�o localizados daqui a milh�es de anos?


17/04/2022 09:00 - atualizado 17/04/2022 10:30


mapa do século 16
Mapa de Mercator do s�culo 16 (foto: Getty Images)

H� quase 500 anos, o cart�grafo flamengo Gerardus Mercator produziu um dos mapas mais importantes do mundo.

Certamente n�o foi a primeira tentativa de se criar um atlas mundial, e tampouco era particularmente preciso: a Austr�lia est� ausente, e as Am�ricas est�o apenas esbo�adas.

Desde ent�o, os cart�grafos produziram vers�es cada vez mais precisas desse nosso arranjo continental, corrigindo os erros de Mercator, assim como os vieses entre hemisf�rios e latitudes criados por sua proje��o.

Mas o mapa de Mercator, junto a outros produzidos por seus contempor�neos do s�culo 16, revelou uma imagem verdadeiramente global das massas terrestres do nosso planeta — uma perspectiva que, desde ent�o, povoa a mente das pessoas.

O que Mercator n�o sabia � que os continentes nem sempre foram organizados desta maneira. Ele viveu cerca de 400 anos antes de a teoria das placas tect�nicas ser confirmada.

Ao olhar para a posi��o dos sete continentes em um mapa, � f�cil supor que s�o fixas. Durante s�culos, os seres humanos t�m travado guerras e selado acordos de paz para conquistar esses territ�rios, supondo que a terra deles — e de seus vizinhos — sempre esteve e sempre estar� l�.

Da perspectiva da Terra, no entanto, os continentes s�o folhas � deriva em um lago. E as preocupa��es humanas s�o uma gota de chuva na superf�cie da folha.

Os sete continentes j� estiveram reunidos em uma �nica massa, um supercontinente chamado Pangeia. E, antes disso, h� evid�ncias de outros que remontam a mais de tr�s bilh�es de anos: Pan�tia, Rodinia, Columbia/Nuna, Kenorland e Ur.


Ilustração da Terra durante o início do Jurássico
Os sete continentes j� foram uma �nica massa de terra, um supercontinente chamado Pangeia (foto: Getty Images)

Os ge�logos sabem que os supercontinentes se dispersam e se juntam em ciclos: estamos na metade de um agora.

Ent�o, que tipo de supercontinente poderia existir no futuro na Terra? Como as massas terrestres que conhecemos hoje v�o se reorganizar no longo prazo?

H� pelo menos quatro trajet�rias diferentes poss�veis pela frente. E elas mostram que os seres vivos da Terra um dia residir�o em um planeta muito diferente, que mais parece um mundo alien�gena.

Para o ge�logo Jo�o Duarte, da Universidade de Lisboa, em Portugal, o caminho para explorar os futuros supercontinentes da Terra come�ou com um evento incomum no passado: um terremoto que sacudiu Portugal numa manh� de s�bado em novembro de 1755.

Foi um dos terremotos mais poderosos registrados nos �ltimos 250 anos, com um total de 60 mil mortos e provocando um tsunami no Oceano Atl�ntico. Mas o que fez dele particularmente estranho foi sua localiza��o.

"N�o deveria haver grandes terremotos no Atl�ntico", diz Duarte. "Foi estranho."


Ilustração do terramoto de Lisboa de 1755
Ilustra��o do terramoto de Lisboa de 1755 (foto: Getty Images)

Terremotos dessa magnitude geralmente acontecem em (ou perto de) grandes zonas de subduc��o, em que as placas oce�nicas mergulham sob os continentes, sendo derretidas e consumidas no manto quente. Envolvem colis�o e destrui��o.

O terremoto de 1755, no entanto, aconteceu ao longo de uma borda "passiva", em que a placa oce�nica subjacente ao Atl�ntico se transforma suavemente nos continentes da Europa e da �frica.

Em 2016, Duarte e seus colegas propuseram uma teoria para o que poderia estar acontecendo: as "costuras" entre estas placas podem estar se desfazendo e uma grande ruptura pode estar se aproximando.

"Pode ser uma esp�cie de mecanismo infeccioso", explica. Ou como o vidro se fragmentando entre dois pequenos orif�cios no para-brisa de um carro.

Se for isso mesmo, uma zona de subduc��o poderia estar prestes a se espalhar do Mediterr�neo ao longo da �frica Ocidental e talvez at� a Irlanda e o Reino Unido, gerando vulc�es, forma��o de montanhas e terremotos nessas regi�es.

Duarte percebeu que, se isso acontecer, pode levar, num futuro distante, ao fechamento do Atl�ntico. E se o Pac�fico continuar a encolher tamb�m — o que j� est� acontecendo ao longo do "Anel de Fogo" que o rodeia —, um novo supercontinente acabaria se formando.

Ele o chamou de Aurica, porque as antigas massas de terra da Austr�lia e das Am�ricas ficariam em seu centro.

Seria algo assim:


Aurica
Aurica, o supercontinente que poderia se formar se o Atl�ntico e o Pac�fico fechassem (Cr�dito: Davies et al) (foto: Davies et al)

Depois que Duarte publicou sua proposta sobre a Aurica, ele se perguntou sobre outros cen�rios futuros. Afinal, a sua n�o era a �nica trajet�ria de supercontinente que os ge�logos haviam proposto.

Ele come�ou ent�o a conversar com o ocean�grafo Matthias Green, da Universidade de Bangor, no Pa�s de Gales. Os dois perceberam que precisavam de algu�m com habilidades computacionais para criar modelos digitais.

"Essa pessoa tinha que ser algu�m um pouco especial, que n�o se importasse de estudar algo que nunca aconteceria em escalas de tempo humanas", explica.

Acabou sendo sua colega Hannah Davies, outra ge�loga da Universidade de Lisboa.

"Meu trabalho consistia em transformar desenhos e ilustra��es de ge�logos do passado em algo quantitativo, georreferenciado e em formato digitalizado", diz Davies.

A ideia era criar modelos que outros cientistas pudessem desenvolver e aperfei�oar.

Mas n�o foi simples. "O que nos deixava nervosos � que � um tema incrivelmente blue sky (em que as aplica��es do "mundo real" n�o s�o imediatamente aparentes). N�o � o mesmo que um artigo cient�fico comum", afirma Davies.

"Quer�amos dizer: 'Ok, entendemos muito sobre as placas tect�nicas depois de 40 ou 50 anos (de pesquisas cient�ficas). E entendemos muito sobre a din�mica do manto e todos os outros componentes do sistema. At� onde podemos levar esse conhecimento para o futuro?'"

Isso levou a quatro cen�rios. Al�m de delinear uma imagem mais detalhada da Aurica, eles exploraram tr�s outras possibilidades, cada uma delas projetando o futuro cerca de 200 a 250 milh�es de anos a partir de agora.

A primeira foi o que poderia acontecer se o status quo continuar: o Atl�ntico permanece aberto, e o Pac�fico fecha. Nesse cen�rio, o supercontinente que se formar� vai se chamar Novopangeia.

"� o mais simples e mais plaus�vel com base no que entendemos agora", diz Davies.


Novopangeia
A Novopangeia se formar� se a atividade tect�nica conhecida hoje continuar sem surpresas (Cr�dito: Davies et al) (foto: Davies et al)

No entanto, tamb�m pode haver eventos geol�gicos no futuro que levem a arranjos diferentes.

Um exemplo � um processo chamado "ortovers�o", em que o Oceano �rtico se fecha, e o Atl�ntico e o Pac�fico permanecem abertos.

Isso muda as orienta��es dominantes da expans�o tect�nica, e os continentes se movem para o norte, todos dispostos ao redor do Polo Norte, exceto a Ant�rtida.

Neste cen�rio, um supercontinente chamado Am�sia se forma:


Amásia
Se a Am�sia se formar, � porque os continentes se deslocaram para o norte (Cr�dito: Davies et al) (foto: Davies et al)

Finalmente, tamb�m � poss�vel que a expans�o do fundo do mar no Oceano Atl�ntico possa desacelerar. No meio do oceano, h� uma crista gigante que divide duas placas, atravessando a Isl�ndia at� o Oceano Ant�rtico. Aqui, uma nova litosfera est� se formando, como uma esteira rolante.

Se essa expans�o diminuir ou parar, e se uma nova borda de placas de subduc��o se formar ao longo da costa leste das Am�ricas, teremos um supercontinente chamado Pangeia Ultima, que parece um enorme atol:


Pangeia Ultima
A Pangeia Ultima seria cercada por um grande oceano, mas teria um mar no seu interior (Cr�dito: Davies et al) (foto: Cr�dito: Davies et al)

Estes quatro modelos digitais agora significam que os ge�logos t�m uma base para testar outras teorias.

Por exemplo, os cen�rios podem ajudar os cientistas a entender os efeitos de diferentes arranjos supercontinentais nas mar�s, assim como no clima num futuro distante — como seria o clima em um mundo com um enorme oceano e uma massa terrestre gigante?

Para simular o clima de um supercontinente, "n�o d� para usar os modelos do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudan�as Clim�ticas], porque n�o foram feitos para isso", diz Duarte.

"Voc� n�o consegue mudar as vari�veis %u200B%u200Bque precisa mudar (para uma simula��o do tipo)."

As simula��es dos futuros supercontinentes da Terra tamb�m podem servir como um indicador para compreender o clima dos exoplanetas.

"A Terra do futuro � completamente alien�gena", diz Davies. "Se voc� estivesse em �rbita sobre a Aurica, ou a Novopangeia, provavelmente n�o reconheceria como sendo a Terra, mas sim outro planeta com cores semelhantes."

Essa ideia levou o trio a colaborar com Michael Way, f�sico do Instituto Goddard para Estudos Espaciais da Nasa, a ag�ncia espacial americana. Ele e seus colegas se dedicam a estudar climas em mundos alien�genas por meio de simula��es das varia��es do nosso ao longo do tempo.

"N�o temos tantos exemplos de como pode ser um clima temperado. Bem, temos um exemplo para ser honesto: a Terra, mas temos a Terra ao longo do tempo", diz Way.

"Temos os cen�rios do passado, mas ao avan�ar para o futuro e usar estes maravilhosos modelos tect�nicos para o futuro, isso nos d� outra combina��o para adicionar � nossa cole��o."

Voc� precisa desses modelos porque pode ser dif�cil saber o que procurar ao analisar de longe exoplanetas potencialmente habit�veis%u200B.


Planeta
Que tipo de configura��o continental os mundos alien�genas podem ter? (foto: Getty Images)

Idealmente, voc� quer saber se um planeta tem um ciclo de supercontinente, porque a presen�a de vida e placas tect�nicas ativas podem estar entrela�adas. O arranjo continental tamb�m poderia afetar a probabilidade de haver �gua em estado l�quido.

Atrav�s das lentes dos telesc�pios, n�o d� para ver os continentes, e a composi��o atmosf�rica s� pode ser inferida. Assim, modelos de varia��es clim�ticas poderiam revelar algum sinal indireto que os astr�nomos poderiam detectar.

A simula��o de Way dos climas dos supercontinentes — que levou meses usando um supercomputador — revelou algumas varia��es impressionantes entre os quatro cen�rios.

A Am�sia, por exemplo, levaria a um planeta muito mais frio do que o resto. Com a terra concentrada em torno do Polo Norte, e os oceanos menos propensos a transportar correntes quentes para latitudes mais frias, as camadas de gelo se acumulariam.

O clima na Aurica, em contrapartida, seria mais ameno, com o interior seco, mas costas parecidas com as do Brasil de hoje, com mais �gua em estado l�quido.


Paisagem verde
Um planeta com uma configura��o continental diferente teria um outro tipo de clima (foto: Getty Images)

� �til saber tudo isso porque se um exoplaneta semelhante � Terra tem placas tect�nicas, n�o saberemos em que etapa do ciclo do supercontinente se encontra atualmente e, por isso, precisaremos saber o que procurar para inferir sua habitabilidade.

N�o devemos supor que as massas terrestres v�o se dispersar, no meio do ciclo, como as nossas.

Quanto ao futuro do nosso pr�prio planeta, Davies reconhece que os quatro cen�rios de supercontinentes que eles simularam s�o especulativos, e pode haver surpresas geol�gicas imprevistas que mudem o resultado.

"Se eu tivesse uma m�quina do tempo para ver, n�o ficaria surpresa se, em 250 milh�es de anos, o supercontinente n�o se parecesse em nada com nenhum desses cen�rios. H� muitos fatores envolvidos", diz ela.

No entanto, o que se pode dizer com certeza � que as massas terrestres que damos hoje como certas um dia v�o se reorganizar em uma configura��o inteiramente nova.

Pa�ses que outrora estiveram isolados uns dos outros, ser�o vizinhos pr�ximos. E se a Terra ainda abrigar seres inteligentes, eles poder�o viajar entre as antigas ru�nas de Nova York, Pequim, Sydney e Londres sem nunca ver um oceano.

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