
Dentro do mesmo Brasil, um homem em Bento Gon�alves, no Rio Grande do Sul, chega a viver, em m�dia, quase 10 anos a mais do que um em Itabuna, na Bahia. Uma mulher da mesma cidade ga�cha pode viver at� sete anos al�m de uma moradora de Guarapuava, que fica apenas no Estado vizinho, o Paran�.
Normalmente, a expectativa de vida de um pa�s � um indicador usado para dar uma ideia tanto da sa�de de uma popula��o quanto de outros fatores — econ�micos e sociais — que tornam poss�vel que homens e mulheres cheguem a determinada idade.
No entanto, esse par�metro esconde a imensa variabilidade que existe dentro de um mesmo pa�s e de uma regi�o.
� esse o objeto de um estudo publicado na revista Nature Medicine, que analisa a longevidade e as causas de morte em 363 cidades de nove pa�ses na Am�rica Latina, com dados at� 2016.Dentro dos pa�ses, as maiores varia��es de expectativa de vida para mulheres foram observadas no Brasil (6,4 anos) e no Peru (6,6 anos) e, para homens, no Brasil (8,6 anos) e no M�xico (10,4 anos).
As maiores expectativas de vida foram encontradas em Panam�, Chile e Costa Rica (81 a 82 anos para mulheres e 75 a 77 para homens).
Em M�xico, Brasil e Peru, est�o as cidades com as menores expectativas de vida m�dias para mulheres (77 a 78 anos). J� os homens vivem menos, em m�dia, em M�xico, Brasil e El Salvador (71 anos).
Para cada pa�s, no entanto, esse padr�o varia de acordo com as regi�es. No caso do Brasil, a expectativa de vida m�dia aumenta do Norte para o Sul do pa�s.
"Os padr�es que encontramos n�o surpreendem as pessoas que conhecem o Brasil. Mas nos surpreendeu a magnitude da diferen�a. Esper�vamos encontrar alguma diferen�a entre as cidades, mas n�o tanta", disse � BBC News Brasil Usama Bilal, pesquisador da Universidade de Drexel, nos Estados Unidos, e coautor do projeto Sa�de Urbana na Am�rica Latina (Salurbal, na sigla em espanhol).
"Mesmo que as pessoas saibam que existem diferen�as entre regi�es, entender que h� cidades em que as pessoas t�m quase uma d�cada menos de vida � algo poderoso. Se est� na Constitui��o do pa�s que todos t�m direito � sa�de, onde est� esse direito diante de uma diferen�a como esta?", questiona.
Do que as pessoas morrem?
Al�m da expectativa de vida em anos, o grupo de pesquisadores tamb�m se debru�ou sobre as principais causas de morte em cada uma das cidades.
"No Brasil, o padr�o � quase como uma espiral. Come�a com uma propor��o maior de mortes por doen�as transmiss�veis no Norte, depois mais viol�ncia no Nordeste, mais doen�as n�o infecciosas e cardiovasculares no Sudeste e mais c�ncer no Sul. Isso tamb�m segue, de certo modo, os padr�es de n�vel s�cio-econ�mico das regi�es", explica Usama Bilal.
"Claro que aqui estamos falando de mortes totais, n�o estamos falando das causas espec�ficas de tipos de c�ncer, que s�o variadas."
A propor��o de mortes por c�ncer, de acordo com o estudo, � maior no Sul do Brasil, no Chile e nos pampas argentinos. As n�o infecciosas s�o maiores no Sudeste brasileiro e nas regi�es Norte e central do M�xico.
"Para que uma pessoa chegue a morrer de c�ncer, tem que viver mais tempo e n�o ter morrido de outras causas. Parte do que estamos vendo aqui � isso, e � tamb�m por isso que � o padr�o no Sul do Brasil, onde h� melhores indicadores de qualidade de vida e maior expectativa de vida, em geral", afirma o pesquisador.

Os locais onde h� maior propor��o de morte por c�ncer, em geral, s�o tamb�m locais onde a expectativa de vida tamb�m era maior.
No Brasil, Bento Gon�alves (RS), Florian�polis (SC), Brusque (SC) e Birigui (SP), s�o as cidades onde homens e mulheres vivem mais anos.
Em todas elas, as propor��es de morte por c�ncer s�o superiores a 20% e os de doen�as n�o infecciosas — que incluem muitas das cr�nicas, autoimunes e cardiovasculares — s�o superiores a 50%.
O impacto da viol�ncia
Os �ndices de morte por viol�ncia s�o os que tendem a marcar a diferen�a de expectativa de vida entre homens e mulheres.
De um modo geral, diz o pesquisador, cidades com maior propor��o de mortes violentas costumam ter expectativa de vida mais baixa para o sexo masculino.
Nas cidades latinas analisadas, a propor��o de mortes violentas de mostrou mais alta no Norte e no Nordeste do Brasil, na regi�o Sul do M�xico e na Costa do Pac�fico na Col�mbia.
Mesmo que a viol�ncia afete mais os homens, no entanto, as cidades mais violentas tamb�m tendem a ter uma expectativa de vida mais baixa para as mulheres, segundo o estudioso.
A cidade de Parauabebas, no Par�, � um exemplo. Ela tem a quinta menor expectativa de vida para homens (67,3 anos, em m�dia) e a terceira para mulheres (75,9). Seu �ndice de mortes por viol�ncia � um dos maiores do Brasil, quase 19%.
"Sabemos que a viol�ncia tamb�m afeta as mulheres, mesmo que n�o afete tanto quanto aos homens. E ainda h� o fato de que, muitas vezes, os feminic�dios n�o s�o adequadamente registrados. Isso �s vezes torna mais dif�cil compreender o impacto da viol�ncia na vida das mulheres", diz Usama Bilal.

A falta de registro adequado tamb�m pode ajudar a explicar o alto n�mero das chamadas mortes acidentais, ou involunt�rias, em cidades nas montanhas peruanas e nas regi�es Norte e Centro-Oeste do Brasil.
Na categoria, est�o agrupados diversos tipos de eventos, como acidentes de tr�nsitos, quedas, mortes por overdose. Mas tamb�m poss�veis mortes violentas que n�o foram classificadas como tais.
"Um padr�o que observamos em alguns pa�ses � que certas mortes violentas acabam, em alguns lugares, classificadas como acidentes. No Brasil, observamos que as cidades com muitas mortes violentas tamb�m tendem a ter muitas mortes por acidentes. Parauabebas � um exemplo disso", esclarece o pesquisador.
O grupo de pesquisadores disponibilizou todos os dados para download e an�lise, mas ele aconselha a n�o focar, ao menos inicialmente, nas cidades que representam os extremos de cada categoria. Por isso, os gr�ficos desta reportagem comparam cidades consideradas como representativas de cada regi�o.
"Tentamos n�o nos centrar tanto nos extremos por causa do fen�meno da subnotifica��o de mortes, que ocorre em muitos pa�ses e regi�es de cada pa�s. No Brasil, esse problema � bem menor do que em outros, como o Peru, mas ainda existe", diz.
Como usar os dados para gerar mudan�as
O mapeamento de expectativas de vida e causas de morte, por�m, � apenas uma pequena parte do projeto Salurbal.
Os pesquisadores pretendem entender como o acesso a determinados servi�os b�sicos como saneamento, educa��o e moradia impacta a vida dos cidad�os em cada um desses lugares — ao ponto de poder dizer, no futuro, quantos anos cada um desses servi�os adiciona ou subtrai de sua expectativa ao nascer.

At� o momento, o estudo indica que viver em �reas menos aglomeradas, com mais acesso a �gua e saneamento e maior n�vel educacional s�o fatores associados com uma menor propor��o de mortes por doen�as infecciosas, maternais, neonatais e nutricionais, e uma maior propor��o de mortes por c�ncer, doen�as cardiovasculares e n�o infecciosas.
Ou seja, as pessoas com melhores condi��es de vida, em geral, tendem a viver mais e a morrer proporcionalmente mais de doen�as que atingem pessoas mais velhas.
"� importante deixar claro que a composi��o das mortes em regi�es com mais acesso a servi�os est� mais desviada na dire��o do c�ncer e das doen�as n�o infecciosas. E nas onde h� menor acesso a servi�os, est� mais desviada na dire��o das doen�as infecciosas. Mas isso n�o significa que haja mais mortalidade por um ou por outro. Significa que entre quem est� morrendo, a propor��o dos que morrem por essas doen�as � maior", explica o pesquisador.
O estudo continua at� 2023, analisando dados mais recentes e incluindo mais cidades no M�xico e na Nicar�gua.
Tamb�m avaliar� os resultados de interven��es espec�ficas do poder p�blico em cidades como Belo Horizonte, no Brasil, e outras, em outros pa�ses, para melhorar o acesso a servi�os b�sicos em bairros pobres, para saber qual o impacto dessas iniciativas.
"Tamb�m estamos avaliando impactos da contamina��o ambiental, da disponibilidade de transporte e outros. Nossos resultados at� agora mostram que muitos dos fatores que interferem na expectativa de vida s�o modific�veis e poderiam ser suscet�veis a pol�ticas urbanas", afirma.
Atualmente, 55% da popula��o mundial vive atualmente em �reas urbanas, mas esse percentual deve chegar at� cerca de 70% em 2050, segundo a ONU.
Por isso, considera o pesquisador, � cada vez mais importante entender como fazer com que as cidades podem ser saud�veis para as pessoas.
"H� cidades com 1% de morte por viol�ncia e outras com 20%. � uma diferen�a enorme. Precisamos entender por que isso acontece. E dentro de cada cidade tamb�m h� muitas cidades. Dentro do Rio, de S�o Paulo, de Belo Horizonte, h� diferen�as nas expectativas de vida dos cidad�os de cada bairro. O direito � sa�de para todos tamb�m n�o est� sendo cumprido dentro delas."
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