
No meio do caminho entre as constela��es de Delphinus, o golfinho, e Pegasus, o cavalo alado, um catavento imaculado se move pelo espa�o.
Por bilh�es de anos, os "bra�os" em espiral da gal�xia UCG 11700 giraram pacificamente sem serem perturbados por colis�es e fus�es que deformaram outras gal�xias.
- A Terra pode cair em um buraco negro?
- O que s�o os ex�ticos 'buracos de minhoca' de Einstein e Rosen, que poderiam levar a viagens no tempo e no espa�o
No entanto, enquanto a UCG 11700 gira harmoniosamente no espa�o, algo monstruoso se esconde em seu centro.
Embora a massa dos buracos negros padr�o seja cerca de quatro vezes a do nosso Sol, seus parentes gigantescos s�o milh�es e, �s vezes, bilh�es de vezes mais massivos.
Os cientistas acreditam que quase todas as grandes gal�xias t�m um buraco negro supermassivo em seu cora��o, embora ningu�m saiba como eles chegaram l�.
� neste sentido que a gal�xia UCG 11700 pode ser �til.
"As gal�xias ideais para o meu estudo s�o as espirais mais bonitas e perfeitas que voc� pode imaginar", diz Becky Smethurst, pesquisadora j�nior da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que estuda buracos negros supermassivos.
"As gal�xias mais bonitas s�o aquelas que podem nos ajudar a desvendar o mist�rio de como estes buracos negros crescem", acrescenta.

Estudar algo que por sua natureza � t�o denso que nem sequer a luz consegue escapar do seu centro, dificulta o aprendizado.
Mas novas t�cnicas que analisam os efeitos que os buracos negros supermassivos t�m sobre os objetos interestelares ao seu redor — e at� mesmo as ondula��es que criam no tecido espa�o-tempo — est�o fornecendo novas pistas.
H� um pequeno segredo sobre o qu�o convencional, se podemos chamar assim, � a maneira como um buraco negro aparece e cresce.
Uma estrela moribunda fica sem combust�vel, explode em uma supernova, colapsa sobre si mesma e se torna t�o densa que nem sequer a luz consegue escapar de sua intensa gravidade.
A ideia de buracos negros existe h� um s�culo e foi prevista pela Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein.
Na cultura popular, os buracos negros s�o perfeitamente escuros e est�o infinitamente famintos.
Eles atravessam o universo absorvendo tudo que encontram pela frente, se tornando maiores e mais vorazes � medida que fazem isso.
Uma vez resolvido o mist�rio, pode-se pensar: buracos negros supermassivos s�o simplesmente os mais famintos e mais antigos do tipo.
No entanto, os buracos negros n�o correspondem � sua reputa��o monstruosa.
S�o surpreendentemente ineficazes na acre��o (termo cient�fico para "absor��o") do material circundante, mesmo em um n�cleo gal�ctico denso.

Na verdade, estrelas colapsadas crescem t�o lentamente que n�o poderiam se tornar supermassivas simplesmente absorvendo material novo.
"Suponhamos que as primeiras estrelas formaram buracos negros cerca de 200 milh�es de anos ap�s o Big Bang", diz Smethurst.
"Depois que colapsaram, tiveram cerca de 13,5 bilh�es de anos para fazer seu buraco negro crescer at� bilh�es de vezes a massa do Sol. � um tempo demasiado curto para torn�-lo t�o grande apenas com a absor��o de material", acrescenta.
Ainda mais intrigante � saber que buracos negros supermassivos j� existiam quando o universo ainda estava em sua relativa inf�ncia.
Os quasares distantes, alguns dos objetos mais brilhantes no c�u noturno, s�o na verdade antigos buracos negros supermassivos que incendiaram os n�cleos de gal�xias moribundas.
Alguns desses gigantes existem pelo menos desde que o universo tinha apenas 670 milh�es de anos, numa �poca em que estavam se formando algumas das gal�xias conhecidas mais antigas.
Enquanto o cora��o de um buraco negro permanece desconhecido para observadores externos, os buracos negros supermassivos podem brilhar mais forte do que uma gal�xia inteira de estrelas — e podem at� "arrotar" radia��o ultravioleta enquanto consomem material ao seu redor.

Os buracos negros possuem uma fronteira esf�rica, conhecida como "horizonte de eventos". Dentro desta esfera, a luz, a energia e a mat�ria est�o inevitavelmente presas.
O espa�o e o tempo se dobram sobre si mesmos, e as leis das f�sica que descrevem como funciona a maior parte do nosso universo n�o podem ser aplicadas.
Mas, fora do horizonte de eventos, um buraco negro girat�rio pode transformar o material pr�ximo em um disco girat�rio superaquecido.
Atingindo temperaturas superiores a 10 milh�es de °C, o disco de acre��o em um quasar libera radia��o de brilho ofuscante em todo o espectro eletromagn�tico.
"Os buracos negros s�o os motores mais eficazes e eficientes do universo", diz Marta Volonteri, pesquisadora de buracos negros do Instituto de Astrof�sica de Paris, na Fran�a.
"Eles transformam massa em energia com uma efici�ncia de at� 40%. Se voc� pensar em qualquer coisa que queimamos com carbono, ou energia qu�mica, ou at� mesmo o que acontece nas estrelas, � apenas uma pequena fra��o do que produz um buraco negro".
Os buracos negros supermassivos despertam o interesse dos cientistas n�o apenas por sua efici�ncia energ�tica. Sua forma��o e evolu��o est�o claramente conectadas com o desenvolvimento das gal�xias e, de uma forma mais ampla, com a hist�ria e estrutura de todo o nosso universo.
Resolver o mist�rio desses gigantes c�smicos representaria um passo significativo no esfor�o cont�nuo dos cientistas para entender por que as coisas s�o como s�o.
A libera��o de energia � uma das muitas maneiras pelas quais os buracos negros revelam seus segredos.

Quando os buracos negros se fundem ou colidem com objetos ligeiramente menos densos, como estrelas de n�utrons, os eventos criam ondula��es no espa�o-tempo, chamadas ondas gravitacionais.
Estas ondas se movem pelo cosmos na velocidade da luz e foram detectadas pela primeira vez na Terra em 2015.
Desde ent�o, grandes centros como o Observat�rio de Ondas Gravitacionais por Interferometria a Laser (Ligo, na sigla em ingl�s), nos Estados Unidos, e o observat�rio Virgo, perto de Pisa, na It�lia, t�m compilado as ondas geradas por essas colis�es.
Mas embora esses observat�rios usem instrumentos que medem v�rios quil�metros de extens�o, eles s� conseguem detectar ondas de buracos negros de tamanhos relativamente modestos.
"O Ligo detectou fus�es de at� cerca de apenas 150 massas solares", diz Nadine Neumayer, que lidera o grupo de pesquisa Galactic Nuclei do Instituto Max Planck de Astronomia, na Alemanha.
"H� uma lacuna nos dados sobre o que a gente chama de 'buracos negros de massa intermedi�ria', de umas 10 mil massas solares mais ou menos. E essas, na verdade, poderiam ser as sementes dos buracos negros supermassivos."
A especialista sugere que buracos negros de massa intermedi�ria podem ter se formado no universo muito cedo, a partir do colapso de nuvens de g�s gigantes ou colis�es descontroladas de estrelas.
No ambiente ex�guo do universo jovem, as sucessivas colis�es entre esses buracos negros de tamanho m�dio, combinadas com um r�pido ac�mulo de material circundante, poderiam ter acelerado seu crescimento at� escalas supermassivas.
Ainda assim, a teoria da semente do buraco negro de massa intermedi�ria tem problemas. O pequeno universo incipiente tamb�m era muito quente.

As nuvens de g�s teriam sido banhadas em radia��o, possivelmente dando a elas muita energia para colapsar sobre si mesmas.
Mesmo em um cosmos denso, as leis da f�sica tamb�m limitam a velocidade m�xima na qual os buracos negros podem absorver mat�ria.
Volonteri diz que qualquer explica��o atual para buracos negros supermassivos tem "gargalos e inconvenientes" que impedem os cientistas de chegar a uma resposta definitiva.
"As teorias que envolvem o que chamamos de 'processos din�micos', o que significa que um buraco negro se forma a partir de muitas, muitas estrelas em vez de apenas uma, s�o poss�veis, mas esses processos devem acontecer sob condi��es muito espec�ficas", explica.
"H� tamb�m teorias sobre 'buracos negros primordiais', que poderiam ter existido e come�ado a crescer antes das estrelas. Mas este � um territ�rio completamente desconhecido. N�o temos nenhuma evid�ncia observacional para provar esse princ�pio", acrescenta.
Volonteri diz que � fascinada pela f�sica dos processos din�micos, mas reconhece que � muito dif�cil para a teoria prever com credibilidade algo que cres�a mais do que cerca de 1 mil massas solares.
"Quando voc� leva em considera��o os quasares que j� tinham um bilh�o de massas solares quando o universo tinha um bilh�o de anos, � muito dif�cil chegar a esses n�meros", afirma.
Ela acredita que a verdadeira hist�ria de como os buracos negros supermassivos surgiram ainda n�o foi contada.
"Quanto mais investigamos, mais descobrimos que existem problemas que ach�vamos que hav�amos entendido. Est� faltando algo fundamental", sugere.
A gera��o atual de instrumentos de observa��o come�ou a preencher as lacunas. O Virgo, o Ligo e observat�rios semelhantes est�o fornecendo "informa��es demogr�ficas" cada vez mais profundas sobre o tamanho, a idade e a localiza��o da popula��o de buracos negros do Universo.
Mas para completar os dados sobre buracos negros supermassivos, os pesquisadores v�o precisar de detectores ainda maiores.
Na d�cada de 2030, a Nasa e a Ag�ncia Espacial Europeia (ESA, na sigla em ingl�s) v�o lan�ar a ambiciosa Antena Espacial de Interferometria a Laser (LISA, na sigla em ingl�s), composta por tr�s sat�lites voando em um tri�ngulo com lados de 2,5 milh�es de quil�metros de comprimento.

Esse detector funcionar� com princ�pios semelhantes aos do Ligo e Virgo, mas sua enorme escala permitir� que detecte ondas gravitacionais de buracos negros muito grandes, al�m do alcance da tecnologia existente.
Mas h� outras maneiras mais diretas de ver os buracos negros.
O telesc�pio Event Horizons capturou recentemente as primeiras imagens de buracos negros, tirando esses objetos misteriosos das sombras e revelando mais sobre sua natureza e os efeitos de sua gravidade e magnetismo nas gal�xias que habitam.
Os astrof�sicos tamb�m podem rastrear o movimento das estrelas em �rbitas pr�ximas ao redor dos buracos negros no n�cleo gal�ctico, extrapolando informa��es sobre objetos massivos em seu centro.
A maioria das observa��es desse tipo � baseada em telesc�pios terrestres que usam uma tecnologia chamada "�ptica adaptativa".
Os observadores analisam uma estrela brilhante (ou um raio laser gerado por humanos) para medir as distor��es atmosf�ricas que, de outra forma, reduziriam a qualidade da imagem.
Os sinais controlados por computador corrigem estas distor��es fazendo pequenos ajustes na forma f�sica do espelho do telesc�pio.
O resultado s�o observa��es precisas do cora��o de gal�xias a bilh�es de anos-luz de dist�ncia e uma grande quantidade de dados sobre seus buracos negros supermassivos.
Neumayer foi uma das primeiras cientistas a usar �ptica adaptativa para estudar os n�cleos gal�cticos.
"� simplesmente incr�vel que voc� possa ter uma resolu��o melhor da Terra do que a partir do Telesc�pio Espacial Hubble", diz ela.
"Trabalhei na medi��o de massas espec�ficas de buracos negros. H� uma correla��o forte: quanto mais massa uma gal�xia tem, mais massivo � seu buraco negro supermassivo central."
Apesar desta correla��o, n�o h� evid�ncias claras de que gal�xias massivas criem buracos negros massivos ou vice-versa. Eles est�o conectados, mas a natureza dessa conex�o permanece sendo um mist�rio.
Parte da explica��o pode envolver colis�es entre gal�xias.
A maioria dos dois trilh�es de gal�xias observ�veis %u200B%u200Bno universo est� se afastando uma da outra, mas muitas colis�es acontecem, gerando oportunidades para dois buracos negros centrais muito grandes se fundirem em algo ainda maior.

Alguns cientistas acreditam que esta pode ser a forma como os buracos negros supermassivos realmente monstruosos se formam.
Quando buracos negros estelares comparativamente pequenos colidem, eles liberam enormes quantidades de energia por uma fra��o de segundo, produzindo um clar�o t�o brilhante que ofusca brevemente tudo que est� no c�u.
Um evento semelhante envolvendo buracos negros supermassivos seria um dos eventos mais catacl�smicos que poderia ser detectado no c�u noturno.
No entanto, embora os cientistas suspeitem que as fus�es de buracos negros supermassivos ocorram, elas podem ser menos comuns devido a outro aspecto problem�tico da din�mica dos buracos negros.
Os buracos negros em trajet�ria de colis�o giram em torno uns dos outros com mais velocidade � medida que se aproximam. Mas buracos negros muito grandes alcan�am um ponto a cerca de um parsec (3,26 anos-luz) de dist�ncia, em que sua velocidade orbital come�a a equilibrar a atra��o gravitacional.
A degrada��o de suas �rbitas ocorreria t�o lentamente que a fus�o em si n�o aconteceria na idade atual do universo.
No entanto, os f�sicos acreditam que essas fus�es realmente acontecem, o que requer novas teorias de como superar o chamado "problema parsec final".
� necess�rio algum tipo de for�a ou energia adicional para juntar os buracos negros em �rbita.
O universo est� repleto de gal�xias que acredita-se terem sido formadas por fus�es, incluindo nossa pr�pria Via L�ctea, o que sugere que isso acontece.
Quando as gal�xias colidem, sua estrutura espiral original � destru�da � medida que estrelas, nuvens de g�s, mat�ria escura e buracos negros interagem. At� mesmo um atrito entre gal�xias pode desestabilizar suas estruturas, tornando-as f�ceis de detectar.
Mas isso significa que buracos negros supermassivos encontrados no centro de gal�xias catavento imaculadas, como a UCG11700, n�o podem ser explicados em termos de colis�es. Suas estruturas sugerem que nunca se aproximaram de outra gal�xia.
"Seleciono gal�xias muito raras que estiveram sozinhas por toda a sua exist�ncia, que estiveram muito, muito isoladas no universo", diz Becky Smethurst.
"Com elas, podemos ter certeza de que o buraco negro em seu centro nunca cresceu ao se fundir com outra coisa."
Isso significa que devem ter se formado de outra maneira.

Smethurst trabalha retroativamente para determinar qu�o grandes esses buracos negros devem ter sido no in�cio para atingir seu tamanho atual.
Seus melhores modelos indicam que um buraco negro que se formou no in�cio do universo de entre 1 mil e 10 mil massas solares pode ser suficiente — n�meros que se enquadram nas teorias de Neymayer de buracos negros "sementes" de tamanho intermedi�rio.
Mas esses buracos negros provavelmente n�o s�o provenientes de estrelas em colapso.
Os astrof�sicos tamb�m est�o analisando a possibilidade de que os buracos negros supermassivos se formem diretamente da mat�ria escura, o misterioso material que mant�m as gal�xias unidas.
Mas a mat�ria escura, um tipo te�rico de part�cula que interage com a gravidade, mas � invis�vel � luz e ao eletromagnetismo, � por si s� muito mal compreendida.
A combina��o dos mist�rios dos buracos negros e da mat�ria escura apenas torna a f�sica mais complexa.
"Ainda h� muito que n�o sabemos", diz Smethurst.
"Acho que seria arrogante da nossa parte concluir que a �nica maneira de formar um buraco negro � por meio de uma supernova, porque n�o sabemos disso com certeza."
"Talvez a explica��o seja algo completamente impens�vel at� agora. Aguardo ansiosamente o dia em que o universo nos surpreender� com a resposta. Acho que ser� um grande dia para a ci�ncia. "
Instrumentos de observa��o mais avan�ados est�o a caminho.
Neste ano, a Nasa planeja lan�ar o Telesc�pio Espacial James Webb (embora exista atualmente uma campanha para mudar o nome do instrumento devido �s pol�ticas homof�bicas impostas pelo diretor de mesmo nome da Nasa), cujo tamanho e capacidade sensorial sem precedentes o tornar�o uma valiosa ferramenta na pesquisa de buracos negros supermassivos.
A miss�o Lisa, quando lan�ada, tamb�m proporcionar� aos cientistas novas maneiras de observar buracos negros supermassivos por meio de suas ondas gravitacionais.

Outros cientistas est�o criando mapas cada vez mais detalhados dos lugares, movimentos, formas e tamanhos de milh�es de gal�xias, alimentando as pesquisas tanto de observadores quanto de te�ricos.
"O ritmo de trabalho � simplesmente fenomenal", afirma Smethurst.
"Temos o equivalente a 100 anos de pesquisas sobre buracos negros. Mas em compara��o aos 14 bilh�es de anos que o universo existe, n�o � suficiente para resolver todos os mist�rios. Me proponho a responder uma pergunta e termino com mais cinco . E tudo bem".
Neumayer concorda com Smethurst que as descobertas mais fascinantes sobre buracos negros provavelmente ter�o a ver com perguntas que ningu�m fez.
"Tem sido um s�culo incr�vel de desenvolvimentos t�cnicos que tornaram essas descobertas poss�veis", diz a cientista.
"Conhecemos muitos problemas que queremos resolver. Mas tamb�m veremos coisas novas que nem sequer podemos imaginar. E acho isso incr�vel."
- Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.
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