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Por que somos 'programados' a cooperar - mas isso nem sempre funciona

Pesquisadora brit�nica explica, em livro, as origens e 'superpoderes' da coopera��o humana, mas ressalta tamb�m como tem sido dif�cil usar essa capacidade evolutiva para superar a pandemia ou as mudan�as clim�ticas.


30/09/2021 06:33 - atualizado 30/09/2021 08:01


Cooperação é nosso 'superpoder' humano, argumenta autora
Coopera��o � nosso 'superpoder' humano, argumenta autora (foto: Getty Images)

A coopera��o � tanto o "superpoder" da ra�a humana e o motivo pelo qual evolu�mos como esp�cie, quanto nossa fragilidade - seja quando cooperamos de um jeito ruim, por exemplo por meios corruptos, seja pela nossa dificuldade em coordenar a resposta a problemas globais, como a pandemia ou as mudan�as clim�ticas.

Como, ent�o, podemos estimular a "boa" coopera��o entre as pessoas e as sociedades, de forma a superar desafios que temos em comum?

Essa pergunta � uma das que permeiam o trabalho da psic�loga brit�nica Nichola Raihani, professora de evolu��o e comportamento na prestigiosa Universidade College London, no Reino Unido, e autora do livro rec�m-lan�ado The Social Instinct - How Cooperation Shaped the World (O instinto social - como a coopera��o moldou o mundo, ainda sem tradu��o em portugu�s).

Ela pesquisa a coopera��o desde 2004.

"(Essa) palavra virou sin�nimo de met�foras corporativas insossas, evocando imagens de apertos de m�o e trabalho em equipe animado. Mas a coopera��o � muito mais do que isso: est� costurada no tecido das nossas vidas, das atividades mais mundanas, como o transporte p�blico para o trabalho, �s nossas conquistas mais extraordin�rias, como os foguetes lan�ados no espa�o", escreve Raihani no livro.

A autora conversou com a BBC News Brasil sobre o poder de coopera��o entre humanos e tamb�m entre outras esp�cies, explicou por que a orienta��o ideol�gica muda nossa percep��o sobre o que � cooperar e por que at� mesmo a corrup��o � uma forma de coopera��o - uma que precisamos inibir constantemente.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista, divididos em t�picos:


Operação anticorrupção do FBI, nos EUA, em 2015; a corrupção também é uma forma de cooperação - mas hiperlocal e em detrimento da sociedade como um todo
Opera��o anticorrup��o do FBI, nos EUA, em 2015; a corrup��o tamb�m � uma forma de coopera��o - mas hiperlocal e em detrimento da sociedade como um todo (foto: Reuters)

O 'superpoder' da coopera��o humana...

O coronav�rus tirou proveito justamente da nossa sociabilidade, comenta Raihani no livro.

"Nossa natureza social nos colocou nesta pandemia, mas tamb�m � nossa �nica forma de sair dela. Para enfrentar o v�rus, precisamos cooperar. Felizmente, isso � algo que fazemos extremamente bem. (...) Coopera��o � o superpoder da nossa esp�cie, o motivo pelo qual n�o apenas sobrevivemos, mas prosperamos em quase todos os habitats da Terra", ela escreve.

"E o que � menos �bvio, a coopera��o � o motivo pelo qual existimos, para come�o de conversa. No n�vel molecular, a coopera��o � onipresente: toda entidade viva � composta de genes cooperando com genomas. Subindo para a evolu��o dos organismos, m�ltiplas c�lulas trabalham juntas para produzir indiv�duos."

...E seus elos fr�geis

No entanto, agrega a pesquisadora � reportagem, outras manifesta��es da coopera��o humana s�o verdadeiros obst�culos � supera��o de problemas sociais.

"N�o costumamos associar palavras como corrup��o, pagamento de propina e nepotismo � coopera��o, mas s�o formas de coopera��o - que envolvem ajudar sua fam�lia, seus amigos (em detrimento da sociedade como um todo). E vimos em v�rios governos, inclusive aqui no Reino Unido, muitos casos desse tipo de coopera��o hiperlocal - ou corrup��o - que prejudicaram muito a busca por solu��es na pandemia", explica Raihani. "Ent�o temos que cooperar na forma correta e na escala correta."


Nichola Raihani pesquisa a cooperação humana desde 2004
Nichola Raihani pesquisa a coopera��o humana desde 2004 (foto: Arquivo pessoal)

No in�cio da pandemia em particular, duas for�as nos puxaram em dire��es contr�rias: de um lado, nossa vontade (ou mesmo necessidade, em alguns casos) em estar perto de familiares ou amigos e, de outro, a import�ncia de nos isolarmos para conter o avan�o do v�rus.

"� muito dif�cil conciliar essas for�as; � algo que nos causa muita ansiedade e confus�o. Por isso, de certo modo � perigoso depender de apelos � natureza do indiv�duo, pedir que 'fa�am a coisa certa' - que foi a abordagem usada no in�cio da pandemia", aponta.

Como, ent�o, estimular o tipo de coopera��o necess�ria para superar desafios como o v�rus? Para Raihani, a sa�da � estabelecer normas claras, al�m de benef�cios pelo "bom" comportamento (e, em certos casos, puni��es para o "mau").

"No campo em que eu trabalho, o da Teoria dos Jogos, estudamos esses dilemas sociais em laborat�rio o tempo todo, usando jogos em que as pessoas interagem, cooperam ou n�o. E uma coisa que vimos estudando o comportamento humano nesses ambientes supercontrolados � que se voc� n�o tem institui��es ou incentivos que tornem a coopera��o atrativa - por exemplo, se voc� n�o tem mecanismos de puni��o ou incentivos para as pessoas ou para suas reputa��es - em geral a coopera��o � muito baixa entre as pessoas."

Mudan�as clim�ticas, o maior desafio da coopera��o

Que li��es podemos tirar disso para as mudan�as clim�ticas, cuja revers�o exige coopera��o em escala gigantesca?

Para Raihani, nossa resposta coletiva � pandemia n�o trouxe muito alento, infelizmente.

"De muitas formas, a pandemia � mais f�cil de se enfrentar. (...) A maioria de n�s est� motivada a evitar a contamina��o, h� um incentivo econ�mico real de enfrentar a doen�a, agora temos uma vacina e sabemos o que temos de fazer para mitigar o avan�o da doen�a. N�o � um problema de gera��es futuras", pontua.


Onda de calor na Europa, no início de setembro;
Onda de calor na Europa, no in�cio de setembro; "a pandemia nos faz sentir um pouco pessimistas em lidar com um dilema social ainda mais dif�cil (como as mudan�as clim�ticas), mas pessoalmente acho que somos capazes. S� n�o sei se o faremos" (foto: Reuters)

"No entanto, o que vimos - e que deve nos servir de alerta, no que diz respeito a como enfrentar as mudan�as clim�ticas - � que a resposta � pandemia foi caracterizada por uma rea��o muitas vezes paroquial e fragmentada em diferentes governos ao redor do mundo, e pelo fracasso em percebermos que estamos todos no mesmo barco, para usar uma frase bastante desgastada, e que somos muito interdependentes - nenhum pa�s sair� (da pandemia) at� que todos saiam."

Sendo assim, ela avalia, "a pandemia nos faz sentir um pouco pessimistas em lidar com um dilema social ainda mais dif�cil, mas pessoalmente acho que somos capazes. S� n�o estou convencida de que o faremos. Mas temos que nos manter esperan�osos, ou ent�o o que fazer?"

O valor da coopera��o em pequena escala

Nesse contexto, diz Raihani, ganha relev�ncia a ideia de "pensar globalmente e agir localmente".

"Um modo efetivo de enfrentar problemas de grande escala � quando grupos de agentes locais trabalham de modo aut�nomo para prover benef�cios globais", ela diz.

Ela cita como exemplo o movimento criado dentro dos EUA ap�s o ex-presidente Donald Trump decidir tirar o pa�s do Acordo Clim�tico de Paris (decis�o revertida pelo sucessor Joe Biden).

Esse movimento, chamado "we are still in" (ainda estamos dentro, em tradu��o livre), acabou agregando cerca de 4 mil l�deres, pol�ticos, acad�micos, empres�rios e investidores se comprometendo a continuar a apoiar medidas de mitiga��o do aquecimento global e de cumprimento das metas estabelecidas em Paris, a despeito da posi��o do governo federal da �poca.

"Essa ideia de que n�o necessariamente precisamos trabalhar em escala global para obter benef�cios globais � importante: h� muito o que indiv�duos podem fazer em grupos locais, iniciativas comunit�rias, em pequena escala, que podem gerar benef�cios globais", explica Raihani.

"� uma mensagem importante, porque se insistirmos que as solu��es vir�o apenas se agirmos todos juntos, a solu��o vai parecer inating�vel, assustadora."

Como a orienta��o pol�tica afeta a coopera��o

Para entendermos a coopera��o, tamb�m precisamos entender que diferentes grupos v�o enxergar suas obriga��es morais de modo distinto entre si.


"No n�vel molecular, a coopera��o � onipresente: toda entidade viva � composta de genes cooperando com genomas. Subindo para a evolu��o dos organismos, m�ltiplas c�lulas trabalham juntas para produzir indiv�duos", escreve Raihani em seu livro (foto: Science Photo Library)

No livro, Raihani fala do conceito de "c�rculo de apre�o moral" (no original em ingl�s, "circle of moral regard").

Pense em si mesmo no centro e nas pessoas pr�ximas a voc� (amigos e familiares) no primeiro c�rculo, mais pr�ximo desse centro. O segundo c�rculo, um pouco mais distante, talvez seja o de seus colegas de trabalho. O c�rculo seguinte pode ser o das pessoas do seu bairro, do seu pa�s, e assim por diante.

"O di�metro desses c�rculos e quem est� inclu�do neles, al�m do seu escopo de obriga��o moral perante essas pessoas - em ajud�-las a avan�ar na vida, por exemplo - varia tanto dentro de um pa�s quanto entre pa�ses", explica Raihani.

"Dentro de pa�ses, isso varia dependendo do espectro pol�tico: conservadores tendem a ter um c�rculo menor do que os liberais, o que significa que tendem a colocar mais �nfase na fam�lia, nos amigos e no dever primordial de ajudar essas pessoas, com (uma sensa��o menor de) dever em ajudar estranhos."

"Tamb�m varia entre pa�ses: certos pa�ses s�o mais individualistas ou coletivistas. Algumas pessoas questionam se essas denomina��es s�o �teis, mas elas nos ajudam a entender a escala em que sentimos obriga��o moral de cooperar."

Por isso, diz ela, � poss�vel tra�ar elos entre o conservadorismo e o nacionalismo, for�as em alta no mundo atualmente, a "um c�rculo de apre�o moral mais encolhido, com mais �nfase nas pessoas pr�ximas e menor preocupa��o com quem est� distante desse c�rculo".

Nossa semelhan�a com as formigas brasileiras

Embora o foco principal da pesquisa de Raihani seja a coopera��o entre humanos, ela diz que se surpreendeu com algumas semelhan�as que temos com outros animais (e n�o apenas chimpanz�s e demais primatas) no que diz respeito a habilidades cooperativas.

Um exemplo citado no livro � o das formigas brasileiras forelius pusillus : enquanto a maioria delas entra no formigueiro para se abrigar, algumas poucas se sacrificam pelo grupo, ficando para fora da col�nia para colocar os gr�os finais de terra que v�o cobrir o abrigo e proteger o formigueiro de invasores.

E, num sacrif�cio final em prol da col�nia, essas formigas restantes morrem distantes do formigueiro, para evitar atrair a aten��o de predadores ao local.


Livro de Raihani aborda como a cooperação virou o 'superpoder' da espécie humana
Livro de Raihani aborda como a coopera��o virou o 'superpoder' da esp�cie humana (foto: Divulga��o)

� um exemplo marcante do instinto social, diz Raihani.

"O interessante para mim � o quanto podemos aprender sobre n�s mesmos como esp�cie profundamente social e cooperativa ao olhar n�o apenas aos primatas, mas a toda a �rvore da vida e ver o que temos em comum com outras esp�cies que t�m vida social."

A coopera��o entre estranhos

Dito isso, a coopera��o humana tem diferenciais marcantes, � claro.

"Somos a �nica esp�cie com uma Capela Sistina, que construiu cidades para milh�es de pessoas que n�o s�o relacionadas entre si e sequer se conhecem, ent�o somos claramente diferentes na escala e na extens�o em que cooperamos", explica a autora.

Primeiro, ela diz, n�s humanos cooperamos dentro de institui��es, com incentivos e puni��es para quem se enquadra ou n�o nas regras sociais.

Em segundo lugar, uma grande diferen�a reside na psicologia humana.

"A formiga que heroicamente se sacrifica pela col�nia, sob a nossa perspectiva, (praticou) um ato de bravura. Mas da perspectiva da formiga, a cogni��o que embasa esse comportamento dificilmente ser� sequer remotamente parecida a isso. Ent�o embora possamos ter comportamentos (cooperativos) parecidos, usamos uma cogni��o completamente diferente para atingi-los, o que em parte nos permitiu escalonar nossa coopera��o em diferentes contextos e diferentes frequ�ncias."

'O Aprendiz' na evolu��o humana


Karim Benzema em partida do Real Madrid; futebol é exemplo da tensão constante entre cooperação e interesse próprio, explica autora
Karim Benzema em partida do Real Madrid; futebol � exemplo da tens�o constante entre coopera��o e interesse pr�prio, explica autora (foto: Reuters)

A raiz disso est�, tamb�m, na coopera��o e na competi��o entre nossos genes, ela argumenta.

Raihani defende ideias similares �s de Richard Dawkins, autor de O Gene Ego�sta (1976), que teoriza como as esp�cies surgem e se diversificam. O t�tulo do livro, diz Raihani, fez muita gente relacionar essa teoria a "algo nefasto, ruim, mal�volo - atributos de pessoas ego�stas. H� um erro (de compreens�o) quanto ao livro, de que apenas genes ego�stas prosperariam e que esses genes s�o encontrados dentro de pessoas ego�stas - e nenhuma dessas coisas � verdadeira".

Ela explica que, na verdade, trata-se do esfor�o de cada gene em ser passado adiante �s gera��es futuras.

"A coopera��o (com outros genes) � a forma de o gene garantir seu interesse pr�prio. Muitas vezes, a coopera��o e o interesse pr�prio s�o a mesma coisa. (...) E sabemos que genes ego�stas est�o em todas as pessoas, desde nas pessoas mais gentis, as Madres Teresas do mundo, at� nos piores exemplares da humanidade. S�o genes ego�stas no sentido de que buscam o interesse pr�prio, porque genes que n�o o buscam simplesmente deixam de estar na nossa composi��o gen�tica."

Quando a coopera��o deixa de fazer sentido para o interesse pr�prio de um determinado gene, ele deixa de cooperar - assim como fazem os indiv�duos dentro de uma sociedade.

Raihani compara essa din�mica ao reality show O Aprendiz - aquele que al�ou Donald Trump � fama mundial nos anos 2000.

No programa, os competidores s�o divididos em duas equipes, as quais competem entre si - e, portanto, os indiv�duos cooperam intra-grupo para vencer os advers�rios. Na equipe perdedora, por�m, um indiv�duo ser� eliminado. Nessa etapa, os membros do grupo deixam de ter interesse em colaborar, e passam a disputar entre si a perman�ncia no programa.

"Uso esse exemplo para ilustrar que certas caracter�sticas podem �s vezes tornar ben�fico que genes, c�lulas ou indiv�duos trabalhem juntos. Mas quando esse contexto benef�cio se acaba, voc� v� a competi��o emergir entre aquele grupo de indiv�duos", analisa Raihani.

"A analogia mostra que a coopera��o � muito sens�vel ao contexto. Se o contexto mudar, a coopera��o pode completamente evaporar. Vemos exemplos disso o tempo todo. Em um jogo de futebol, por exemplo, existe a tens�o real entre colaborar para o grupo vencer e tentar ser a estrela do jogo. E num jogo de crian�as, que n�o entendem esse conceito de passar a bola entre si, elas sempre querem estar com a bola e ser quem vai marcar o gol. (...) Vemos essa tens�o entre coopera��o e interesse pr�prio se desenrolar em muitos cen�rios diferentes, com muitos desdobramentos diferentes."

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