
Surpreendentes, as descobertas sinalizam que h� muito a ser investigado sobre esse tema. Principalmente na �rea comportamental, um campo de estudo ainda recente, segundo a bi�loga Juliana Werneck. "Antes, as an�lises eram focadas no organismo desses animais. Agora, temos um interesse maior em saber por que eles se comportam de determinada forma, e esse � um campo muito amplo, cheio de perguntas", afirma. "Quando falamos que o cachorro se comunica com o seu dono, isso parece �bvio, principalmente para quem vive com esse animal, mas � dif�cil entender os sinais envolvidos entre as esp�cies e como uma influencia a outra."
Ao fim do experimento, constatou-se que 95,7% dos c�es que viviam dentro de casa usaram a altern�ncia de olhar pelo menos uma vez (entre um humano e o pote), enquanto os animais que viviam fora de casa se comunicaram com menor intensidade (80%). J� o �ltimo grupo, cachorros de abrigo, com pouco contato com humanos, interagiram ainda menos (58,8%). "� importante frisar que todos os bichos interagiram, mesmo que em menor grau. Isso mostra que as v�rias experi�ncias de uma vida inteira v�o resultar em comportamentos diferentes", afirma a autora do estudo, publicado na revista Behavioural Processes.
Segundo Juliana Werneck, os resultados refletem uma teoria que tem sido bastante defendida na �rea de comportamento animal: a de que os aspectos herdados (ancestrais) e aprendidos (ambientais) t�m o mesmo peso na forma��o da personalidade dos cachorros. "Eles t�m heran�as evolutivas, mas n�o podemos ignorar a influ�ncia que recebem no meio em que se desenvolvem", enfatiza. A cientista, que faz um doutorado na Universidade de Medicina Veterin�ria de Viena, na Su��a, acredita que os dados do estudo podem auxiliar no conv�vio das duas esp�cies. "� importante entender as caracter�sticas desses animais para aprender a lidar melhor com eles e tamb�m respeit�-los. � preciso ter essa no��o de que influenciamos a forma como eles agem. Com isso, teremos uma rela��o muito melhor", afirma.
Diogo Cesar, zootecnista e pesquisador do Laborat�rio de Etologia e An�lise do Comportamento (LEAC) da Universidade Uniderp, em Mato Grosso do Sul, conta que outros cientistas chegaram a resultados semelhantes observando tamb�m esp�cies diferentes. "Temos estudos que mostram que os lobos, que est�o bem pr�ximos aos cachorros em quest�o de esp�cie, t�m uma maior facilidade em se comunicar conosco. O c�o foi o primeiro animal a ser domesticado pelo homem, e isso foi poss�vel justamente por essa habilidade. N�o � � toa que vivemos juntos por tantos anos em uma boa conviv�ncia", diz.
Outro ponto positivo do estudo, segundo o especialista, � a constata��o de que c�es de abrigo conseguem se comunicar, mesmo em menor grau. "Isso serve at� como um incentivo para quem pensa em adotar um c�o. Esses bichos podem ser ensinados. O fato de apenas passarem mais tempo perto de um tutor, de uma fam�lia, faz com que se adaptem melhor a um novo ambiente", justifica. A aposta de Diogo Cesar � que resultados surpreendentes continuem surgindo. "Estamos com muito mais trabalhos nessa �rea gra�as ao aux�lio da tecnologia. Temos estudos neurol�gicos e gen�ticos, com ferramentas que nos permitem ir al�m e juntar as pe�as desse quebra-cabe�a antigo."
Desatentos
At� a psicologia entra no deciframento desses mist�rios. Pesquisadores suecos descobriram tra�os de TDAH em c�es, o que, segundo eles, sinalizaria que aqueles animais mais agitados e dispersos podem n�o ser apenas malcomportados. Para chegar � conclus�o, os investigadores fizeram a tutores de mais de 11 mil c�es uma s�rie de questionamentos relacionados ao comportamento dos animais, al�m de considerarem idade e sexo. A equipe diz ter encontrado mais semelhan�as com humanos do que esperava. "Descobrimos que a hiperatividade, a impulsividade e a desaten��o eram mais comuns em c�es jovens e machos. Esse mesmo tipo de observa��o, relacionada � idade e ao sexo, tamb�m foi vista em estudos com humanos que tinham TDAH", declara, em comunicado, Jenni Puurunen, pesquisadora da Universidade de Helsinque, na Su�cia, e uma das autoras do estudo, publicado na revista Translational Psychiatry.
Os especialistas adiantam que mais pesquisas precisam ser feitas para analisar a quest�o mais a fundo, abrindo espa�o, por exemplo, para a investiga��o de rela��es entre comportamentos animais e caracter�sticas gen�ticas e, inclusive, para o entendimento mais aprofundado do transtorno em humanos. "As nossas descobertas sugerem que as mesmas regi�es cerebrais e vias neurobiol�gicas regulam a atividade, a impulsividade e a concentra��o em humanos e c�es. Isso refor�a a promessa de que os cachorros s�o uma esp�cie de modelo no estudo do TDAH. Em outras palavras, os resultados podem facilitar a identifica��o e o tratamento da impulsividade e da desaten��o canina, bem como promover a pesquisa do TDAH", explica Sini Sulkama, tamb�m autora do estudo.

Intelig�ncia de superdotados
Ter a intelig�ncia acima da m�dia tamb�m pode ser uma caracter�stica comum a c�es e humanos, segundo um estudo europeu. Cientistas expuseram 40 filhotes e adultos de ra�as distintas a um programa de treinamento intensivo de tr�s meses, com o objetivo de ensin�-los o nome de pelo menos dois brinquedos para c�es. "Inicialmente, levantamos a hip�tese de que fatores de desenvolvimento, como a neuroplasticidade dos filhotes, fariam com que eles aprendessem nomes de objetos em um ritmo mais r�pido, em compara��o com c�es adultos. Por isso, recrutamos esses dois tipos de animais", relata Claudia Fugazza, pesquisadora do Departamento de Etologia da Universidade E�tv�s Lor�nd, em Budapeste, e l�der do estudo, publicado na revista Scientific Reports.
O protocolo de treinamento inclu�a intera��es l�dicas di�rias entre o c�o e o tutor, durante as quais o humano repetia o nome do brinquedo v�rias vezes. Havia tamb�m sess�es semanais com um treinador. "Ficamos surpresos ao descobrir que, apesar do treinamento intensivo, a maioria dos c�es, independentemente da idade, n�o apresentou qualquer evid�ncia de aprendizagem. Mas o que foi ainda mais surpreendente: sete c�es adultos aprenderam entre 11 e 37 nomes de brinquedos novos, um desempenho excepcional", conta a pesquisadora.
Para os cientistas, os resultados sinalizam que, assim como acontece com os humanos, alguns cachorros podem ser superdotados. "Esse � apenas o come�o de uma jornada que nos levar� a entender melhor as ra�zes do talento - ou seja, por que alguns indiv�duos, humanos e outras esp�cies, s�o dotados em determinada �rea", aposta Fugazza. "Mais uma vez, o cachorro, nosso melhor amigo, pode nos ensinar algumas li��es sobre n�s."
Confirma��o dif�cil
Luis Olivio, m�dico veterin�rio comportamental na cl�nica Star Vet, em Bras�lia, avalia que investiga��es que buscam identificar poss�veis dist�rbios e comportamentos fora da normalidade em c�es s�o positivas, mas dif�ceis de serem confirmadas. "No caso do TDAH, � dif�cil dizer o que � um cachorro desatento. Esse tipo de an�lise � mais f�cil de ser feita com humanos. Como vamos dizer que um cachorro tem uma mania? � uma tarefa complicada. Outro ponto a destacar � que o c�rtex pr�-frontal dos humanos, que � afetado no TDAH, � bastante distinto ao dos c�es", justifica. "� necess�ria uma an�lise ainda mais minuciosa para a comprova��o e que tamb�m leve em considera��o o ambiente em que eles vivem, que � outro grande fator de influ�ncia comportamental", complementa.
Segundo o especialista, pesquisas futuras poder�o ajudar a entender melhor o comportamento distinto de determinados cachorros, contribuindo para que os animais vivam melhor. "Esses estudos nos mostram que os c�es s�o seres complexos, assim como n�s. E � sempre importante lembrar disso para lidar com eles da forma correta. Por exemplo, eles precisam seguir uma rotina de exerc�cios e boa alimenta��o, como os humanos", indica. "Entender melhor essas caracter�sticas caninas nos dar� ferramentas que ajudem a aumentar a qualidade de vida desses animais".