
Estruturas cavadas por animais pr�-hist�ricos s�o raras no Hemisf�rio Norte. Quando atingem alguns cent�metros de espessura e poucos metros de extens�o, costumam ser definidas pelos paleont�logos por meio de adjetivos como "mega", "gigante" ou "colossal". Em Novo Hamburgo, munic�pio ga�cho da regi�o do Vale do Rio dos Sinos, por�m, um desses abrigos apresenta 1,20 metro de altura, 1,8 metro de largura e 18 metros de extens�o.
A estrutura fica no interior do parque aqu�tico Ecoparque da Lomba, no bairro de Lomba Grande. O propriet�rio, Siegfried Fischborn, que mant�m o estabelecimento h� 21 anos, ficou intrigado ao ler uma reportagem no jornal NH, de Novo Hamburgo, sobre uma paleotoca identificada no munic�pio vizinho de Taquara, h� cerca de dois anos.
A descoberta parecia-se com o v�o existente em uma rocha do parque, infiltrado por �gua pot�vel. "No final do texto, havia um telefone de pesquisadores para que se informasse sobre a exist�ncia de poss�veis paleotocas", relembra Fischborn � BBC News Brasil.
Dias depois, uma equipe do Projeto Paleotocas, do Instituto de Geoci�ncias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi ao local e confirmou que se tratava de um t�nel escavado por animal pr�-hist�rico.Entre 2008 e 2018, pesquisadores do projeto j� cadastraram mais de mil estruturas desse tipo em todo o Brasil e produziram mais de 80 trabalhos cient�ficos sobre o tema.
Coordenador do projeto, o professor do Instituto de Geoci�ncias Heinrich Theodor Frank explica que paleotocas s�o pouco comuns na Europa e na Am�rica do Norte em raz�o da hist�ria geol�gica daquelas regi�es.
"S�o �reas atingidas por quatro glacia��es em 600 mil anos, que funcionaram como niveladores de terreno. Vest�gios deixados pela fauna extinta foram consumidos pela a��o de agentes naturais, quando n�o pela atividade humana", analisa.
Para design�-los, surgiu em portugu�s o termo "paleotocas", tradu��o livre do ingl�s paleoburrows. Segundo Frank, algumas l�nguas, como o alem�o, n�o disp�em sequer de palavras para definir essas escava��es.
Somente no Rio Grande do Sul, foram cadastradas paleotocas em mais de 20 munic�pios, incluindo Porto Alegre. A capital parece deter a primazia na correta identifica��o de uma dessas estruturas como obra de animais pr�-hist�ricos.
Em 1980, a descoberta de t�neis nas imedia��es da Faculdade de Agronomia da UFRGS, na zona leste da cidade, teve repercuss�o na imprensa local. Ouvidos na �poca, moradores atribu�ram a escava��o a �ndios, jesu�tas, rebeldes farroupilhas do s�culo 19 e at� a extraterrestres.

Oper�rios que trabalhavam numa obra vi�ria nas imedia��es relataram ter caminhado por cerca de 30 metros no v�o da estrutura e que, ao final, a altura chegava a dois metros e o corredor dividia-se em tr�s t�neis, segundo o jornal Folha da Manh�.
Com base nessas informa��es, os pesquisadores da UFRGS estimam que a abertura tinha altura de 80 cent�metros e largura de 1,5 metro.
Ao estudar as paleotocas, os pesquisadores da UFRGS identificaram tr�s padr�es b�sicos de tamanho. A maioria apresenta cerca de 1,3 metro de di�metro. As mais imponentes podem chegar a 2 metros de altura e 4 metros de largura. H�, por�m, um perfil intermedi�rio, de 80 cent�metros de espessura.
Somados, os t�neis no interior dessas estruturas chegam a mais de 40 metros de comprimento, mas os especialistas estimam que a amplitude original provavelmente chegava a 100 metros.
"� comum que essas estruturas sejam identificadas quando h� obras vi�rias que exigem escava��es ou cortes no terreno, especialmente fora dos grandes centros. Para quem tem o olho treinado, � poss�vel descobri-las mesmo quando se passa por acaso, de carro, pelo local", diz Frank.
Foi o que aconteceu em 2018, em uma das �ltimas sa�das de campo da equipe (com a pandemia do novo coronav�rus, a ado��o do home office pela universidade e a falta de financiamento, essas expedi��es tiveram de ser interrompidas).
Em Farroupilha, na serra ga�cha, os pesquisadores visualizaram v�rias paleotocas a mais de 4 metros de altura num pared�o escavado para a constru��o de um pr�dio. Em raz�o da localiza��o, n�o foi poss�vel, por�m, explorar o interior do abrigo.
A Paleontologia classifica essas e outras ocorr�ncias como icnof�sseis, ou seja, marcas e vest�gios deixados por animais e vegetais de outras �pocas geol�gicas em sedimentos e rochas.
Assim como animais hoje existentes, como tatus, corujas e outros, escavam tocas para se proteger de predadores e abrigar filhotes, exemplares da chamada megafauna do Pleistoceno, entre 2,5 milh�es de anos e 11 mil anos, recorriam ao mesmo artif�cio.
Outros exemplos de icnof�sseis incluem pegadas, marcas de garras, fezes fossilizadas (copr�litos) e assim por diante. As paleotocas seriam, assim, os maiores iconof�sseis existentes.
"Nosso conhecimento sobre os animais que produziram essas estruturas avan�ou pouco. Acreditamos que tenham sido feitos por tatus gigantes, que chegavam a 250 quilos de peso", estima Frank.
Mesmo esses animais, no entanto, n�o teriam condi��es de cavar paleotocas com largura entre 2 e 4 metros. Nesses casos, afirma o pesquisador, o mais prov�vel � que tenham sido feitos por pregui�as gigantes que habitavam a Am�rica do Sul. Em muitos abrigos, h� marcas padronizadas nas paredes, produzidas por garras de animais.

Ge�logos, petr�logos (estudiosos de rochas), paleont�logos e arque�logos disponham de in�meros recursos para determinar idade de f�sseis, rochas e restos humanos.
A data��o exata das paleotocas, por�m, � considerada imposs�vel, uma vez que o terreno no qual foram escavadas � composto de rochas muito mais antiga do que esses abrigos.
Admite-se, por�m, que por estarem situadas perto da superf�cie, tenham aparecido h� menos de 500 mil anos.
Na propriedade de 21 hectares do agricultor Gilberto Ari Flach, no munic�pio de Harmonia, a 74 km de Porto Alegre, o que era considerado h� v�rias gera��es como uma gruta foi identificado na d�cada passada como uma paleotoca.
"A toca j� era conhecida no tempo do meu av�", afirma Flach � BBC News Brasil. Situada numa �rea de dif�cil acesso, num matagal, a estrutura est� tomada por �gua pot�vel e n�o corre risco de desaparecer.
"Ningu�m vai at� l�, est� no meio do mato", explica o agricultor, que mant�m dois avi�rios na propriedade.
A quem encontrar estruturas assemelhadas a paleotocas, Frank sugere duas medidas: fotografar o local e informar o Projeto Paleotocas pelo e-mail [email protected].
Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!