
Integrante da quinta gera��o de uma fam�lia de agricultores no estado de Washington, noroeste dos Estados Unidos, Flansburg cuida de sua planta��o de canola para que ela flores�a nas semanas frescas do in�cio do ver�o.
Mas no ano passado, seus campos foram atingidos por um calor de 42°C assim que as flores se abriram.
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"Isso � praticamente in�dito para nossa �rea, ter uma temperatura como esta em junho", diz ele.
Flores amarelas desfaleceram, a reprodu��o parou e muitas sementes que teriam sido prensadas para virar �leo nunca se formaram.
Flansburg produziu cerca de 272kg a 363kg por acre. No ano anterior, sob condi��es clim�ticas ideais, a produ��o foi de 1.225 kg por acre.
V�rios fatores provavelmente contribu�ram para esta colheita reduzida — o calor e a seca persistiram ao longo da esta��o de crescimento.
Mas um ponto est� se tornando alarmantemente claro para os cientistas: o calor � um assassino do p�len.
Mesmo com �gua adequada, o calor pode danificar o p�len e impedir a fecunda��o na canola e em muitas outras culturas, incluindo milho, amendoim e arroz.
Por essa raz�o, muitos agricultores almejam que as planta��es flores�am antes que a temperatura suba.
Mas, � medida que as mudan�as clim�ticas aumentam o n�mero de dias em que as temperaturas passam de 32 °C em regi�es ao redor do mundo, e v�rios dias prolongados de calor extremo se tornam mais comuns, conseguir acertar o momento ideal pode se tornar um desafio, se n�o imposs�vel.

Diante de um futuro mais quente, os pesquisadores est�o buscando maneiras de ajudar o p�len a vencer o calor.
Eles est�o descobrindo genes que podem levar a variedades mais tolerantes a altas temperaturas e criando cultivares (novas ra�as) capazes de sobreviver ao inverno e florescer antes do calor vir � tona.
Os cientistas est�o sondando os limites precisos do p�len e at� mesmo colhendo p�len em larga escala para pulverizar diretamente as planta��es quando o clima melhorar.
O que est� em jogo � grande parte da nossa alimenta��o. Cada semente, gr�o e fruta que comemos � um produto direto da poliniza��o, explica a bioqu�mica Gloria Muday, da Wake Forest University, na Carolina do Norte, nos EUA.
"O par�metro cr�tico � a temperatura m�xima durante a reprodu��o", diz ela.
A cria��o das sementes come�a quando um gr�o de p�len deixa a antera do �rg�o reprodutor masculino de uma planta (o estame), pousa no estigma pegajoso de um �rg�o reprodutor feminino (o pistilo), e o tubo pol�nico come�a a crescer.
Esse tubo � formado por uma �nica c�lula que cresce por meio do estigma e desce por uma esp�cie de haste chamada estilete at� chegar ao ov�rio, onde entrega o material gen�tico do gr�o de p�len.
O desenvolvimento do tubo pol�nico � um dos exemplos mais r�pidos de crescimento celular no mundo das plantas, diz Mark Westgate, professor em�rito de agronomia da Universidade Estadual de Iowa, nos EUA.
"Ele cresce at� um cent�metro (0,4 polegadas) por hora, o que � incrivelmente r�pido", afirma.

Crescer neste ritmo requer energia. Mas em temperaturas a partir de cerca de 32 °C para muitas planta��es, as prote�nas que alimentam o metabolismo de um gr�o de p�len come�am a se decompor, explica Westgate.
Na verdade, o calor dificulta n�o apenas o crescimento do tubo pol�nico, mas tamb�m outros est�gios do desenvolvimento do p�len.
Resultado: o gr�o de p�len pode nunca se formar, ou pode estourar, n�o ser capaz de produzir um tubo ou produzir um tubo que exploda.
Nem todas as cultivares s�o igualmente suscet�veis ao calor. Na verdade, os pesquisadores ainda est�o tentando entender os mecanismos moleculares que permitem que o p�len de algumas sobreviva, enquanto o p�len de outras morre.
Por exemplo, a fertiliza��o � notoriamente sens�vel ao calor em muitas cultivares de tomate — cultura que em 2021 cobria 1.109 km² de campos abertos apenas nos EUA.
Se o tempo ficar muito quente, diz Randall Patterson, presidente da Associa��o de Produtores de Tomate da Carolina do Norte, "o p�len vai queimar".
Patterson programa suas planta��es de tomate para florescerem durante o per�odo mais prolongado de noites abaixo de 21°C e dias abaixo de 32°C.
Normalmente, ele tem uma janela de tr�s a cinco semanas na qual o clima coopera para cada uma de suas duas esta��es anuais de crescimento.
"Se ficar mais quente, e se tivermos mais noites acima de 21°C, vai fechar nossa janela", alerta.
Muday estuda o p�len da muta��o de um tomateiro que pode conter pistas para manter essa janela aberta.
Em 2018, sua equipe anunciou que os antioxidantes conhecidos como flavon�is desempenham um papel importante na supress�o de mol�culas altamente reativas contendo oxig�nio, chamadas esp�cies reativas de oxig�nio (ROS, na sigla em ingl�s), que de outra forma aumentariam para n�veis destrutivos em altas temperaturas.
Muday agora faz parte de uma equipe de v�rias universidades com o objetivo de descobrir os mecanismos moleculares e os genes subjacentes que podem ajudar o p�len do tomate a resistir a uma onda de calor.
A expectativa � que os criadores possam incorporar estes genes em tomates novos e mais resilientes.
As descobertas do estudo inicial j� ajudaram Muday a desenvolver um tomate que produz n�veis especialmente altos de flavon�is.
"Eles parecem ser muito bons em lidar com o estresse da alta temperatura", diz ela.
Em �ltima an�lise, Muday espera que eles descubram que a trajet�ria do calor at� a morte do p�len envolva muitos fatores al�m dos flavon�is e ROS — e haja ent�o potencialmente muitos alvos para melhorias.
Enquanto isso, criadores de tomates e outras culturas j� est�o trabalhando para desenvolver cultivares que possam lidar melhor com o calor.
"Se os agricultores no noroeste do Pac�fico ou nos estados montanhosos ou nas plan�cies altas v�o plantar ervilhas, e o clima vai ser mais quente, ent�o temos que ter ervilhas com mais toler�ncia ao calor", diz a geneticista de plantas e criadora de pulses (leguminosas secas) Rebecca McGee, do Servi�o de Pesquisa Agr�cola do Departamento de Agricultura dos EUA, em Pullman, Washington.
As planta��es de pulse — assim chamadas por causa do termo em latim "puls", que significa algo como sopa grossa — incluem feij�es, ervilhas, lentilhas e gr�os-de-bico secos. Estas plantas n�o requerem muita umidade.
Mas se as temperaturas ficarem muito quentes, o p�len aborta, diz Todd Scholz, vice-presidente de pesquisa do USA Dry Pea & Lentil Council.
A mesma onda de calor que atingiu a safra de Flansburg no ano passado dizimou as planta��es de pulse. As colheitas de lentilhas e ervilhas secas ca�ram para cerca de metade da produ��o m�dia, enquanto as de gr�o-de-bico reduziram mais de 60%.
McGee est� melhorando geneticamente algumas de suas ervilhas e lentilhas para serem mais resilientes a altas temperaturas.
Mas em outros projetos, ela est� adotando uma abordagem diferente e um tanto contraintuitiva: melhorar culturas para que possam suportar o frio.
No norte dos EUA, os produtores normalmente plantam pulse na primavera.
McGee est� melhorando ervilhas, lentilhas e gr�os-de-bico para serem semeados no outono.
A ideia � que estas cultivares sobrevivam ao inverno e, ent�o, comecem a florescer no in�cio do ver�o — dando a elas uma chance de polinizar com sucesso antes de uma onda de calor.
No ano passado, McGee liberou aos produtores de sementes uma quantidade limitada das tr�s primeiras cultivares de ervilha de qualidade alimentar para serem semeadas no outono na sua regi�o.
E diz que elas florescem cerca de duas semanas mais cedo do que a maioria das ervilhas semeadas na primavera — e com o dobro da produ��o.
� claro que n�o � garantido que estas culturas flores�am antes da alta temperatura chegar, observa McGee, "mas voc� n�o precisa se preocupar tanto".
Na Universidade Estadual de Michigan, tamb�m nos EUA, Jenna Walters est� estudando como a temperatura afeta o p�len — e os polinizadores — em uma planta��o de frutas.
No fim de semana do Memorial Day (feriado americano celebrado na �ltima segunda-feira de maio) de 2018, a temperatura no sudoeste de Michigan permaneceu em 35°C, enquanto as abelhas zumbiam entre cachos de delicadas flores brancas em arbustos de blueberry (mirtilo).
Na hora da colheita, muitos frutos estavam menores do que o normal ou n�o haviam se formado completamente.
Em um estado com uma produ��o m�dia de cerca de 45.359 toneladas de mirtilo por ano, os produtores colheram apenas 29.937 toneladas.

Walters — aluna de doutorado com dupla gradua��o em entomologia e ecologia, evolu��o e comportamento — est� investigando o que deu errado.
Ela come�ou identificando o limite de calor de um gr�o de p�len de mirtilo (blueberry) — expondo o p�len em placas de Petri a uma variedade de temperaturas e monitorando o p�len por 24 horas.
Os resultados, ainda n�o publicados, sugerem que em temperaturas acima de 35°C, o tubo pol�nico do mirtilo n�o cresce.
Walters tamb�m simulou uma onda de calor acentuada, expondo os gr�os de p�len a temperaturas de 37,5°C por quatro horas, e depois baixando a temperatura para 25°C por mais 20 horas.
"Basicamente, n�o tem volta", diz Walters.
"A exposi��o [ao calor] por apenas quatro horas � suficiente para causar danos permanentes".
Ela agora est� confirmando estes resultados em arbustos de mirtilo reais em c�maras de crescimento ajustadas para diferentes temperaturas.
Se as descobertas se confirmarem, diz ela, 35°C pode fazer com que os produtores liguem periodicamente seus sistemas de nebuliza��o para resfriar os campos
Mas eles teriam que levar em contas as contrapartidas.
"Muitos pat�genos s�o espalhados por meio da alta umidade ou da �gua, especialmente durante o per�odo de abertura das flores", afirma.
E enquanto a m�quina de nebuliza��o estiver ligada, a maioria dos polinizadores provavelmente n�o vai visit�-las.
� poss�vel que arbustos de mirtilo superaquecidos tamb�m possam levar a menos polinizadores de mirtilo com o tempo, observa Walters.
Ela e seus colegas est�o comparando o conte�do nutricional do p�len estressado pelo calor e n�o-estressado, procurando diferen�as em prote�nas, carboidratos e outros fatores que podem ser cr�ticos para a sa�de de uma abelha.
Neste ano, ela vai preencher oito gaiolas — de 1,8 m x 3,7 m com paredes de tela — com mais de duas d�zias de arbustos de mirtilo plantados em vasos em cada, al�m de algumas abelhas-azuis f�meas, uma das muitas esp�cies de abelhas que polinizam as flores de mirtilo.
Durante quatro horas por dia, ao longo de quatro ou cinco semanas, ela vai sentar dentro das gaiolas e observar as abelhas botarem ovos e procurarem p�len em arbustos que, em metade das gaiolas, foram expostas ao estresse t�rmico no in�cio da sua flora��o.
A preocupa��o, diz Walters, � que, se o calor estiver destruindo o p�len, o estresse nutricional vai fazer com que as f�meas produzam mais ovos masculinos, que requerem menos p�len para serem produzidos.
Mas os machos das abelhas azuis s�o menos �teis para um produtor de mirtilo, j� que apenas as f�meas polinizam e p�em ovos para dar in�cio � pr�xima gera��o.
Para compensar a perda de p�len, Walters afirma que os produtores podem considerar plantar faixas de flores silvestres que s�o mais tolerantes ao calor e podem fornecer aos polinizadores nutrientes adicionais.
H� tamb�m algumas solu��es tecnol�gicas.
Westgate � o diretor cient�fico da PowerPollen, uma empresa de tecnologia agr�cola com sede em Iowa, nos EUA, focada em melhorar a poliniza��o para produtores de sementes de milho h�bridas — uma cultura na qual o p�len falha em temperaturas acima de 40°C.
Usando um dispositivo de coleta acoplado a um trator, a empresa coleta grandes quantidades de p�len maduro nos campos e armazena os gr�os de p�len vivos em um ambiente controlado.
A PowerPollen volta a aplicar este p�len quando as condi��es clim�ticas favorecem a fertiliza��o — normalmente no m�ximo cinco dias ap�s a coleta.
A janela parece pequena, mas pode permitir que os agricultores evitem um dia especialmente quente.
A empresa est� trabalhando para estender este prazo e aplicar sua tecnologia a outras culturas.
Para alguns, uma solu��o mais simples pode ser mudar completamente as culturas.
"H� pulses que crescem em climas tropicais, ent�o pode ser que voc� escolha uma cultivar diferente", diz Scholz, do Dry Pea and Lentil Council.
Mas algumas pulses que resistem ao calor, ele observa, como favas e feij�o fradinho, requerem mais umidade do que os agricultores de terras �ridas do noroeste do Pac�fico podem fornecer.
Flansburg, em Washington, n�o quer mudar. Ele continua esperan�oso de que os esfor�os de melhoria gen�tica o ajudem a continuar a plantar canola e outras culturas que sua fam�lia cultivou por gera��es.
Ainda assim, ele se preocupa com o futuro.
"Existe um panorama geral de mudan�a clim�tica que teremos que enfrentar e lidar, se quisermos continuar a alimentar as pessoas", diz ele.
"S� que tem um limite para a quantidade de calor que uma planta pode suportar."
* Esta reportagem foi produzida em colabora��o com a Food & Environment Reporting Network, uma organiza��o de not�cias investigativas sem fins lucrativos. Foi publicada originalmente pela Yale e360 e republicada com permiss�o pela BBC Future — leia aqui a vers�o original (em ingl�s).
- Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-62136605
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