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Estado de Minas CI�NCIA

Como nossos ancestrais sobreviveram ao asteroide que matou os dinossauros

H� 66 milh�es de anos, nossos ancestrais distantes viveram talvez o evento mais violento da hist�ria da Terra.


17/08/2022 11:58 - atualizado 17/08/2022 12:36


Ilustração de impacto de asteroide na Terra
(foto: Nasa/Don Davis)

Em meio � escurid�o, �s cinzas e ao calor mortal, um pequeno animal peludo corre pela paisagem infernal deixada para tr�s pelo pior dia para os seres vivos na hist�ria da Terra.

Ele vasculha os destro�os, pega um inseto para comer e volta apressado para seu abrigo. Ao seu redor, est�o os corpos mortos e moribundos dos dinossauros que aterrorizaram os mam�feros por gera��es.

Essas foram as primeiras semanas e meses depois que um asteroide de 10 km de largura colidiu na costa do atual M�xico com a for�a de mais de um bilh�o de bombas nucleares, colocando um fim ao per�odo Cret�ceo de forma espetacular.

No alvorecer da �poca que se seguiu, o Paleoceno, as florestas estavam em chamas, as costas eram sacudidas por tsunamis e grandes quantidades de rocha vaporizada, cinzas e poeira se elevavam por quil�metros na atmosfera.

Mas esse mundo n�o era desprovido de vida. Entre os sobreviventes, estava o primata mais antigo de que se tem conhecimento, o Purgatorius, que parecia um cruzamento entre um musaranho e um pequeno esquilo.

Sua popula��o sem d�vida foi reduzida em meio a essa cat�strofe global, mas a esp�cie sobreviveu.

Assim era a vida dos mam�feros primitivos logo ap�s o asteroide atingir a Terra e extinguir tr�s quartos das esp�cies vivas do planeta.

Apenas a Grande Extin��o, h� 252 milh�es de anos, foi mais mortal (embora menos repentina), ao exterminar 95% da vida nos oceanos e 70% em terra.

O asteroide que acabou com o Cret�ceo levou consigo dinossauros famosos como o Tiranossauro e o Tricer�tops, assim como criaturas menos conhecidas, mas bizarras, como o Anzu (ou "galinha do inferno").

Havia dinossauros com bico de pato, dinossauros de pesco�o comprido, dinossauros com armaduras por todo o corpo — e, rapidamente, todos morreram.

� sombra desses reis e rainhas do Cret�ceo Superior, mam�feros como o Purgatorius eram pequenos e aguerridos, muitos deles pertencendo aos tipos de nichos ecol�gicos hoje ocupados por roedores.

Mas, afinal, como foi que esse grupo diverso de criaturas aparentemente vulner�veis %u200B%u200B— incluindo nossos ancestrais — sobreviveu ao ju�zo final?


Purgatorius
Acredita-se que o Purgatorius, o primata mais antigo de que se tem conhecimento, tenha sido um dos sobreviventes do asteroide (foto: Andrey Atuchin)

� uma pergunta que Steve Brusatte, autor de The Rise and Reign of the Mammals ("Ascens�o e queda dos mam�feros", em tradu��o literal) , e seus colegas da Universidade de Edimburgo, na Esc�cia, t�m trabalhado para responder.

O que Brusatte enfatiza � que o dia em que o asteroide se chocou com a Terra foi um dia muito ruim para qualquer coisa que estivesse viva, incluindo mam�feros, aves (os dinossauros avi�rios) e r�pteis.

"N�o foi um asteroide normal, foi o maior asteroide que atingiu a Terra nos �ltimos meio bilh�o de anos", diz ele.

"Os mam�feros quase seguiram o mesmo caminho dos dinossauros."

Havia muito a perder. J� no Cret�ceo Superior existia uma diversidade surpreendentemente rica de mam�feros, afirma Sarah Shelley, pesquisadora de p�s-doutorado em paleontologia de mam�feros na Universidade de Edimburgo.

"Muitos deles eram essas coisinhas inset�voras que ficavam nas �rvores ou escavando", explica.

Mas nem todos eram comedores de insetos. Havia os misteriosos multituberculados, chamados assim pelos peculiares n�dulos em seus dentes.

"Eles t�m esses dentes em bloco com muitas protuber�ncias, e na frente tinham um dente em forma de l�mina. Parece quase uma serra", diz Shelley.

"Eles costumavam comer frutas, nozes e sementes."

Tamb�m havia carn�voros — um dos maiores da �poca era o Didelphodon, um parente dos marsupiais que pesava cerca de 5kg, quase do tamanho de um gato dom�stico.

"Por seu cr�nio e anatomia dental, tinha uma mordida realmente poderosa, ent�o era definitivamente carn�voro — possivelmente triturava ossos", acrescenta Shelley.

Grande parte dessa diversidade se perdeu com o impacto do asteroide — cerca de nove em cada 10 esp�cies de mam�feros foram extintas, de acordo com Brusatte, o que ofereceu uma oportunidade sem precedentes para os sobreviventes.

"Imagina que voc� � um destes nossos pequenos ancestrais, do tamanho de um rato — uma coisinha mansa escondida nas sombras —, e voc� resiste a esse momento da hist�ria da Terra", diz ele.

"Voc� sai do outro lado e, de repente, os tiranossauros rex sumiram, os dinossauros de pesco�o comprido sumiram, e o mundo se abre."

Essa extin��o em massa preparou o terreno para uma grande profus�o de diversifica��o que acabou dando lugar a baleias-azuis, guepardos, arganazes, ornitorrincos e, claro, n�s, seres humanos.


Vilevolodon
Os mam�feros viviam ao lado dos dinossauros e eram geralmente pequenos, como o vilevolodon (foto: Sarah Shelley)

Primeiro, por�m, h� um pequeno problema: as florestas do mundo haviam sido destru�das por inc�ndios florestais, e o c�u estava cheio de cinzas, o que sufocava a luz do Sol e impedia que as plantas fizessem fotoss�ntese.

Os ecossistemas estavam desmoronando "como castelos de cartas", explica Brusatte.

A superf�cie da Terra estava pronta para se tornar mais quente do que um forno numa montanha-russa viciosa de pulsos de calor e, depois disso, veio um inverno nuclear no qual as temperaturas m�dias cairiam 20°C por mais de 30 anos.

Muitos dos predadores mais perigosos dos mam�feros haviam desaparecido, mas o pr�prio mundo havia se tornado inimaginavelmente hostil � vida.

O que os mam�feros fizeram ent�o?

Fique pequeno

O tamanho modesto do corpo dos mam�feros — anteriormente limitado pela competi��o e preda��o dos dinossauros — se tornou um trunfo para a "fauna do desastre", como s�o conhecidos os sobreviventes do asteroide.

"Esses mam�feros provavelmente eram coisas que pareciam e agiam como um camundongo ou um rato", diz Brusatte.

"Normalmente, eles seriam bastante ignorados, mas agora, neste admir�vel mundo novo, eles estavam proliferando porque se adaptaram muito bem a essas condi��es realmente atemorizantes logo ap�s o impacto".

Ser pequeno pode ter ajudado os animais a repor sua popula��o.

Nos animais modernos, "quanto maior o animal, maior ser� o tempo de gesta��o", explica Ornella Bertrand, pesquisadora de p�s-doutorado em paleontologia de mam�feros da Universidade de Edimburgo.

Por exemplo, a gesta��o dos elefantes-africanos dura 22 meses, enquanto a gravidez de um camundongo leva cerca de 20 dias.

Diante do apocalipse, o rato tem mais chances de manter sua popula��o.

Al�m da gesta��o, um corpo maior costuma levar mais tempo para atingir a maturidade sexual — outra raz�o pela qual os dinossauros n�o foram bem-sucedidos, especialmente os maiores.

"Eles levavam um bom tempo para se tornarem adultos. Para o tiranossauro rex, por exemplo, eram necess�rios cerca de 20 anos", afirma Brusatte.

"N�o � que eles n�o cresciam r�pido, � que muitos deles eram t�o grandes que levavam muito tempo para passar de um pequeno filhote a um adulto."

V� para o subsolo

Outro ind�cio de como os mam�feros sobreviveram �s consequ�ncias do asteroide est� nas formas corporais "muito estranhas" vistas no Paleoceno e mais adiante.

Shelley analisou os ossos do tornozelo (ossos pequenos, duros e densos que se conservam bem) para ver como os mam�feros primitivos do Paleoceno eram parecidos entre si e com os mam�feros vivos hoje.

"Descobrimos que os mam�feros do Paleoceno eram estranhos. Eram diferentes dos mam�feros modernos", diz ela.

"E o que os une � o fato de que eles t�m essas morfologias realmente grossas e robustas".


Periptychus
O Periptychus, que pode estar relacionado a porcos, vacas e ovelhas, fez parte do grupo que viveu ap�s os dinossauros (foto: Sarah Shelley)

Esses mam�feros t�m grandes ligamentos musculares e ossos geralmente fortes — e entre os animais vivos, apresentam maior semelhan�a com as esp�cies terrestres que escavam o solo, segundo Shelley.

"Ent�o, a hip�tese que surgiu disso foi que os animais que sobreviveram � extin��o, sobreviveram sobretudo porque foram capazes de cavar para chegar ao subsolo, sobreviver ao per�odo imediato ao impacto e aos inc�ndios, ao inverno nuclear, e s� se esconder um pouco".

Como os sobreviventes eram — digamos assim — sarados, seus descendentes tamb�m herdaram sua forma corporal robusta.

"Voc� pode encontr�-los nesse per�odo de 10 milh�es de anos durante o Paleoceno", diz Shelley.

"Mesmo sendo um animal que vive em �rvores, eles ainda s�o bem corpulentos".

Se os mam�feros de fato levaram uma vida embaixo da terra, seja cavando por conta pr�pria ou fazendo uso de abrigos subterr�neos de outros, Bertrand suspeita que isso possa se refletir em sua agilidade tamb�m — ou na falta dela.

"Sabemos que houve um colapso da floresta, e ent�o todos aqueles animais que viviam em �rvores n�o tinham mais habitat", afirma.

"Assim, uma das hip�teses seria que havia menos animais capazes de se comportar de forma muito �gil."

Bertrand planeja analisar os ossos do ouvido interno dos mam�feros dessa �poca para ver se respaldam a tese de uma vida subterr�nea ap�s o asteroide.

O ouvido interno � vital para o equil�brio — por isso, se um animal est� adaptado a fazer movimentos �geis e afinados, isso �s vezes se reflete na estrutura desses ossos delicados.

No entanto, se foram escavadores corpulentos, tal agilidade n�o teria sido necess�ria.

"Poderia nos dar mais pistas", diz ela.

Dito isso, Bertrand aponta as desvantagens de confiar demais nos ossos para inferir como um animal se movia, algo que a impressionou enquanto assistia � �ltima edi��o dos Jogos da Commonwealth (Comunidade das Na��es, organiza��o intergovernamental composta por 53 pa�ses membros independentes, em sua grande maioria ex-col�nias brit�nicas).

"Estava vendo as ginastas fazendo coisas malucas e pensei: 'Que curioso, temos o mesmo esqueleto e n�o consigo fazer nada disso'", ri Bertrand.

"Eu pensei, bem, isso � realmente interessante porque talvez ter essa capacidade possa te ajudar a sobreviver, mas pelos ossos voc� n�o saberia."

Coma qualquer coisa

O asteroide destruiu a maioria das plantas vivas, o primeiro elo de muitas cadeias alimentares em terra.

Mam�feros generalistas que tinham a capacidade de variar seus paladares se sa�ram melhor do que aqueles com dietas mais espec�ficas.

"Os animais que conseguiram passar pela extin��o sobreviveram basicamente por n�o serem muito especializados", observa Shelley.

Por exemplo, o Didelphodon (o parente carn�voro do marsupial do tamanho de um gato) ca�ava animais que se tornaram escassos e espa�ados ap�s a extin��o.

"Se especializou demais e perdeu seu nicho", diz Shelley.

"Ao passo que quando se � um animal pequeno, voc� pode adaptar sua dieta e seu estilo de vida mais r�pido. Essa � uma boa maneira de sobreviver � extin��o."

Al�m daqueles que eram capazes de generalizar, havia aqueles com algumas especialidades que teriam dado certo, observa Brusatte.

Em particular, os comedores de sementes tiveram sorte.

"As sementes eram um banco de alimentos que estava dispon�vel para qualquer animal que tivesse a capacidade de com�-las", diz ele.

"Ent�o, se voc� era algo como um tiranossauro rex, voc� estava sem sorte. A evolu��o n�o te deu a capacidade de comer sementes. Mas para as aves com bico e alguns mam�feros que eram comedores especializados de sementes, que golpe de sorte, n�o acha?"

Al�m de sustentar a fauna do desastre, as sementes ajudaram a restabelecer florestas e outras vegeta��es quando o inverno nuclear acabou.

"Essas sementes sobreviveram no solo e depois, quando a luz do Sol voltou, come�aram a crescer", explica Brusatte.

N�o pense demais

� medida que o Paleoceno avan�ava, os ecossistemas se recuperaram e os mam�feros come�aram a preencher os nichos deixados vazios pelos dinossauros n�o-avi�rios.

"Os mam�feros come�aram a se diversificar imediatamente ap�s a extin��o dos dinossauros e come�aram a se tornar bastante diversos de todas as maneiras poss�veis", diz Bertrand.

Por um lado, seus corpos ficaram maiores rapidamente. Mas por um tempo, conforme a equipe de Edimburgo descobriu, o tamanho dos c�rebros dos mam�feros n�o acompanhou o mesmo ritmo.

"Acho isso muito importante, porque podemos pensar que a intelig�ncia � o que nos faz sobreviver e sermos capazes de dominar o planeta", pontua Bertrand.

"Mas, com base nos dados, n�o foram os c�rebros grandes que fizeram os animais sobreviverem ap�s o asteroide".


Hyrachyus e Arctocyon
Grandes herb�voros como o Hyrachyus (� esquerda), e grandes carn�voros como o Arctocyon (� direita), evolu�ram depois que os dinossauros foram extintos (foto: Sarah Shelley)

Na verdade, no in�cio do Paleoceno, os mam�feros com c�rebros grandes em rela��o ao tamanho do corpo podiam estar em desvantagem.

"A quest�o � por que desenvolveriam um c�rebro grande?" diz Bertrand.

"Um c�rebro grande � bastante custoso de manter. Se voc� tem um c�rebro grande, precisa aliment�-lo para poder mant�-lo — se n�o conseguir porque n�o h� comida suficiente, voc� � extinto."

Em vez disso, ficar grande e musculoso foi a adapta��o vantajosa.

O herb�voro Ectoconus (um membro dos Periptychidae, que pode estar relacionado aos mam�feros com cascos vivos, os ungulados) chegou a pesar cerca de 100 kg algumas centenas de milhares de anos ap�s a extin��o.

Em tempo geol�gico, isso � um piscar de olhos.

"� realmente uma loucura que eles tenham ficado t�o grandes e especializados t�o r�pido", diz Shelley.

"E para voc� ver, uma vez que h� herb�voros maiores, surgem carn�voros maiores, e eles come�am a aparecer muito r�pido."

H� muitos outros mam�feros misteriosos que tamb�m aumentaram de tamanho rapidamente.

"Como os taeniodontes — eles ficaram grandes muito r�pido, bem grandes", cita Shelley.

N�o h� esqueletos completos de taeniodontes, mas o cr�nio � do tamanho de uma grande ab�bora, e eles parecem ser uma daquelas esp�cies que se tornaram corpulentas e adaptadas para cavar.

"Eles t�m estes espa�os min�sculos para seus olhinhos brilhantes, dentes enormes na frente, que se assemelham a roedores, mas � s� isso", diz Shelley.

"S�o realmente enigm�ticos."

Segundo ela, essa cole��o de vida mam�fera que se seguiu � fauna do desastre foi menosprezada por muito tempo.

"Foram chamados de arcaicos e primitivos e generalizados — quando, na verdade, s�o apenas diferentes", explica.

"Seus ancestrais sobreviveram � segunda maior extin��o em massa da hist�ria da vida. Eles n�o eram apenas idiotas generalizados que vagavam � toa pela vida. Eles estavam sobrevivendo e prosperando e fazendo isso muito bem."

Em muitos aspectos, esses mam�feros estavam entrando nos vazios ecol�gicos deixados pelos magn�ficos e hiperespecializados dinossauros t�o bem adaptados ao Cret�ceo Superior, mas profundamente mal equipados para lidar com um mundo atingido por asteroides.

"� surpreendente pensar que voc� tinha um grupo como os dinossauros que existiram h� tantas dezenas de milh�es de anos, que fizeram coisas t�o sublimes como evoluir para gigantes do tamanho de avi�es, carn�voros do tamanho de �nibus e todas aquelas coisas — e ent�o tudo isso desmoronou em um instante quando a Terra mudou t�o r�pido", afirma Brusatte.

"Eles eram muito inadequados a essa nova realidade e n�o conseguiam se adaptar."


Asteroide
O asteroide que matou os dinossauros se dirigiu � Terra mais r�pido que uma bala (foto: Nasa/JPL-Caltech)

A arbitrariedade do evento � algo que parece ressoar entre os integrantes da equipe da Universidade de Edimburgo.

"Estamos aqui em grande parte por acaso", diz Bertrand.

"O asteroide poderia n�o ter atingido a Terra, poderia ter ca�do em outra �rea do planeta no oceano, e isso teria feito a diferen�a em termos de quais esp�cies foram selecionadas. A coisa toda, quando penso nisso, � uma loucura."

Brusatte concorda:

"Poderia ter passado zunindo, poderia ter agitado as camadas superiores da atmosfera, poderia ter se desintegrado � medida que se aproximava da Terra. Poderia ter feito qualquer coisa, mas por total acaso, foi direto para a Terra."

Para os mam�feros vivos hoje, talvez tenha sido bom.

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-62560813

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