
Depois de d�cadas no combate a negacionistas do aquecimento global, cientistas est�o voltando suas preocupa��es para o crescimento dos "profetas do apocalipse clim�tico".
Esse novo grupo, chamado em ingl�s de "doomers", est� no lado oposto dos c�ticos da mudan�a do clima que veem seu discurso perdendo for�a diante de evid�ncias como recentes ondas de calor, secas intensas e grandes enchentes, como a chuva dos �ltimos dias no Paquist�o que j� matou mais de 1.100 pessoas.
Parte dos apocal�pticos tem em comum, por�m, a pr�tica de disseminar desinforma��o: em redes sociais como o TikTok, h� desde a falsa mensagem de que "tudo vai acabar em 10 anos" at� a ideia de que "nada mais pode ser feito para salvar o planeta".
O tiktoker norte-americano Charles McBryde, com mais de 160 mil seguidores, disse em um v�deo do final do ano passado que "mais ou menos desde 2019 venho acreditando que h� pouco ou nada que n�s podemos fazer para realmente reverter a mudan�a clim�tica em escala global".
Meses depois, McBryde fez um v�deo mais direcionado � tomada de a��es e � necessidade de pressionar pol�ticos como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro. E falou � unidade de desinforma��o da BBC que n�o se considera mais um "doomer": "Me convenci que podemos sair dessa".
Os desafios para conter o aquecimento global s�o, de fato, gigantescos.
Um dos objetivos mais urgentes � limitar o aumento da temperatura no mundo em 1,5°C (em rela��o a n�veis pr�-revolu��o industrial) at� o ano de 2030, e as a��es atuais de governos e grandes empresas em dire��o a uma economia verde s�o consideradas insuficientes.
Mas o climatologista norte-americano Michael E. Mann teme que a populariza��o da narrativa apocal�ptica se transforme no que ele chama de "inativismo" — ou seja, jogar a toalha enquanto ainda � poss�vel fazer algo.
Em sua vis�o, essa ideia favorece a ind�stria dos combust�veis f�sseis, que quer ganhar tempo e evitar perda de mercado enquanto o mundo faz sua transi��o para uma economia verde.
"Tudo isso reflete uma miopia ego�sta, um benef�cio financeiro de curto prazo para poucos � custa de um sofrimento de longo prazo para todos n�s. � dif�cil encontrar vil�es piores do que negacionistas do clima e aqueles que querem adiar as a��es", diz Mann � BBC News Brasil.
O geof�sico e professor da Universidade da Pensilv�nia � um dos respons�veis por uma pesquisa Do final dos anos 1990 considerada chave no entendimento da influ�ncia humana sobre o aquecimento global.
O estudo cont�m um famoso gr�fico apelidado — pelo seu formato — de "taco de h�quei".
Mann dedica seu livro The New Climate War: The Fight to Take Back Our Planet (em tradu��o livre, A Nova Guerra do Clima: A Luta para Ter de Volta o Nosso Planeta; sem edi��o brasileira) e suas falas p�blicas a combater a cren�a de que tudo est� irremediavelmente perdido.
Por exemplo, ele aponta uma not�cia positiva que afirma n�o ter ganhado destaque suficiente entre o p�blico.
Um relat�rio de 2021 do Painel Intergovernamental sobre Mudan�as Clim�ticas (IPCC, na sigla em ingl�s), da ONU, desbancou uma antiga ideia de que, se interromp�ssemos todas as emiss�es de gases agora, a temperatura global continuaria subindo de qualquer forma por um per�odo de 30 a 40 anos.
O entendimento mudou: os estudos mais recentes mostram que a interrup��o imediata do ac�mulo de carbono na atmosfera teria efeitos positivos j� em um prazo entre 3 e 5 anos. Ou seja, em uma perspectiva de longo prazo, os resultados s�o "imediatos".
Mas Mann lembra que os subs�dios para os combust�veis f�sseis chegam a quase US$ 6 trilh�es (R$ 30 trilh�es),segundo dados do Fundo Monet�rio Internacional (FMI), um montante que representou em 2020 7% do PIB mundial.
E n�o h� solu��es m�gicas. O cientista norte-americano aponta voto e press�o popular como os caminhos para a mudan�a. Afirma que evitar cada 0,1°C de eleva��o na temperatura global j� conta muito.
Cr�tica ao pessimismo
Mann n�o v� apenas na desinforma��o o foco de problemas da vis�o apocal�ptica: critica o pessimismo de pensadores s�rios sobre o tema, que se baseiam em evid�ncias cient�ficas.
Ele cita o jornalista David Wallace-Wells, autor do best-seller A Terra Inabit�vel: Uma Hist�ria do Futuro (Companhia das Letras, 2019).
Na vis�o do climatologista, h� um "fetiche pelo apocalipse clim�tico [climate doom porn, na express�o original]".
O termo faz sentido quando se sabe que h� um canal da TV paga, o WeatherSpy, dedicado a desastres naturais com programas de nome como Contagem Regressiva do Clima Extremo.
"Talvez seja pela mesma raz�o que pessoas andam de montanha-russa, pulam de bungee-jump ou fazem sky-diving — �s vezes, elas s� querem sentir esse frio na espinha. O apocalipse clim�tico d� a elas essa mesma descarga de adrenalina. Estou chamando isso de droga? Acho que sim", escreve Mann em seu livro.
Ele afirma que "n�s precisamos falar tanto sobre o desafio quanto sobre a oportunidade. Sim, n�s j� estamos vendo perigosos impactos da mudan�a clim�tica, e ainda permanece o desafio de reverter o perigoso aquecimento planet�rio adicional. Mas n�s temos a oportunidade de criar um mundo melhor para n�s mesmos, nossos filhos e netos. � essa a nossa luta".
Mercedes Bustamante, professora do Departamento de Ecologia da Universidade de Bras�lia (UnB), diz que "h� preocupa��o da comunidade cient�fica e de institui��es sobre a comunica��o do tema".
A ideia � "fornecer uma vis�o balanceada sobre o desafio que precisamos enfrentar e as solu��es que podemos viabilizar em diferentes escalas de tempo".
Para a professora da UnB, "a perspectiva fatalista, ou seja, de que n�o h� mais espa�o para solu��es, contribui somente para tornar a marcha mais lenta na resolu��o da crise global".
Qual o melhor caminho para chamar a aten��o?
H� discord�ncias dentro da comunidade de cientistas e ativistas do clima sobre qual mensagem � mais eficaz para sair do imobilismo.
Para alguns, ajuda a dar dimens�o da gravidade do problema atual se lembrar que os dados sobre o aquecimento global s�o preocupantes e que os esfor�os para eliminar emiss�es de carbono continuam insuficientes.
Em um famoso discurso, a jovem ativista sueca Greta Thunberg, ent�o com 15 anos de idade, dizia "eu quero que voc� sinta o medo que eu sinto todos os dias e eu quero que voc� aja. Eu quero que voc� se comporte como se a nossa casa estivesse pegando fogo, porque � isso o que est� acontecendo".

Thunberg logo se tornaria um rosto para a ideia de enfrentar com urg�ncia as mudan�as clim�ticas.
Em abril deste ano, cerca de mil cientistas participaram de uma s�rie de protestos em 25 pa�ses como parte de uma coaliza��o chamada "Rebeli�o dos Cientistas".
O objetivo, segundo o manifesto do grupo, � "expor a realidade e a severidade da emerg�ncia clim�tica e ecol�gica com engajamento em desobedi�ncia civil n�o violenta".
Peter Kalmus, cientista da Nasa e parte da "Rebeli�o dos Cientistas", disse ao jornal The Guardian que "essas not�cias [de eventos clim�ticos fora do normal] provavelmente v�o come�ar a se estabilizar. � onde n�s estamos agora. Essa � uma semana normal de 2022. Como ent�o vai ser uma de 2024? E 2025?".
Mann, que enfrentou durante anos ataques de negacionistas e relata ter sido alvo de campanhas promovidas pela ind�stria dos combust�veis f�sseis, afirma que prossegue em seus esfor�os de d�cadas para chamar aten��o ao problema "simplesmente me mantendo focado na tarefa que est� a m�o".
"Eu tenho f� de que n�s tomaremos as a��es necess�rias. E eu fico encorajado pelas a��es que governos como os de Estados Unidos e Austr�lia est�o tomando. J� era tempo e n�s ainda n�o estamos fazendo o suficiente. Mas parece que os dividendos para quem esteve na linha de frente por d�cadas come�aram a aparecer. � poss�vel vencer a maior batalha que temos como esp�cies", diz ele.
O presidente norte-americano Joe Biden sancionou um plano de US$ 700 bilh�es para atuar contra a mudan�a clim�tica. A Austr�lia tornou lei as seguintes metas: emiss�es de gases precisar�o ser cortadas em 43% no intervalo entre 2005-2030 e zerar at� 2050.
O governo chin�s tamb�m tem investido esfor�os em pesquisa e desenvolvimento para efici�ncia sustent�vel e em estrat�gias de descarboniza��o de sua economia.
Para Alexandre Costa, cientista do clima e professor da UECE (Universidade Estadual do Cear�), "h� atualmente entre os cientistas uma atmosfera de 'est� desesperador, mas ainda d� para salvar muita coisa. A pior alternativa � entregar os pontos".
"N�s precisamos assumir uma posi��o que � o oposto do conformismo, do tanto faz."
"Minha experi�ncia pessoal foi dif�cil nos �ltimos dez anos. Principalmente pela frustra��o de n�o ser ouvido."
Costa afirma que o pensamento apocal�ptico � "t�o paralisante quanto o negacionismo. Embora eles estejam em extremos opostos na narrativa, o efeito pr�tico dos dois � muito pr�ximo."
Ele faz uma conex�o do "doomismo" com o fen�meno do ecofascismo na Europa e nos EUA. Pela sobreviv�ncia durante uma grande crise clim�tica (que ainda pode ser evitada), grupos de extrema-direita j� defendem o bloqueio de fronteiras e a proibi��o da imigra��o.
"Sempre tento dissuadir colegas [cientistas] que estejam derivando para esse caminho", afirma o climatologista.
"N�o vamos conseguir nada de bom com a ideia de que tudo est� perdido. A� � um terreno est�ril, inf�rtil."
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62653493
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