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Estado de Minas ASTRONOMIA

O que acontece quando uma estrela morre?

Nossa gal�xia est� repleta de milhares de nebulosas planet�rias, que representam a fase final da vida de estrelas com tamanhos que variam da metade at� oito vezes a massa do Sol.


15/10/2022 17:21 - atualizado 16/10/2022 00:26

Nebulosa do Anel do Sul
A nebulosa do Anel do Sul � uma cobertura de g�s e poeira lan�ada por uma estrela que est� morrendo (foto: Nasa/ESA/CSA/STSCI)

Daqui a bilh�es de anos, quando nosso Sol se aproximar do fim da vida, e os n�cleos de h�lio come�arem a se fundir em seu interior, ele vai aumentar de volume dramaticamente — e se transformar� no que � conhecido como uma estrela gigante vermelha.

E, depois de engolir facilmente Merc�rio, V�nus e a Terra, ele crescer� tanto que n�o poder� mais manter suas camadas mais externas de g�s e poeira.

Em um desenlace glorioso, nosso Sol ir� lan�ar essas camadas para o espa�o, formando um belo v�u de luz, que brilhar� como um sinal de n�on por milhares de anos at� desvanecer.

Nossa gal�xia est� cravejada de milhares desses memoriais que parecem joias, conhecidos como nebulosas planet�rias.

Elas representam a fase final habitual da vida de estrelas com tamanhos que variam da metade at� oito vezes a massa do Sol. J� as estrelas com massa maior t�m um fim muito mais violento — uma explos�o conhecida como supernova.

As nebulosas planet�rias t�m uma variedade extraordin�ria de formas, como sugerem seus nomes — o Caranguejo do Sul, o Olho de Gato e a Borboleta, por exemplo.

Mas, por mais bonitas que sejam, elas tamb�m s�o um mist�rio para os astr�nomos. Como pode surgir uma borboleta c�smica do casulo redondo aparentemente indefinido de uma estrela gigante vermelha?

Observa��es e modelos criados por computador est�o agora indicando uma explica��o que teria parecido extravagante 30 anos atr�s: a maioria das gigantes vermelhas tem uma estrela secund�ria muito menor, escondida no seu campo gravitacional.

Esta segunda estrela molda a transforma��o da estrela principal em uma nebulosa planet�ria, da mesma forma que um ceramista molda um vaso na roda de oleiro.

Nebulosa do Anel
O novo Telesc�pio Espacial James Webb, da Nasa, revelou detalhes extraordin�rios da Nebulosa do Anel do Sul (foto: Nasa/ESA/CSA/STSCI)


Acima, � esquerda, uma imagem de infravermelho pr�ximo mostra espetaculares an�is de g�s conc�ntricos na Nebulosa do Anel do Sul, uma nebulosa planet�ria que fica a cerca de 2,5 mil anos-luz de dist�ncia da Terra, na constela��o da Vela. Os an�is contam a hist�ria das explos�es da estrela que est� morrendo.

� direita, uma imagem de infravermelho m�dio distingue facilmente a estrela que est� morrendo, no centro da nebulosa (em vermelho), da sua estrela secund�ria (em azul). Todo o g�s e poeira da nebulosa foi expelido pela estrela vermelha.

A teoria dominante sobre a forma��o das nebulosas planet�rias envolvia anteriormente uma �nica estrela, a pr�pria gigante vermelha. Com for�a gravitacional fraca nas suas camadas externas, ela perde massa com muita rapidez perto do final da vida — at� 1% por s�culo.

Ela tamb�m se agita como uma panela de �gua fervente abaixo da superf�cie, fazendo com que as camadas externas pulsem para dentro e para fora. Os astr�nomos apresentaram a teoria de que essas pulsa��es produzem ondas de choque que lan�am jatos de g�s e poeira para o espa�o, criando o chamado vento estelar.

Mas muita energia � necess�ria para expelir esse material completamente sem que ele caia de volta sobre a estrela. Esse vento n�o pode ser uma brisa suave; precisa ter a for�a de um jato de foguete.

Depois do escape da camada externa da estrela, a camada interna, que � muito menor, entra em colapso e se torna uma an� branca. Esta estrela, que � mais quente e brilhante que a gigante vermelha que a originou, ilumina e aquece o g�s que escapou, at� que ele comece a brilhar sozinho — e assim vemos uma nebulosa planet�ria.

Todo esse processo � muito r�pido nos padr�es astron�micos, embora lento para os padr�es humanos. Normalmente, leva de alguns s�culos at� mil�nios.

At� o lan�amento do Telesc�pio Espacial Hubble, em 1990, "n�s t�nhamos bastante certeza de que est�vamos no caminho certo" para compreender este processo, segundo afirma o astr�nomo Bruce Balick, da Universidade de Washington, nos Estados Unidos.

Balick e seu colega Adam Frank, da Universidade de Rochester em Nova York, tamb�m nos EUA, compareceram a uma confer�ncia na �ustria e viram as primeiras fotografias de nebulosas planet�rias tiradas pelo Hubble.

"N�s sa�mos para tomar caf�, vimos as imagens e sab�amos que o jogo havia mudado", relembra Balick.

Os astr�nomos acreditavam que as gigantes vermelhas eram esfericamente sim�tricas e que estrelas redondas deveriam produzir nebulosas planet�rias tamb�m redondas. Mas o que o Hubble viu n�o chegava nem perto disso.

"Ficou �bvio que muitas nebulosas planet�rias t�m estruturas axissim�tricas ex�ticas", afirma o astr�nomo Joel Kastner, do Instituto de Tecnologia de Rochester, nos EUA.

O Hubble revelou l�bulos, asas e outras estruturas fant�sticas que n�o eram redondas — mas, sim, sim�tricas em rela��o ao eixo principal da nebulosa, como se girassem naquela roda de oleiro.

A imagem acima, captada pelo Telesc�pio Espacial Hubble, revela que a Nebulosa do Caranguejo do Sul n�o tem quatro patas, mas sim duas bolhas. O centro das bolhas revela dois jatos de g�s com "n�s" que podem se iluminar quando encontram o g�s entre as estrelas. Localizado a milhares de anos-luz da Terra, na constela��o de Centauro, o Caranguejo do Sul parece ter passado por dois eventos de libera��o de g�s. Um deles, h� cerca de 5,5 mil anos, criou uma ampulheta externa, enquanto um evento similar, 2,3 mil anos atr�s, criou uma interna, muito menor.

Companheira oculta


Um artigo de Balick e Frank publicado em 2002 pela revista cient�fica Annual Review of Astronomy and Astrophysics documentou o debate existente na �poca sobre a origem dessas estruturas.

Alguns cientistas propunham que a simetria axial era derivada da forma de rota��o da estrela gigante vermelha ou do comportamento dos seus campos magn�ticos, mas ambas as ideias n�o atendiam a alguns testes fundamentais. A rota��o e os campos magn�ticos devem enfraquecer com o crescimento da estrela, mas a velocidade de perda de massa das gigantes vermelhas aumenta no fim da vida.

A outra hip�tese era que a maior parte das nebulosas planet�rias � formada n�o por uma estrela, mas por um par de estrelas — o que a astr�noma Orsola De Marco, da Universidade Macquarie em Sydney, na Austr�lia, chamou de "hip�tese bin�ria".

Neste cen�rio, a segunda estrela � muito menor e milhares de vezes menos brilhante que a gigante vermelha. E pode estar � mesma dist�ncia entre J�piter e o Sol. Isso permitiria que ela afetasse a gigante vermelha a uma dist�ncia suficiente para n�o ser engolida.


Existem tamb�m outras possibilidades, como uma �rbita irregular, na qual a segunda estrela se aproximaria da gigante vermelha em intervalos de algumas centenas de anos, retirando camadas da estrela principal.

De qualquer forma, a hip�tese bin�ria � uma �tima explica��o para o primeiro est�gio da metamorfose de uma estrela que est� morrendo. Como a estrela secund�ria afasta os gases e a poeira da estrela prim�ria, eles n�o s�o imediatamente sugados para a secund�ria — mas formam um disco de material rodopiante, conhecido como disco circunstelar, no plano orbital da secund�ria.

Esse disco circunstelar � a roda do oleiro.

Se o disco tiver um campo magn�tico, ele impulsionar� todos os gases carregados para fora do plano do disco, em dire��o ao eixo de rota��o. Mas, mesmo sem campo magn�tico, o material do disco impede o fluxo externo de gases no plano orbital, de forma que o g�s assumir� uma estrutura bilobular, com fluxo mais r�pido em dire��o aos polos.


E � exatamente isso que o Hubble viu nas suas imagens de nebulosas planet�rias.

"Por que procurar uma explica��o muito complicada se a estrela secund�ria � uma interpreta��o t�o boa?", questiona De Marco.


Nebulosa do Jato Duplo e Nebulosa do Olho de Gato
� esquerda: Nebulosa do Jato Duplo; � direita: Nebulosa do Olho de Gato (foto: J. Schmidt/Nasa/Esa/Hubble Legacy Archive/Chandra)


Na imagem � esquerda, a Nebulosa do Jato Duplo, a 2,4 mil anos-luz da Terra, na constela��o de Serpent�rio (Ophiuchus), tem forma de ampulheta, com dois jatos de g�s movendo-se rapidamente em dire��o aos polos. O g�s provavelmente foi lan�ado pela estrela central h� cerca de 1,2 mil anos.


Na imagem � direita, a Nebulosa do Olho de Gato, a 3,3 mil anos-luz da Terra, na constela��o do Drag�o, exibe 11 an�is conc�ntricos de poeira, que os astr�nomos estimam terem sido liberados em intervalos de 1,5 mil anos. O processo de forma��o da intrincada estrutura interna ainda � desconhecido.

Ver para crer


Mas a ideia das estrelas secund�rias indetect�veis n�o foi bem recebida por alguns astr�nomos.


A astr�noma Leen Decin, da Universidade Cat�lica de Leuven, na B�lgica, conta que, em 2020, um famoso astrof�sico disse a ela: "Sabe, Leen, tudo parece t�o fant�stico, as observa��es s�o t�o fascinantes, os modelos de �ltima gera��o atuais parecem fazer um trabalho muito bom para interpretar os dados, mas, no fundo, n�s n�o dever�amos acreditar apenas no que realmente podemos ver?"


Ao longo dos �ltimos 10 a 15 anos, os ventos mudaram de forma consistente. Novos e inovadores telesc�pios revelaram que algumas gigantes vermelhas s�o rodeadas por estruturas em espiral e discos circunstelares antes de se tornarem nebulosas planet�rias — exatamente como seria esperado se houvesse uma segunda estrela puxando material para fora da gigante vermelha.


E h� dois casos em que os astr�nomos talvez tenham at� identificado a pr�pria estrela secund�ria.


Decin e seus colegas basearam seu trabalho no telesc�pio Alma (sigla em ingl�s para Atacama Large Millimeter/Submillimeter Array), no Chile, que come�ou a operar em 2011.

O Alma consiste de 66 radiotelesc�pios que trabalham juntos para produzir imagens de objetos astron�micos.


"Ele fornece resolu��o espacial e espectral que s�o importantes para compreender a din�mica e a velocidade", explica Decin.


A velocidade � uma parte importante do quebra-cabe�a para que os cientistas mapeiem os ventos estelares e os discos circunstelares.


Acima, os nomes das estrelas est�o no canto superior esquerdo de cada imagem. Os ventos que sopram para fora das estrelas criam uma s�rie de estruturas, como discos, espirais e "rosas", consistentes com a teoria de que a estrela gigante vermelha tem uma estrela secund�ria em sua �rbita. A cor vermelha indica gases se movendo para longe do observador, enquanto azul indica gases que se movem em dire��o ao observador. 1 UA � uma unidade astron�mica, ou a dist�ncia entre a Terra e o Sol. Comparativamente, Netuno est� a 30 unidades astron�micas do Sol. As estrelas secund�rias provavelmente ficam mais perto das suas estrelas prim�rias do que o Sol de Netuno. Elas n�o s�o vis�veis devido ao brilho da estrela prim�ria.

O ato final


O Alma j� observou estruturas em espiral ou em forma de arco em volta de mais de uma d�zia de estrelas gigantes vermelhas, quase certamente um sinal de que existe mat�ria saindo da gigante vermelha e espiralizando em dire��o � secund�ria. Essas espirais basicamente coincidem com as simula��es criadas por computador — e � imposs�vel explic�-las com o antigo modelo de vento estelar.


Decin relatou as descobertas iniciais em 2020 na revista Science — e as expandiu no ano seguinte, na Annual Review of Astronomy and Astrophysics.


Al�m disso, a equipe de Decin tamb�m pode ter identificado as secund�rias outrora n�o detect�veis de duas gigantes vermelhas, p1 Gruis e L2 Puppis, em imagens do Alma. Para ter certeza, eles precisam monitor�-las ao longo de um per�odo de tempo, para ver se os objetos rec�m-detectados est�o se movendo em torno da estrela prim�ria.


"Se eles se moverem, estou certa de que temos secund�rias", afirma Decin.


E talvez esta descoberta conven�a os �ltimos c�ticos.

Assistir ao vivo


Como investiga��es de cenas de crimes, os astr�nomos agora t�m as imagens de "antes" e "depois" da cria��o de uma nebulosa planet�ria. A �nica coisa que falta � o equivalente �s imagens das c�meras do circuito interno de seguran�a do evento em si.


Existe alguma esperan�a de que os astr�nomos possam flagrar uma gigante vermelha no momento em que ela se torna uma nebulosa planet�ria?


At� o momento, os modelos computadorizados s�o a �nica forma de "assistir" ao desdobramento do processo, que dura centenas de anos, do in�cio ao fim. Eles ajudaram os astr�nomos a se concentrar em um cen�rio dram�tico, no qual a estrela secund�ria submerge na prim�ria ap�s um per�odo prolongado orbitando e perde dist�ncia devido �s for�as gravitacionais.


� medida que se espiraliza em dire��o ao n�cleo da gigante vermelha, a estrela secund�ria perde "uma imensa quantidade de energia gravitacional", diz Frank.


Os modelos computadorizados demonstram que isso acelera enormemente o processo por meio do qual a estrela lan�a suas camadas externas, reduzindo-o a apenas de um a 10 anos. Se isso estiver certo e os astr�nomos souberem para onde olhar, eles podem presenciar a morte de uma estrela e o nascimento de uma nebulosa planet�ria em tempo real.


Uma candidata que merece ser observada � a estrela V Hydrae. Esta gigante vermelha � muito ativa e ejeta jatos de plasma como se fossem muni��o em dire��o aos polos a cada 8,5 anos. Ela tamb�m expeliu seis grandes an�is no seu plano equatorial ao longo dos �ltimos 2,1 mil anos.


O astr�nomo Raghvendra Sahai, do Laborat�rio de Propuls�o a Jato da Nasa — que publicou a descoberta dos an�is em abril de 2022 —, acredita que a gigante vermelha possui n�o uma, mas duas estrelas secund�rias.


Uma estrela secund�ria pr�xima pode j� estar beirando o "envelope" circunstelar da gigante vermelha e produzindo as eje��es de plasma, enquanto uma secund�ria distante em �rbita irregular controla a eje��o dos an�is. Se for este o caso, a V Hydrae pode estar perto de engolir sua estrela secund�ria mais pr�xima.

Por fim, e o nosso Sol?


Os estudos sobre estrelas bin�rias podem parecer ter pouca relev�ncia para o destino da nossa estrela porque ela � solit�ria. Decin estima que as estrelas que t�m companheiras perdem massa cerca de seis a 10 vezes mais r�pido do que as solit�rias, porque � muito mais eficiente uma estrela secund�ria atrair a cobertura de uma gigante vermelha do que a pr�pria gigante vermelha lan�ar sua cobertura.


Isso significa que os dados sobre os sistemas estelares n�o podem prever com seguran�a o destino de estrelas solit�rias, como o Sol.


Cerca da metade das estrelas do tamanho do Sol t�m estrelas secund�rias de algum tipo. Segundo Decin, a secund�ria sempre afetar� a forma do vento estelar, alterando significativamente a velocidade de perda de massa se estiver suficientemente pr�xima.


O Sol, muito provavelmente, ir� lan�ar sua camada externa mais lentamente do que aquelas estrelas e permanecer� na sua fase de gigante vermelha por muito mais tempo.


Mas ainda h� muitos fatos desconhecidos sobre o ato final do Sol. Mesmo que J�piter n�o seja uma estrela, por exemplo, ele ainda pode ser suficientemente forte para atrair material do Sol e criar um disco circunstelar.


"Acho que teremos uma espiral muito pequena, criada por J�piter", afirma Decin.


"Mesmo nas nossas simula��es, voc� pode ver seu impacto sobre o vento solar."

Se for este o caso, o nosso Sol tamb�m poder� estar a caminho de um grand finale espetacular.


* Dana Mackenzie � matem�tica e jornalista freelancer especializada em ci�ncias.

Este artigo foi publicado originalmente na revista jornal�stica independente Knowable, da editora americana Annual Reviews, e republicado pelo site BBC Future sob uma licen�a Creative Commons.


Leia a
vers�o original (em ingl�s) no site BBC Future.


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