
O paulistano Miguel De Almeida tinha 14 anos em 1973, quando se atreveu a ir ao Teatro It�lia, sozinho, j� que nenhum amigo topou quis acompanh�-lo. Assistiu, no inverno daquele ano, a um show da curta temporada que os Secos & Molhados faziam no teatro para 300 lugares. “Nem sei como meus pais me deixaram ir, tampouco como consegui entrar, j� que era menor de idade”, comenta o jornalista, hoje com 61. O impacto foi deveras brutal.
“Est�vamos acostumados a assistir m�sica num cantinho com um viol�o. Eles inventaram o teatro na m�sica, nos ofereceram um espet�culo que ia al�m da m�sica. Era uma viagem on�rica aqueles personagens que entravam, n�o falavam nada, cantavam e tocavam e iam embora. At� ent�o, o m�ximo que havia eram Gil, Caetano, os maravilhosos Mutantes. Eles se fantasiavam. Mas isto o Chacrinha tamb�m fazia. Para um moleque como eu, foi uma grande revela��o ver aquele envolvimento dram�tico, quando um show foi para outro patamar.”
� a partir deste ponto que Miguel De Almeida d� in�cio � Primavera nos dentes: a hist�ria do Secos & Molhados (Tr�s Estrelas), que chega nesta semana �s livrarias. Nas quase 400 p�ginas da obra (sendo 32 de imagens), ele conta uma hist�ria que marcou definitivamente a m�sica brasileira e o comportamento do jovem que vivia � sombra da ditadura militar.
Mas que efetivamente s� durou dois anos. A forma��o cl�ssica do grupo, com Ney Matogrosso, Jo�o Ricardo e G�rson Conrad, foi entre 1973 e 1974. Gerou dois �lbuns, hom�nimos – o primeiro deles, o da ic�nica capa com as imagens das cabe�as dos integrantes sob uma mesa.
“� fant�stico como uma hist�ria desse tamanho s� durou dois anos”, afirma Miguel. Impressionante tamb�m � que, passados 45 anos, ningu�m havia se debru�ado seriamente sobre a narrativa. “Acho que essa hist�ria nunca chegou a ser escrita por v�rias raz�es. H�, por parte da chamada elite da m�sica brasileira, um sil�ncio sobre os Secos & Molhados”, diz o autor.
Grupo que uniu a poesia de Oswald de Andrade com a de Vinicius de Moraes, obteve um sucesso fenomenal com destaque � performance de Ney e interferiu no comportamento da sociedade daquele momento. “A Tropic�lia foi um fen�meno universit�rio. Na �poca (anos 1960), quem tinha impacto popular era Elis Regina e Jair Rodrigues.
CABELUDO J� o impacto do Secos & Molhados come�a com as mulheres. Mas as donas de casa, a mulher comportada, e depois as crian�as. Eles pegaram o seio da fam�lia brasileira no momento mais pesado da ditadura. N�o podemos esquecer o contexto: a Guerrilha do Araguaia, uma repress�o forte nas ruas, com cabeludo apanhando (por ser cabeludo).”
E a m�sica de Jo�o Ricardo mais a androginia de Ney Matogrosso tomaram de assalto o pa�s. O primeiro �lbum do Secos & Molhados (com as can��es Sangue latino, O vira, O patr�o nosso de cada dia, Amor, Rosa de Hiroshima, Fala) vendeu 1 milh�o de c�pias – naquele 1973, o Brasil tinha uma popula��o de 90 milh�es de pessoas.
“A quest�o comportamental foi tangenciada pela grande elite. Os Secos & Molhados colocaram na mesa brasileira a quest�o do g�nero. N�o podemos nos esquecer de que, na �poca, a esquerda brasileira tamb�m era tradicional. A androginia n�o era um motivo de discuss�o”, afirma o autor. Primavera nos dentes registra com riqueza de detalhes o per�odo da forma��o cl�ssica da banda – sem Ney e Conrad, Jo�o Ricardo levaria adiante Secos & Molhados por alguns poucos anos, sem o sucesso anterior.
Para o livro, o autor conversou com jornalistas, m�sicos, produtores, al�m do trio central. Os tr�s n�o se falam h� muitos anos, mas, de acordo com Miguel De Almeida, todos o receberam de peito aberto para o livro. No pr�ximo s�bado (13), o autor e Ney Matogrosso dividir�o na Festa Liter�ria de Paraty (Flip) uma mesa sobre androginia, rock e censura.
“Os tr�s foram muito gentis o tempo todo. Acho que o processo os ajudou a pensar a juventude deles. Pois, mesmo que o Ney tivesse 31 anos na �poca, os outros tinham 20 e poucos. Eram todos muito novos e fizeram sucesso num per�odo muito curto, quando n�o havia estrutura. Todas as casas tinham um disco de Secos & Molhados. Voc� os ouvia no r�dio o tempo inteiro”, diz Miguel, lembrando-se de que as gravadoras estrangeiras da �poca tentaram “dinamitar o grupo”, que era da Continental, uma gravadora brasileira. Em 1974, um show hist�rico no Maracan�zinho bateu todos os recordes de p�blico – e deixou milhares de pessoas do lado de fora do gin�sio carioca por falta de ingressos.
Sobre o fim abrupto do Secos & Molhados (Ney e Conrad deixaram o grupo e Jo�o Ricardo ficou sabendo da sa�da deles, em agosto de 1974, pelos jornais) Miguel se lembra de uma conversa que teve, durante a confec��o do livro, com o produtor Andr� Midani, morto no �ltimo dia 14. “Ele me disse que havia faltado uma esp�cie de Colonel Parker (que foi agente de Elvis Presley) para dizer que cada um deles parasse um m�s, ficasse cada um em seu canto, namorasse. Eles faziam de dois a tr�s shows por dia, corriam o Brasil para cima e para baixo, dormiam em carros. Ningu�m aguenta isto. O sucesso os devorou”, avalia Miguel De Almeida.
Primavera nos dentes:
a hist�ria do Secos & Molhados
Miguel De Almeida
Editora Tr�s Estrelas (376 p�gs.)
R$ 69,90.