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Estado de Minas LITERATURA

Inspirado por governo Trump, 'A casa holandesa' � drama sobre madrasta cruel

Autora norte-americana Ann Patchett diz que 'a constante celebra��o da riqueza obscena por parte do governo Trump' a motivou a escrever o livro


16/09/2020 04:00

Ann Patchett diz que ''a constante celebração da riqueza obscena por parte do governo Trump'' a motivou a escrever sobre alguém que tem repulsa à riqueza(foto: Lucas Jackson/AFP)
Ann Patchett diz que ''a constante celebra��o da riqueza obscena por parte do governo Trump'' a motivou a escrever sobre algu�m que tem repulsa � riqueza (foto: Lucas Jackson/AFP)

Em novembro de 2016, a escritora e jornalista americana Ann Patchett entrevistava a colega de escrita Zadie Smith sobre um novo romance dela, Ritmo louco (Companhia das Letras), quando uma declara��o da entrevistada acendeu uma luz em sua mente: Zadie classificou seu romance como autofic��o, mesmo n�o tendo apenas elementos de sua vida. "Pode tamb�m ser algo que voc� tenha receio de acontecer", completou.

"Aquilo me soou brilhante", conta Ann, que, no mesmo instante, decidiu que escreveria sobre uma mulher que n�o aceitava a condi��o de madrasta. Era a semente que, tr�s anos depois, resultou no romance A casa holandesa, lan�ado agora pela Intr�nseca. A tarefa, por�m, n�o foi f�cil – Ann escreveu 10 vers�es da hist�ria e, mesmo com o prazo da entrega do manuscrito a seu editor se aproximando, ela ainda tinha d�vidas.

Foi quando buscou ajuda com outros escritores. Barbara Kingsolver estava hospedada na casa de Ann, em Nashville, por conta da turn� de lan�amento de sua obra e ajudou a reformular o encadeamento dos eventos da hist�ria. Ann contou ainda com dicas de Jane Hamilton e Kate DiCamillo at� chegar ao ponto final.

O maior desafio foi construir uma trama que percorre cinco d�cadas. Tudo come�a quando, logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial, Cyril Conroy entra no ramo imobili�rio. Em pouco tempo, ele transforma o neg�cio em um imp�rio, trocando a pobreza por uma vida de opul�ncia. Uma de suas primeiras aquisi��es � a Casa Holandesa, uma propriedade extravagante no sub�rbio da Filad�lfia, com que Cyril presenteia a mulher, Elna.

A vida da fam�lia segue tranquila, especialmente com o nascimento de Danny e Maeve, at� que, sem explica��o aparente, Elna vai embora e abandona os filhos ainda crian�as. Em pouco tempo, Cyril se casa novamente, agora com Andrea, que, por j� ter duas filhas, n�o se interessa pelos enteados, expulsando-os da casa. � o in�cio de uma saga sobre o para�so perdido, com Danny e Maeve abreviando a pr�pria inf�ncia e sendo obrigados a crescer em meio a perdas e humilha��es.

Ao revelar as dificuldades de superar o passado, A casa holandesa logo se tornou um best-seller nos EUA, conquistando ainda cr�ticas favor�veis. Sobre o romance, Ann Patchett, que � copropriet�ria de uma livraria em sua cidade, respondeu por e-mail �s seguintes quest�es.

''Quando somos jovens, pensamos nas coisas em termos de verdade e mentira. Conforme envelhecemos, essas barreiras ficam menos definidas. Tamb�m acho que as pessoas come�am a acreditar nas mentiras que contam. Depois de algum tempo, nada mais � claro''

Ann Patchett, escritora norte-americana



Andrea � a ep�tome da "madrasta m�", mas o que a transformou nisso? Nesse caso, o leitor s� a conhece pelos olhos de Maeve e Danny.
� isso que torna t�o interessante escrever na primeira pessoa. Tudo que sabemos a respeito de Andrea � aquilo que Danny nos diz. Ela parece m�, mas o mundo est� cheio de pessoas que s� querem proteger seus interesses e os de seus filhos. N�o estou dizendo que ela � boa pessoa, mas s� a conhecemos por uma perspectiva.

Voc� se sentiu � vontade ao criar Elna, uma personagem que abandona os filhos por quest�es �ticas?
Acredito que, para muitos, Elna n�o seja uma pessoa emp�tica. N�o sei se a enxergo dessa maneira. � interessante, pois escrevi esse livro duas vezes. Na primeira vez, tudo girava mais em torno de Elna, que era muito emp�tica. N�o me pareceu veross�mil e, assim, descartei aquela vers�o e recomecei. Novamente, s� temos a perspectiva de Danny, que certamente n�o sente muita empatia pela m�e.

Por que a obra Ritmo louco, de Zadie Smith, foi decisiva para a escrita de A casa holandesa? 
Zadie disse que escrever de forma autobiogr�fica n�o significa que aquilo que estamos descrevendo ocorreu – escrever de forma autobiogr�fica tamb�m pode ser escrever a respeito daquilo que temos medo ou daquilo pelo que ansiamos. Isso fez todo o sentido para mim. Decidi que queria escrever a respeito de algu�m que era uma p�ssima madrasta porque, muitos e muitos anos atr�s, esse foi um medo que tive. Descobri que, ao explorar esse antigo temor, eu encontrava uma nova profundidade na hist�ria.

O romance prop�e uma quest�o: � poss�vel fazer as pazes com o que nos aconteceu na inf�ncia? O que acha disso?
Acho que, se tivermos sorte, chegamos a um ponto em que podemos deixar para tr�s as m�goas do passado. Isso n�o vale apenas para a inf�ncia. Penso no velho ditado segundo o qual "o tempo cicatriza todas as feridas". Danny e Maeve n�o querem que suas feridas cicatrizem. Querem se apegar � m�goa como forma de se agarrar ao passado, mas chegam a um ponto em que n�o suportam mais aquilo. N�o sei ao certo se � o mesmo que fazer as pazes, talvez seja algo mais parecido com uma aceita��o.

A quest�o do perd�o tamb�m � delicada e varia de acordo com a idade. Somos mais irredut�veis quando mais jovens?
Eis uma pergunta interessante. Acho que somos muito mais simplistas quando jovens, mais indignados, mais moralizadores, simplesmente porque ainda n�o passamos por tantas coisas. Como os primeiros amores, as primeiras m�goas nunca nos deixam, pois parecem t�o imensas. Depois, conseguimos suportar muito mais e (espera-se) perdoar mais porque temos um entendimento mais complexo da natureza humana.

Por que se sente atra�da pelos segredos de fam�lia e o risco de, �s vezes, contribu�rem para o desmanche dessa fam�lia?
Segredos criam tramas, e sou uma autora que gosta de tramas, mas tamb�m acho que as pessoas t�m a tend�ncia de n�o dizer toda a verdade, ou a verdade muda com o tempo. Voltando � pergunta anterior, quando somos jovens, pensamos nas coisas em termos de verdade e mentira. Conforme envelhecemos, essas barreiras ficam menos definidas. Tamb�m acho que as pessoas come�am a acreditar nas mentiras que contam. Depois de algum tempo, nada mais � claro.

Voc� se sente mais interessada pela diferen�a entre o passado e o presente, ou pelas poss�veis semelhan�as entre diferentes eras?
Outra pergunta interessante (e j� faz um ano que respondo a perguntas a respeito desse livro). Nunca pensei nisso antes, mas diria que me interesso mais pelas diferen�as entre o passado e o presente.

Voc� se enxerga como autora pol�tica, ou tem a impress�o de que os autores s�o inelutavelmente criaturas pol�ticas?
Consigo enxergar quase tudo em termos pol�ticos, ainda mais hoje em dia, ent�o acredito que eu seja uma autora pol�tica. A casa holandesa foi estimulada em parte pela constante celebra��o da riqueza obscena por parte do governo Trump, o que me fez pensar em como seria se algu�m sentisse tal repulsa pela riqueza a ponto de abandonar os pr�prios filhos. N�o foi esse o ponto de chegada do livro, mas foi da� que ele partiu.

Voc� exorciza os pr�prios medos por meio de seus livros?
Voltando � terceira pergunta, exorcizei um medo muito antigo com esse livro, mas, no geral, n�o � algo que eu fa�a. Posso me valer desses medos, mas o fa�o para dar energia � narrativa, e n�o como forma de terapia.

Qual � a import�ncia da perspectiva do narrador? Existe uma rela��o entre perspectiva e verdade?
Esse � o primeiro livro que escrevi na primeira pessoa desde o meu segundo romance, de 1994. Foi muito diferente a experi�ncia de trabalhar com um s� ponto de vista, mas isso tamb�m me fez lembrar que � assim que vivemos. Eu e minha irm� crescemos no mesmo lar, mas tivemos experi�ncias muito diferentes e contamos hist�rias diferentes. Perspectiva � tudo. Aquilo que � verdadeiro para uma pessoa n�o o � necessariamente para outra. (Ag�ncia Estado)
(foto: Reprodução)
(foto: Reprodu��o)

A casa holandesa
• Ann Patchett
•Intr�nseca (352 p�gs.)
•R$ 54,90 e R$ 37,90 (e-book)


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