
Mas fazia sentido, sim – tanto que foi por causa de “Menino de ouro”, que acaba de chegar �s livrarias brasileiras, que sua carreira de escritora come�ou (e com elogios e tradu��es). Seu romance de estreia � situado numa regi�o pobre de Trinidad e acompanha uma fam�lia num momento extremo. Clyde e Joy t�m dois filhos, g�meos. Peter nasceu primeiro, � mais inteligente do que qualquer membro de sua fam�lia e do que a m�dia em seu pa�s – e, por isso, ter� um futuro promissor longe dali. Paul nasceu de um parto complicado. Houve priva��o de oxig�nio e, j� no hospital, a fam�lia ouviu algo que assumiu como certo: o garoto poderia ter, como sequela, um "retardo mental". E assim os dois s�o criados at� os 13. Com carinho, claro, mas com diferen�a.
"Meus irm�os e eu seguimos um caminho semelhante ao de Peter: estudamos muito para ganhar bolsas de estudo e ir para o exterior. Essas bolsas s�o uma parte fundamental de nossas vidas em Trinidad"
Peter tem tudo. E, se conseguir a maior pontua��o em um concurso ter� uma bolsa para estudar em qualquer universidade do mundo. O passaporte para sair da ilha, para ter o que seu pai n�o teve – e Clyde guarda todo o dinheiro da fam�lia para esse momento. Por insist�ncia da m�e, que acredita que, ao lado de Peter, Paul poderia ter alguma chance, eles frequentam as mesmas escolas. Isso, a despeito da opini�o do pai, para quem o filho "um pouco esquisito", a quem sempre amea�a com a possibilidade de ser mandado para o hosp�cio, poderia atrasar a realiza��o do sonho da fam�lia – ou do sonho dele. A vida segue seu curso at� que um dia, ap�s um assalto no qual os criminosos fazem os irm�os e a m�e de ref�ns enquanto buscavam exatamente por esse dinheiro, Paul some.
A hist�ria vira uma esp�cie de thriller, embora essa n�o tenha sido a inten��o de Claire Adam – que nem gosta do g�nero. Mas ela consegue envolver o leitor enquanto vai narrando o desafio que Paul e Clyde t�m pela frente: a sobreviv�ncia, o sonho. A hist�ria, ali�s, � contada a partir do ponto de vista dos dois. Um livro sobre fam�lia e paternidade. Sobre a esperan�a de que a nova gera��o supere a anterior. Um livro sobre como as coisas podem dar errado quando n�o ouvimos o outro. E sobre escolhas imposs�veis.
RU�NAS
Um pai diante de uma escolha imposs�vel. Um homem que decide que ele tem que dar conta de tudo sozinho, e que acredita saber o que � melhor para todos. Esse � Clyde, um dos protagonistas de “Menino de ouro”, livro que retrata uma fam�lia de Trinidad que sonha com um futuro melhor, mas que antes vai ter de superar as adversidades do presente: por que Paul, um dos filhos, desapareceu? E se sua salva��o significar o fim do sonho?. Sobre o romance, a autora Claire Adam respondeu �s seguintes perguntas por e-mail.
Por que voc� quis contar essa hist�ria e como surgiu essa ideia? E era para ser uma esp�cie de thriller desde o in�cio?
A ideia da hist�ria surgiu de v�rias coisas. Primeiro, o pai, Clyde: ele chegou bem formado, punhos erguidos, pronto para lutar contra qualquer um que estivesse contra ele. Em segundo lugar, mais de 20 anos depois de deixar Trinidad, e depois de ver tantas outras pessoas deixarem Trinidad e lugares como Trinidad, eu ainda n�o conseguia explicar o que nos leva a emigrar com tanta for�a, a dar aquele enorme salto para o desconhecido. Claro, uma situa��o econ�mica espec�fica pode ser sombria, mas o desejo parece ir mais fundo do que isso. Eu queria entender.
Terceiro, meus irm�os e eu seguimos um caminho semelhante ao de Peter: estudamos muito para ganhar bolsas de estudo e ir para o exterior. Essas bolsas s�o uma parte fundamental de nossas vidas em Trinidad. Mesmo a pessoa mais pobre, a pessoa em circunst�ncias mais humildes, tem uma chance real de oportunidade na vida por causa dessas bolsas. Eu n�o planejava escrever nada parecido com um thriller, n�o. Na verdade, odeio thrillers. Odeio como os personagens s�o descart�veis em thrillers: uma pessoa morta ap�s a outra, e devemos achar que isso � prazeroso?
Mas os cap�tulos de Paul no final se movem rapidamente e s�o bastante tensos, e h� uma amea�a constante de viol�ncia, mas espero que o leitor esteja convencido da seriedade desses cap�tulos. N�o s�o entretenimento s�o um retrato s�rio de um menino em uma situa��o perigosa.
Terceiro, meus irm�os e eu seguimos um caminho semelhante ao de Peter: estudamos muito para ganhar bolsas de estudo e ir para o exterior. Essas bolsas s�o uma parte fundamental de nossas vidas em Trinidad. Mesmo a pessoa mais pobre, a pessoa em circunst�ncias mais humildes, tem uma chance real de oportunidade na vida por causa dessas bolsas. Eu n�o planejava escrever nada parecido com um thriller, n�o. Na verdade, odeio thrillers. Odeio como os personagens s�o descart�veis em thrillers: uma pessoa morta ap�s a outra, e devemos achar que isso � prazeroso?
Mas os cap�tulos de Paul no final se movem rapidamente e s�o bastante tensos, e h� uma amea�a constante de viol�ncia, mas espero que o leitor esteja convencido da seriedade desses cap�tulos. N�o s�o entretenimento s�o um retrato s�rio de um menino em uma situa��o perigosa.
Sua hist�ria � sobre uma fam�lia que passa por uma situa��o extrema e tem que escolher entre dois filhos. Voc� tem filhos? Voc� conseguiu se ver na posi��o de Clyde? E Clyde nem sempre � um personagem f�cil de gostar. Voc� ainda gosta do seu personagem e o respeita pela forma como ele lida com essa situa��o?
Tenho filhos, mas n�o estava pensando em mim enquanto escrevia. H� uma certa sensa��o de liberdade no trabalho que o autor deve fazer, que � contar a hist�ria de outra pessoa. N�o preciso me sentir culpada pelo que Clyde fez, ou defend�-lo, ou persuadi-lo a fazer algo diferente. Na verdade, tenho respeito por Clyde. Eu respeito todos eles. E sinto muito por eles tamb�m.
Parece-me que se houvesse mais di�logo entre as pessoas daquela fam�lia, a hist�ria seria diferente. Peter tenta discutir com o pai, mas ele n�o o escuta nem considera seus desejos e sugest�es como uma op��o. Ele tamb�m n�o est� sempre aberto para o ponto de vista de Joy. A comunica��o foi um problema para voc� aqui?
Talvez. Mas esse problema tem uma origem muito espec�fica: Clyde se considera o homem da casa. Todas as decis�es s�o tomadas por ele; toda a responsabilidade recai sobre ele. N�o sei se � assim culturalmente, no Brasil, mas isso era, e presumo que ainda seja, muito normal em Trinidad, como em muitos outros pa�ses. Um dos cr�ticos do Reino Unido que escreveu sobre “Menino de ouro” descreveu Clyde como "o patriarca, cujo orgulho ir� queimar sua pequena fam�lia".
De repente, Paul surge como narrador e ent�o a hist�ria se aprofunda e ganha mais ternura. Voc� considerou escrever tamb�m a partir de Joy e Peter?
Na verdade, escrevi bastante do ponto de vista de Joy e Peter, mas no final achei que esses peda�os n�o faziam parte da hist�ria. Joy tem uma voz completamente diferente daquela com a qual “Menino de ouro” � contada. Ela precisaria de um livro inteiro, todo contado na primeira pessoa, no dialeto de Trinidad para conhecermos sua vers�o da hist�ria.
Quanto a Peter, para mim, mesmo sendo irm�o g�meo de Paul, sempre houve um elemento de distanciamento. � como Clyde diz: � como se Peter j� estivesse em outra ilha, mesmo quando � ainda uma crian�a vivendo com os pais. Al�m disso, Peter ganha a bolsa, ele sai de Trinidad, torna-se bem-sucedido – sua crise n�o vem enquanto ele est� morando em Trinidad, ela chega mais tarde na vida. Voc� sabe, Peter vive seus �ltimos anos, seus 20, 30, 40 anos, como um g�meo enlutado. � uma experi�ncia muito particular, que precisa de um livro inteiro para dar a aten��o que merece.
O que estou dizendo � que teria adorado dar mais espa�o a Joy e Peter, mas isso significaria escrever um livro diferente. No final das contas, senti que o cora��o deste livro em particular era sobre a luta entre Clyde e Paul.
Quanto a Peter, para mim, mesmo sendo irm�o g�meo de Paul, sempre houve um elemento de distanciamento. � como Clyde diz: � como se Peter j� estivesse em outra ilha, mesmo quando � ainda uma crian�a vivendo com os pais. Al�m disso, Peter ganha a bolsa, ele sai de Trinidad, torna-se bem-sucedido – sua crise n�o vem enquanto ele est� morando em Trinidad, ela chega mais tarde na vida. Voc� sabe, Peter vive seus �ltimos anos, seus 20, 30, 40 anos, como um g�meo enlutado. � uma experi�ncia muito particular, que precisa de um livro inteiro para dar a aten��o que merece.
O que estou dizendo � que teria adorado dar mais espa�o a Joy e Peter, mas isso significaria escrever um livro diferente. No final das contas, senti que o cora��o deste livro em particular era sobre a luta entre Clyde e Paul.
H� viol�ncia externa no livro e medo, mas me parece que a quest�o central � a fam�lia. Clyde cuida de sua fam�lia com os recursos de que disp�e, de acordo com sua ideia r�gida do que � certo e do que � errado. Quando ele � solicitado a fazer a escolha imposs�vel, e enquanto ele lida com isso, devemos v�-lo como uma v�tima do sistema?
O livro levanta quest�es sobre fam�lia, paternidade/maternidade e as esperan�as e expectativas que uma gera��o tem para a pr�xima. Se Clyde � uma v�tima do sistema ou se, em certa medida, causou isso a si mesmo por ser teimoso e orgulhoso? Acho que a resposta � as duas coisas. Mas ele tamb�m � obstinadamente determinado e, � sua maneira, altru�sta; e Trinidad n�o � simplesmente um lugar terr�vel dominado pelo crime; � tamb�m solid�rio, amante da divers�o e soci�vel, com muitas pessoas boas, gentis e generosas.
Clyde n�o � apenas uma coisa, ele � muitas coisas. Trinidad n�o � uma coisa, Trinidad � muitas coisas. N�o � essa terr�vel ambiguidade o que torna nossas vidas t�o confusas? As coisas nunca s�o t�o simples como gostar�amos que fossem.
Clyde n�o � apenas uma coisa, ele � muitas coisas. Trinidad n�o � uma coisa, Trinidad � muitas coisas. N�o � essa terr�vel ambiguidade o que torna nossas vidas t�o confusas? As coisas nunca s�o t�o simples como gostar�amos que fossem.
H� uma frase que Paul repete: “Lide com isso”. O livro, no fim das contas, � sobre
como lidamos com a vida e como vivemos com as consequ�ncias de nossas escolhas?
O que estava em minha mente quando escrevi os pensamentos de Paul nessas cenas era sua consci�ncia de estar completamente sozinho. Ningu�m estava vindo para ajud�-lo. A cavalaria n�o estava a caminho. Aquela frase repetida: ‘Handle it, handle it’, era como uma batida fren�tica em seus ouvidos, instruindo-o a recorrer a todos os seus recursos para se manter vivo.