
Na letra da can��o “Sou uma crian�a, n�o entendo nada”, parceria de Erasmo Carlos com o amigo de f� Roberto Carlos, lan�ada em 1974, Erasmo canta que, apesar de um homem feito, diante dos problemas da vida, e ao contr�rio do que todos esperavam dele, n�o entendia nada. Tr�s dias antes de chegar aos 80 anos, completados no s�bado passado (5/6), em entrevista, ele confessa: "Hoje entendo menos ainda, bicho".
Esse inconformismo, na verdade, � o que leva Erasmo para a frente, desde que ele, morador da Tijuca, na Zona Norte do Rio de Janeiro, ouvia Cauby Peixoto, �ngela Maria e Dorival Caymmi cantando na R�dio Nacional. Depois, vieram o rock’n’roll e a bossa nova. A vontade do garoto pobre era ser um desses �dolos. Conseguiu.
"Com 80, podia estar jogando cartas com os aposentados na praia. N�o. Estou aqui trabalhando. Gosto do que eu fa�o. Quis a vida que eu fosse um compositor, que eu aprendesse alguns acordes que me permitissem fazer minhas m�sicas… O resto � minha imagina��o que faz", diz.
Entre as novas can��es, uma � assinada com Supla, o rock “Brothers again”, feita para a volta do Brothers of Brazil, projeto que o roqueiro paulistano tem com o irm�o, Jo�o Suplicy.
Uma das comemora��es dessas oito d�cadas ser� o document�rio que o Globoplay vai estrear at� o final deste m�s. Produzido pela equipe do programa “Conversa com Bial” – a mesma da s�rie “Em nome de Deus”, sobre o m�dium Jo�o de Deus, e do document�rio “Arnaldo, sessenta”, sobre o m�sico Arnaldo Antunes, “Erasmo 80” trar� entrevistas, n�meros musicais e imagens raras.
"Descobrimos duas pel�culas. Uma � uma reportagem do ‘Jornal Hoje' de 1977 feita pelo Nelson Motta, que traz imagens de um show que Erasmo fez no MAM com a banda A Bolha. A outra traz Erasmo falando de anistia e talvez seja o �nico registro em v�deo dele cantando ‘Quero voltar’ (marchinha engajada de 1979). Tamb�m exibimos para ele alguns trechos da ‘Jovem guarda’ que ele nunca tinha visto. E o Erasmo se emocionou ao ver a participa��o dele no com�cio da Candel�ria pelas Diretas. Foi lindo", conta Renato Terra, que assina o roteiro.
"N�o era esse o mundo que eu imaginava nos anos 1970. Estou decepcionado com o �dio, o ego�smo e o individualismo das pessoas. Essas coisas s�o do mal. Fica uma atmosfera pesada, um progresso desenfreado sem fim. A Terra � nossa casa. Precisamos cuidar melhor dela. Mas ainda acredito na humanidade, nas pessoas"
Erasmo Carlos, cantor e compositor
ATEMPORAL
Gravado em uma casa na Joatinga, no Rio, que pertenceu ao arquiteto Zanine Caldas, o document�rio pretende explorar a fase mais introspectiva de Erasmo, trazida pela necessidade do isolamento social. "Essa casa � s�lida, r�stica, simples, �nica, atemporal, e se abre para uma beleza que voc� n�o v� nos cart�es-postais cariocas. Erasmo tem um pouco desses adjetivos", diz o diretor Gian Carlo Bellotti. Nas filmagens, Erasmo fez alguns n�meros musicais, como “Gente aberta”, “Festa de arromba” e “� preciso saber viver”.
A diretora Sandra Werneck, de “Cazuza: O tempo n�o para”, tamb�m prepara um document�rio sobre Erasmo, com exibi��o prevista para o segundo semestre de 2022, no Canal Curta. O projeto foi aprovado na Ag�ncia Nacional do Cinema (Ancine) em 2018 e aguarda a libera��o de verba.
"Quero andar com Erasmo pelas ruas da Tijuca. Ser� uma viagem musical por sua biografia, guiada pelo meu olhar, um olhar feminino. Vou abordar tamb�m as mulheres que cantaram suas m�sicas e trabalharam com ele. Ser� uma celebra��o de sua vida, de um artista que mais encarnou o esp�rito rebelde do rock no Brasil", diz Sandra.
TURN�
No mais, Erasmo anda ansioso para que os shows voltem, quando as condi��es sanit�rias permitirem, para que ele bote no palco a nova turn� que planejou. O projeto chama-se O futuro pertence � Jovem Guarda, frase do pol�tico russo L�nin, que tamb�m inspirou o nome do movimento ocorrido nos anos 1960.
No show, sucessos do i�-i�-i� que Erasmo nunca cantou antes. Entre eles, “Cora��o de papel”, sucesso de S�rgio Reis; “Esque�a”, hit de Roberto Carlos; “O bom”, de Eduardo Ara�jo; e “Devolva-me”, sucesso de Leno e Lilian. "Adoro estrada, viajar de �nibus com a banda, conhecer as pessoas pelas cidades, parar para comer churrasco. Essa � minha vida", diz.
Ele conta que adquiriu um novo hobby nesse intervalo for�ado dos palcos: criar playlists de m�sicas para ouvir. Uma delas j� tem mais de 600 m�sicas, segundo ele. Sem citar nomes, diz que seleciona can��es dos anos 1950, rock e atualidades. "Ou�o, choro. As melodias e a harmonia me fazem chorar. Hoje em dia, a melodia e as letras bem-feitas morreram."
Ouvir – e fazer – m�sica � um ant�doto que o compositor usa para esquecer aspectos da vida atual que o afetam e impedem que ele seja plenamente feliz. "N�o era esse o mundo que eu imaginava nos anos 1970. Estou decepcionado com o �dio, o ego�smo e o individualismo das pessoas. Essas coisas s�o do mal. Fica uma atmosfera pesada, um progresso desenfreado sem fim. A Terra � nossa casa. Precisamos cuidar melhor dela. Mas ainda acredito na humanidade, nas pessoas", diz.
Erasmo n�o cita a d�cada de 1970 � toa. Foi nesse per�odo, ap�s o sucesso da Jovem Guarda, que ele, buscando novos caminhos musicais, sem jamais perder o rock’n’roll de vista, e para al�m do fortalecimento da parceria com Roberto, amadureceu os temas abordados em suas can��es, voltando o olhar para quest�es mais existenciais e a filosofia que ele carrega at� hoje: distribuir amor.
Um dos s�mbolos dessa fase � o �lbum “Carlos, Erasmo”, que chega aos 50 anos agora em 2021 – e se tornou um dos mais cultuados de sua carreira. "Foi algo natural. Parei de beber e virei outro homem. Sa� do b�-�-b� da Jovem Guarda e fui para a faculdade", diz, de maneira franca.
FAVORITO
O compositor, por�m, revela que seu disco preferido � o anterior a “Carlos, Erasmo”, chamado Erasmo Carlos e Os Tremend�es, que tem m�sicas como “Sentado � beira do caminho”, “Vou ficar nu para chamar sua aten��o”, “Coqueiro verde” (todas com Roberto), “Saudosismo”, de Caetano Veloso, e “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso. "Foi meu vestibular para essa nova fase. Estava tudo na minha frente. Era s� agarrar", diz.
Para o pesquisador e produtor musical Marcelo Froes, que nos anos 2000 fez duas caixas com os �lbuns dos anos 1960, 1970 e 1980 do compositor, Erasmo tem uma obra totalmente coerente com o que sempre representou musicalmente. "Nunca pisou na bola. N�o h� nada que o desabone. N�o se rendeu a modismos. A impress�o que eu tenho � de que ele sempre teve liberdade para fazer seus �lbuns. Se n�o a tivesse, n�o fazia", diz Froes, autor do livro “Jovem Guarda em ritmo de aventura”.
C�NCER
Recentemente, Erasmo anunciou que, h� quatro anos, em um exame de rotina, descobriu um c�ncer no f�gado. O compositor, que nos pr�ximos dias far� novos exames para confirmar se est� de fato curado da doen�a, como os �ltimos progn�sticos mostram, diz que quer chamar a aten��o para o tratamento que realizou em um hospital no Rio de Janeiro. Erasmo foi submetido a abla��o percut�nea, na qual uma sonda emite energia t�rmica para destruir os tumores. Ele n�o precisou fazer qu�mio ou radioterapia.
Esse � o segundo c�ncer que o artista enfrentou. H� 20 anos, a doen�a apareceu na garganta. "Eu me cerquei da minha mulher e dos meus filhos. Minha boa-f� tamb�m me ajudou. N�o sou um ser especial. Sou igual a todas as pessoas. Quando algo assim vem, n�o tem que fugir. S� enfrentar", afirma, sobre o per�odo complicado que passou.
Fazendo jus ao apelido de Gigante Gentil que ganhou dos colegas – a fama de mau n�o passava de uma estrat�gia nos tempos da Jovem Guarda - Erasmo se lembra de Wanderl�a, amiga de uma vida toda, com quem j� dividiu muito o palco, que tamb�m aniversariou no �ltimo s�bado. "Um amor de pessoa. Ela se preocupa comigo, manda recadinhos, quer saber da minha sa�de. � uma querida. Minha irm�zinha", diz sobre a cantora, que completou 77 anos.
ERASMO B�SICO
Confira can��es-chave na carreira do cantor e compositor
“Minha fama de mau” (1964)
Parceria com Roberto Carlos da fase anterior � Jovem Guarda, que deu a fama de rebelde ao compositor.
“Sentado � beira do caminho” (1969)
Com o fim da Jovem Guarda, Erasmo busca novas caminhos para a carreira e emplaca esse grande sucesso.
“Dois animais na selva suja da rua” (1971)
De um dos seus discos mais cultuados, “Carlos, Erasmo”, a contestadora letra de costumes feita por Taiguara se encaixa ao esp�rito livre do artista.
“De noite na cama” (1971)
M�sica que Caetano Veloso fez no ex�lio, em Londres, sob encomenda para o disco de Erasmo.
“Grilos” (1972)
De inspira��o hippie, traz uma fase pr�-religiosa de Roberto, que tamb�m assina a can��o, com o verso "se o mundo pesa, n�o vai ser de reza que voc� vai viver".
“Detalhes” (1980)
De seu disco de duetos, essa grava��o, uma das mais bonitas que a can��o recebeu, com a participa��o de Gal Costa, faz lembrar que Erasmo tamb�m � o compositor desse cl�ssico.
“Mulher” (1981)
De cunho pessoal, sobre sua rela��o com a esposa, Narinha, e os filhos, a can��o � um hino feminista e ressalta a beleza e a for�a da mulher.
“Pega na mentira” (1981)
Letra divertida que caiu no gosto popular. Trocando-se alguns personagens citados nos versos, continua atual.
“Mesmo que seja eu” (1982)
Com versos provocativos, fala de um cantor de r�dio que povoa a imagina��o de uma garota solit�ria. Marina e Ney Matogrosso tamb�m a gravaram.
“Mais uma na multid�o” (2001)
Do �lbum “Pra falar de amor”, contou com a participa��o de Marisa Monte. Tema de novela, colocou o compositor novamente nas paradas.