
Um dos principais expoentes do que veio a ser chamado de cinema negro brasileiro , o diretor mineiro Joel Zito Ara�jo ganha, a partir desta quinta-feira (22/07), mostra retrospectiva de seus primeiro filmes, antes do sucesso do document�rio “A nega��o do Brasil” (2000), sobre a (falta de) representatividade negra na teledramaturgia brasileira.
www.mostrajoelzitoaraujo.com.br
. Os t�tulos tamb�m ser�o exibidos paralelamente pela
TV dos Trabalhadores
(TVT).
Nove curtas e m�dias-metragens, lan�ados entre 1987 e 1997, ficam dispon�veis on-line at� 1º de agosto pr�ximo, gratuitamente, no site
"Nossos bravos" (1987), "Mem�rias de classe" (1989), "Almerinda, uma mulher de trinta" (1991), "Alma negra da cidade" (1991), "S�o Paulo abra�a Mandela" (1991), "Homens de rua" (1991), "Retrato em preto e branco" (1992), "Eu, mulher negra" (1994) e "A exce��o e a regra" (1997) s�o os t�tulos em cartaz. As tem�ticas variam em torno da
negritude
,
feminismo
e movimentos
oper�rios
e
sindicais
.
''Se coisas t�o consensuais e estabelecidas, como o formato do planeta Terra, n�s somos obrigados a debater novamente, imagina a quest�o racial, que o Brasil n�o consegue superar at� hoje. Ent�o, acho que todos esses meus filmes, assim como 'A nega��o do Brasil', para a minha tristeza, continuam sendo extremamente atuais''
Joel Zito Ara�jo, cineasta
DEBATES
A programa��o da Mostra ainda inclui tr�s debates com especialistas sobre as quest�es retratadas nas obras: "Das f�bricas �s ruas: Mem�rias e atualidade das lutas trabalhistas" (26/07), "Vanguarda das lutas: Mulheres negras na conquista de direitos" (28/7) e "Movimentos negros: Faces de uma luta coletiva" (30/07). As conversas s�o mediadas pelo cr�tico de cinema Juliano Gomes. O encerramento ser� com uma masterclass de Joel Zito Ara�jo, em 1º de agosto, �s 19h30.
Joel Zito se diz surpreso com a proposta da mostra, focada no in�cio de sua carreira, com repert�rio de dif�cil acesso para o p�blico em geral. Ele confessa que algumas das obras selecionadas, inclusive, estavam perdidas e os organizadores o ajudaram a recuper�-las. Natural de Nanuque (MG), o cineasta descreve o processo de revisitar esses t�tulos.
“Hoje eu percebo que eles dialogam n�o s� com as tem�ticas daquele per�odo, como a efervesc�ncia do movimento sindical, que vai desembocar na forma��o do governo Lula e Dilma, como tamb�m acompanharam a emerg�ncia do debate racial. Nos anos 1990, a quest�o racial era considerada um probelma dos negros, como se a sociedade branca n�o tivesse nenhuma rela��o com isso”, afirma.
As perspectivas sobre o movimento negro e o feminista, abordados na filmografia do diretor, sofreram grandes transforma��es ao longo das �ltimas d�cadas. Aos 66 anos, Joel Zita nota algumas diferen�as em seu pr�prio olhar ao assistir, por exemplo, a “S�o Paulo abra�a Mandela” (1992), quando ele registrou a primeira visita do ex-presidente da �frica do Sul Nelson Mandela (1918-2013) ao Brasil.

FOR�A
“Revendo esse material, vejo a milit�ncia das mulheres negras para colocar a Winnie Mandela na mesma estatura do Mandela. A Winnie foi muito presente l� na viagem, as mulheres n�o deixaram em nenhum momento que a coisa da luta contra o apartheid ficasse concentrada s� no Mandela”, diz.
“Percebo agora que essa for�a das mulheres negras, que � n�tida hoje, estava presente l� atr�s. Inclusive, essas que est�o a� hoje, felizmente, galgando postos na ind�stria audiovisual, s�o efetivamente filhas daquelas que l� em 1992 estavam lutando pelo reconhecimento da import�ncia da Winnie Mandela”, aponta o cineasta.
Ele tamb�m recorda com carinho a experi�ncia de conviver alguns dias com Nelson Mandela. “Foi uma li��o de vida acompanhar Mandela e Winnie. Ele � o rei e ela, a rainha. Fiquei muito impressionado, principalmente com a postura do Mandela, o jeito dele, a forma de lideran�a, essa coisa muito tranquila. Ele � um nobre afric�nes, foi muito interessante.”
Joel Zito Ara�jo comenta que “estava, por uma quest�o de milit�ncia, de sobreviv�ncia, muito ligado � tem�tica da forma��o sindical” no in�cio de sua carreira. O seu primeiro curta, "Nossos bravos" (1987), retrata as movimenta��es trabalhistas no in�cio do s�culo 20 e reconstr�i parte da hist�ria do sindicalismo brasileiro. O diretor deu �nfase para o papel desempenhado pelos oper�rios negros nas manifesta��es, o que ainda � pouco reconhecido.
“A historiografia oficial brasileira sempre destacou os imigrantes italianos ou espanh�is, especialmente os anarquistas, como os grandes oper�rios. Mas eu encontro nesse filme de 1987 muitas fotos de oper�rios negros no poste, fazendo discurso”, cita.
A abordagem da quest�o racial se tornou a principal marca do seu trabalho nos anos 1990. "Retrato em preto e branco" (1992) denuncia a persist�ncia do racismo na sociedade brasileira. A ideia da democracia racial no pa�s � contrastada com os estere�tipos negativos vinculados � popula��o negra na televis�o brasileira.

JUSTI�A
"A exce��o e a regra" (1997) investiga como o tema � tratado pela Justi�a brasileira por meio da hist�ria de Vicente do Esp�rito Santo, a primeira v�tima de racismo que ganhou uma a��o no Tribunal Superior do Trabalho e alcan�ou visibilidade no hor�rio nobre da TV Globo. Joel Zito lamenta o fato de a realidade narrada nas obras ainda continuar evidente no Brasil.
“Se coisas t�o consensuais e estabelecidas, como o formato do planeta Terra, n�s somos obrigados a debater novamente, imagina a quest�o racial, que o Brasil n�o consegue superar at� hoje. Ent�o, acho que todos esses meus filmes, assim como ‘A nega��o do Brasil’, para a minha tristeza, continuam sendo extremamente atuais”, afirma.
O feminismo � o foco de duas produ��es dispon�veis na mostra. "Almerinda, uma mulher de trinta" (1991) conta a hist�ria da militante feminista Almerinda Farias Gama, que lutou pelo direito do voto da mulher no Brasil, na Constituinte de 1934. “Eu, mulher negra” (1994) aborda os problemas e desafios enfrentados para o cuidado com a sa�de reprodutiva das cidad�s negras no Brasil. Joel confessa que a vontade de tratar o assunto vem de ber�o, principalmente a partir da rela��o com sua m�e.
“Eu tive um ambiente muito feminino, de mulheres fortes. Ent�o, essa coisa espelha, digamos, uma paix�o edipiana pela minha m�e e esse entorno. Minhas irm�s, a minha esposa, as minhas filhas s�o mulheres muito fortes. Isso me tornou muito sens�vel �s pautas feministas. A quest�o racial eu sempre quis debater, mas a quest�o da mulher negra veio espontaneamente, naturalmente”, revela.
O diretor acredita que a mostra sintetiza dois elementos que foram evoluindo ao longo da sua carreira. Primeiramente, a preocupa��o com a f�rmula narrativa dos filmes. “Sempre fui muito atento a estruturas e dispositivos narrativos. Voc� vai ver nesses trabalhos uma experimenta��o desses elementos, acho que isso vai me amadurecer enquanto documentarista.”
Al�m disso, ele cita o refinamento da an�lise sobre a quest�o racial brasileira nas produ��es, at� o debate sobre a participa��o dos negros na m�dia brasileira, tema de “A nega��o do Brasil”, que se tornou seu grande foco. Ao longo da carreira, o diretor mineiro notou a emerg�ncia e a organiza��o do cinema negro no cen�rio nacional. Embora seja um dos principais respons�veis pelo movimento, Joel Zito n�o aprova o nome.
CINEMA BRANCO
“N�o gosto muito desse nome ‘cinema negro’, acho t�o injusto com a gente, porque uma vez que 56% da popula��o brasileira � assumidamente negra e parda, nos nossos filmes a gente busca espelhar essa diversidade do pa�s. Tem muito branco fazendo cinema que se passa no Brasil e voc� n�o v� um negro. Acho que eles n�o fazem cinema brasileiro, n�s que fazemos cinema braileiro, eles fazem cinema branco.”
Embora admita o inc�modo com a terminologia, o diretor avalia que o debate sobre o local de fala � absolutamente necess�rio para retratar diferentes realidades e pontos de vista no cinema. “N�o d� para achar que uma pessoa negra percebe o pa�s igual a uma branca, s�o olhares distintos. O cinema e as artes, em um pa�s democr�tico, t�m que dar a oportunidade para esses diferentes olhares.”
Joel Zito aponta que o olhar negro e o ind�gena foram historicamente inviabilizados e massacrados no Brasil. Para ele, a sociedade s� vai alcan�ar uma verdadeira democracia racial investindo para que diferentes gera��es possam manifestar sua subjetividade.
“Tenho desconforto com a palavra cinema negro, acho que a gente faz cinema brasileiro. Mas meu desconforto n�o minimiza a import�ncia de ter mecanismos de incentivo para assegurar que diferentes olhares possam se expressar nas narrativas de cinema”, conclui.
*Estagi�rio sob supervis�o da editora Silvana Arantes
MOSTRA JOEL ZITO ARA�JO – UMA D�CADA EM V�DEO (1987-1997)
Desta quinta (22/07) a 1º/08, no site
www.mostrajoelzitoaraujo.com.br
. Gratuita. Masterclass de encerramento, dia 1º/08, �s 19h30, com Joel Zito Ara�jo.