
Lan�ado em 2019 no Festival de Cinema de Bras�lia, o document�rio “Eu, um outro”, de Silvia Godinho, tamb�m n�o chegou �s salas no per�odo previsto em virtude da crise sanit�ria. E tamb�m n�o pode vir a p�blico neste momento.
As hist�rias se repetem, seja com diretores, produtores, roteiristas, atores, t�cnicos, abrangendo a extensa rede de profissionais que atuam no setor audiovisual. Est� tudo parado no meio de entraves burocr�ticos e perguntas sem respostas. Verbas aprovadas por meio de editais e concursos p�blicos que fazem a m�quina do cinema girar simplesmente n�o saem. A pandemia n�o foi o in�cio da crise, s� a intensificou.
Projeto de autoria do senador Paulo Rocha (PT/PA) em tramita��o no Senado Federal, a chamada Lei Paulo Gustavo (Projeto de Lei 73/2021) � vista como a t�bua de salva��o. Ela prev� injetar R$ 4,4 bilh�es do or�amento no setor cultural. Com a proposta de cunho emergencial, os recursos previstos no Fundo Nacional de Cultura (FNC) n�o poderiam ser utilizados para outros fins.

OR�AMENTO
A Lei Paulo Gustavo, que homenageia o ator morto em maio, n�o tem nenhuma rela��o com a Lei Rouanet. Ela seria viabilizada via FNC, que foi criado em 1986, cinco anos antes da Rouanet. Esta concede incentivos fiscais para empresas que patrocinam eventos culturais. J� o FNC prev� o repasse de recursos do or�amento diretamente a projetos culturais, por meio de editais.
“Achamos que, com o calend�rio andando bem, a lei poder� ser regulamentada pelo governo federal entre outubro e novembro. � ela que vai salvar a produ��o audiovisual brasileira para que tenhamos novos filmes em dois, tr�s anos, nos festivais, que novas s�ries de TV cheguem �s plataformas de streaming”, afirma o diretor Guilherme Fi�za, presidente do Sindicato da Ind�stria do Audiovisual de Minas Gerais.
Em 2018, em seu auge, o setor audiovisual empregava mais de 300 mil pessoas direta e indiretamente no pa�s. Movimentava R$ 24 bilh�es, o equivalente a 0,46% do Produto Interno Bruto (PIB), superando inclusive o da ind�stria farmac�utica.
“A situa��o, de tr�s anos para c�, se agrava a cada dia. A produ��o est� paralisada, e as produtoras est�o encolhendo por serem impedidas de trabalhar”, afirma Simone Matos, produtora e diretora da Quimera Filmes, que produz “O lodo”, e diretora-executiva e institucional do Sindav-MG.
At� tr�s anos atr�s vista como s�mbolo da expans�o da chamada economia criativa, a Ag�ncia Nacional de Cinema (Ancine), �rg�o que regula e fomenta o setor, passou a sofrer um desmonte. “A ag�ncia veio se arrastando no final do governo Temer (2016-2018), o que acabou se consolidando no governo Bolsonaro (2019). Com a paralisa��o da Ancine, n�o h� condi��es de buscar financiamento para novos projetos. A� vem a pandemia e deixa o mercado de ponta-cabe�a. Quem tinha filme para lan�ar n�o lan�ou, n�o filmou, n�o produziu”, diz Fiuza, ele mesmo aguardando h� dois anos a libera��o de uma verba da Ancine para come�ar a produzir a s�rie de anima��o “Cosmo, o cosmonauta”.
O entrave federal tamb�m se reflete no n�vel estadual, afirmam os profissionais. “Minas sempre teve uma import�ncia cultural muito grande no Brasil e, atualmente, n�o tem uma pol�tica � altura. Desde que este governo tomou posse, tivemos uma sequ�ncia de secret�rios e n�o aconteceu nada. A Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult) n�o disse a que veio. N�o h� um edital de fomento � produ��o, ent�o os projetos n�o se viabilizam”, afirma Helv�cio Ratton.
O cineasta diz que uma “falta de di�logo do estado” pode repercutir, caso a Lei Paulo Gustavo seja aprovada. “Ali s�o recursos que, por direito, pertencem � pr�pria cultura audiovisual. E para voc� construir uma aplica��o da lei, tem que dialogar com o setor. Caso o projeto seja aprovado, me preocupa a maneira como ser� feita a destina��o dos recursos.”

EDITAIS
Silvia Godinho tem opini�o semelhante. “O governo (estadual) parece confundir cultura com turismo, que s�o conceitos distintos. Est� pensando editais que n�o contemplam a necessidade do setor. Tenho medo de que isso se reflita nas decis�es da Lei Paulo Gustavo”, diz ela. Silvia referiu-se aos editais FEC 03/2021 e FEC 04/2021, que, lan�ados em maio passado, provocaram indigna��o de profissionais do setor por exigir temas como a gastronomia e a cultura popular para a produ��o de curtas de baixo or�amento.
“O lodo”, que ser� distribu�do pela Cineart, tamb�m um grupo mineiro, aguarda a libera��o de verba para seu lan�amento. Os recursos para esse fim foram aprovados em edital de 2019 de Coinvestimentos Regionais realizado no Polo Audiovisual da Zona da Mata, mas at� hoje a Ancine n�o liberou os recursos, segundo os produtores.
J� “Eu, um outro” est� em compasso de espera de um retorno da ag�ncia reguladora para distribuir o filme. “Al�m disso, ele foi feito em parceria com o estado. Enviei h� dois meses um of�cio solicitando uma carta de anu�ncia para lan��-lo em plataformas digitais em vez de salas de cinema. A posi��o que deram � de que, como n�o existe uma diretoria de audiovisual no estado, n�o tem quem assine o documento. Falo com tranquilidade que o audiovisual mineiro est� em seu pior momento dos �ltimos 30 anos”, diz Silvia.
ERRO DE C�LCULO
As hist�rias se repetem em outros segmentos do setor. Fundadora da Le Petit, produtora que h� 21 anos realiza a mostra Curta-Circuito, Daniela Fernandes foi pega de surpresa na �ltima semana, quando recebeu um retorno da Secult. O documento enviado aos vencedores do edital Arte Salva 04 – Exibe Minas (2020) informava que houve um erro de c�lculo e que o valor da premia��o (via Fundo Estadual de Cultural) seria menor.
Al�m disso, um atraso no cronograma vai fazer com que a verba saia somente em dezembro, seis meses ap�s o planejado. “S� vou conseguir realizar o festival (em outubro, on-line, sobre m�sica no cinema brasileiro) porque ele tem o apoio da Lei Municipal de Cultura. Mas tive que diminu�-lo. Se fosse s� com os recursos do Exibe Minas, eu teria que cancel�-lo”, afirma Daniela. O pr�mio do edital de 2020 ser� utilizado para a edi��o de 2022 do Curta-Circuito.
Curadora e professora de cinema, Tatiana Carvalho, conselheira da Regi�o Sudeste da Associa��o dos Profissionais do Audiovisual Negro (Apan), comenta que a situa��o dos profissionais negros e ind�genas � ainda pior.
“N�o s�o pessoas que est�o em posi��es mais altas na hierarquia do mercado. Trabalham por projeto, est�o na base da pir�mide em fun��es operacionais que dependem das atividades presenciais: assistentes de dire��o, de produ��o, figurino, alimenta��o, transporte, maquiagem. Ent�o, foram absurdamente impactadas pela pandemia”, comenta.
Na opini�o de Tatiana, a Secult poderia ter “feito muito mais” por esses trabalhadores. “O governo de Minas n�o tem nenhum levantamento robusto sobre ra�a, g�nero ou nenhum marcador efetivo relacionado �s a��es do setor. O que h� � um registro muito fr�gil a partir do que as pessoas voluntariamente preenchem nos formul�rios de inscri��o para os editais, como o da Lei Aldir Blanc. Ou seja: o governo n�o produz dados para implementar pol�ticas de a��es afirmativas que sejam efetivas porque n�o tem informa��es para planej�-las.”
Para ela, � poss�vel corrigir tal quest�o em futuros editais. “Se eles passarem a demandar autodeclara��o – de ra�a, g�nero e outros marcadores – o governo poder� produzir dados e, assim, desenvolver as a��es com maior embasamento e efic�cia.” Sobre o projeto de lei Paulo Gustavo, Tatiana afirma que � uma oportunidade para fazer a economia girar. “Mas temos que pensar tamb�m o que uma a��o afirmativa pode trazer de efeito a m�dio e longo prazos, para que o setor seja efetivamente inclusivo.”
ENTENDA O PROJETO DE LEI
O que � a Lei Paulo Gustavo
De autoria do senador Paulo Rocha (PT/PA) e da bancada do partido no Senado, o Projeto de Lei 73/2021 prev� que a Uni�o repasse aos estados, Distrito Federal e munic�pios R$ 3,8 bilh�es. Quase R$ 2,8 bilh�es desse valor seriam destinados para o setor audiovisual, apoiando produ��es, salas de cinemas, cineclubes, mostras e festivais e a��es de capacita��o. O restante, R$ 1,065 bilh�o, ficaria reservado para editais e chamadas p�blicas para apoio a projetos e iniciativas culturais.
De onde v�m os recursos
Os recursos v�m do super�vit financeiro do Fundo Nacional de Cultura (FNC). A previs�o de R$ 2,8 bilh�es se refere a fontes de recursos que foram alocados originalmente no Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e cobrados da pr�pria cadeia, devendo por lei (Lei 11.437/2006) ser direcionados somente para a �rea. Tamb�m est�o previstos R$ 150 milh�es de contrapartida de estados, DF e munic�pios e R$ 342 milh�es desbloqueados do FNC na Lei Or�ament�ria Anual (LOA 2021), totalizando R$ 4,3 bilh�es para auxiliar o setor cultural.
Novidades
A partir da experi�ncia com a Lei Aldir Blanc, o projeto traz novas proposi��es. A desburocratiza��o dos processos e o estabelecimento de um prazo mais extenso para a execu��o, com data de realiza��o at� dezembro de 2022 e presta��o de contas da classe at� agosto de 2023, est�o em pauta. O projeto ainda prev� crit�rios ou cotas em benef�cio de mulheres, negros, ind�genas e outras minorias, de acordo com sua realidade local.
