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Estado de Minas LITERATURA

Juli�n Fuks faz alentado estudo cr�tico sobre o romance

Em seu novo livro, "Romance: Hist�ria de uma ideia", escritor ajuda a compreender o atual estado do g�nero liter�rio e quais caminhos tem pela frente


26/07/2021 04:00 - atualizado 26/07/2021 09:26

Em seu novo livro, Julián Fuks ajuda a compreender o atual estado do romance e quais caminhos tem pela frente
Em seu novo livro, Juli�n Fuks ajuda a compreender o atual estado do romance e quais caminhos tem pela frente (foto: Pablo Saborido))

 
"Quem seria cr�tico se pudesse ser escritor?", indagou o tit� da cr�tica liter�ria George Steiner. A dicotomia impl�cita em sua pergunta, no entanto, parece ruir: em entrevista publicada postumamente, o pr�prio Steiner admitiu que seu principal arrependimento foi nunca ter se arriscado na literatura ; o maior cr�tico da atualidade, o ingl�s James Wood, acaba de lan�ar no Brasil seu segundo romance de fic��o, “Upstate”, e um dos principais ficcionistas brasileiros, Juli�n Fuks, autor entre outros livros do multipremiado “A resist�ncia”, acaba de lan�ar um alentado estudo cr�tico sobre a hist�ria do romance – ou algo parecido.
 
Isso porque o pr�prio Fuks entrega os pontos logo de cara no livro , dizendo que escrever a hist�ria do romance seria imposs�vel. O que ele empreende em “Romance: Hist�ria de uma ideia” (Companhia das Letras) � mais um passeio pela evolu��o do conceito de realismo, ou seja, o que os principais autores de cada gera��o almejaram com suas obras.
 
%u201CROMANCE %u2013 HISTÓRIA DE UMA IDEIA%u201D De Julián Fuks Companhia das Letras 216 páginas Preço sugerido: R$ 59,90
%u201CROMANCE %u2013 HIST�RIA DE UMA IDEIA%u201D De Juli�n Fuks Companhia das Letras 216 p�ginas Pre�o sugerido: R$ 59,90 (foto: Reprodu��o)
 
 
A tese de Fuks � de que o romance tem como principal aspira��o o retrato fiel da realidade – embora os meios para se chegar a esse retrato variem muito ao longo de sua hist�ria, compreendendo desde autores que mimetizam o real nos m�nimos detalhes, como o Tolstoi de “Guerra e paz”, at� quem busque o real na fantasia, como o Garc�a M�rquez de “Cem anos de solid�o”. Por isso, uma das principais caracter�sticas do g�nero romanesco � o paradoxo: a cada vez que ele se afirma, ele tende a se negar em seguida; a cada vez que provoca ruptura, tamb�m presta tributo � tradi��o.
 
H� diversas origens poss�veis para o que chamamos hoje de romance liter�rio: autores latinos que, ainda nos primeiros s�culos da era comum, deixaram de lado a linguagem po�tica ou teatral e se aventuraram a contar hist�rias em prosa, como o s�rio Luciano de Sam�sata e o num�dio Apuleio, ambos vivendo sob Roma; a grande escritora japonesa do s�culo 11 Murasaki Shikibu, autora de “Genji Monogatari”; ou o renascentista franc�s Fran�ois Rabelais, tido por Mikhail Bakhtin como grande precursor da literatura moderna.
 
Fuks, entretanto, ensaia outras origens para o romance moderno: “Dom Quixote de la Mancha” (1605), de Miguel de Cervantes, em que, "como nunca antes, se dramatiza a rela��o entre o indiv�duo e os interesses sociais, culturais e pol�ticos"; e “Robinson Crusoe” (1715), de Daniel Defoe, cuja aventura "n�o � a da ilus�o nost�lgica, n�o � a da antiquada loucura, e sim a do lucro a ser alcan�ado pelo mais racional empreendedorismo". Mas ambas s�o descartadas, "porque a modernidade ainda n�o estava constitu�da".
 

"O romance se v� hoje numa certa encruzilhada. Ele n�o est� com os caminhos bem estabelecidos e definidos, h� um contexto de disputa"

 
 
Finalmente, seu estudo encontra em “O vermelho e o negro” (1830), de Stendhal, uma base de partida mais s�lida. "� Julien Sorel, e n�o Quixote, e n�o Crusoe, o homem solit�rio que parte � procura de um sentido, sabendo dessa vez que n�o o encontrar� em lugar algum, que todo empenho seu h� de ser infrut�fero." Fuks afirma que, de acordo com o cr�tico alem�o Erich Auerbach, a obra de Stendhal funda o romance moderno "pelo radicalismo com que enquadra a vida de um homem numa realidade hist�rica concreta, em evolu��o constante, sem uma imagem modelar de sociedade, sem concess�o a ilus�es ou a falsos idealismos".
 
A partir de Stendhal, Fuks faz ent�o um passeio pela ascens�o, apogeu e crise do romance, por nomes como Balzac, Flaubert, Dostoievski, Tolstoi, Proust, Joyce, Woolf, Beckett, Cort�zar, Garc�a M�rquez e Sebald at� chegar ao contempor�neo Coetzee. Embora seja um recorte bastante espec�fico, o estudo de Fuks � de grande utilidade para iluminar aspectos do realismo ao longo da hist�ria e para compreender o atual estado do romance e quais caminhos ele tem pela frente. Leia trechos da entrevista concedida por Juli�n Fuks � reportagem por videochamada.
 

"Ent�o me pus a construir duas carreiras simult�neas, me dividindo entre a fic��o e o estudo da literatura, mas aos poucos fui me dando conta de que ambas eram o mesmo of�cio"

 
 
 
Como a pesquisa acad�mica impacta sua fic��o?
Todo escritor est� pensando seu of�cio. Cada romance guarda em si em alguma medida uma teoria pr�pria do romance, se apresenta como uma proposta est�tica, uma forma que vai ser assimilada tanto vivencial quanto teoricamente pelo leitor. Isso est� por toda parte, mas eu mesmo sempre me vi muito propenso a pensar a literatura antes de escrever. Em algum momento defini que seria escritor, mas sempre vivi uma s�rie de obst�culos, travas, que me levavam a estudar literatura. Achava que a melhor maneira de me aproximar do of�cio era conhecer intimamente os dramas de outros escritores. Ent�o me pus a construir duas carreiras simult�neas, me dividindo entre a fic��o e o estudo da literatura, mas aos poucos fui me dando conta de que ambas eram o mesmo of�cio, a mesma preocupa��o, o mesmo olhar, com duas maneiras distintas de expressar, e �s vezes nem t�o distintas assim. Sem d�vida, esse trabalho, que foi o mais sistem�tico e completo poss�vel que eu pude fazer com a forma do romance, que � a que mais tem me interessado literariamente, com certeza vai guardar alguma rela��o com tudo o que eu vier a escrever no futuro.

O que permaneceu imut�vel de Cervantes, Defoe e Stendhal at� a contemporaneidade?
A figura que mais utilizo e que parece mais precisa para descrever os movimentos do romance � o paradoxo; ent�o, o que h� de mais imut�vel � sua forma em constante muta��o. Se vemos quais s�o as marcas flex�veis, male�veis do romance, uma delas � essa ambi��o, essa tentativa m�xima de aproxima��o do real. O romance � o que tentou chegar mais perto da experi�ncia do indiv�duo no mundo, narrar com precis�o e acur�cia o que se d� ao nosso redor e na nossa intimidade. Isso � um tra�o fundamental que vai se renovando com o tempo porque a maneira de se aproximar do real vai se tornando sempre insatisfat�ria.

O que o romance tem, de Stendhal para c�, que o diferencie de ficcionistas em prosa da Antiguidade?
Existiria outra forma de pensar a origem do romance que torna seu tempo mais dilatado e busca a origem na narrativa grega em prosa de mil�nios atr�s. Seria uma aceita��o de caracter�sticas muito diferentes, de um conjunto de procedimentos que mais dizem respeito a como narrar. Interessaria no romance simplesmente a narrativa de certo f�lego. Isso seria a �nica marca poss�vel de se depreender e com isso chegar�amos aos romances antigos e os incorporar�amos. Mas sem d�vida h� alguns tra�os distintivos no romance moderno, como o foco maior no indiv�duo, em suas circunst�ncias concretas e a rela��o com seu tempo e sua sociedade. Existe uma s�rie de caracter�sticas que n�o se apresentavam (na Antiguidade) a n�o ser como pren�ncios.

A todo momento voc� explora a ideia do paradoxo que � o romance, que enquanto ainda est� em constru��o j� � ru�na, quando se proclama seu auge, j� se anuncia sua crise. Quais s�o os paradoxos do romance hoje?
O romance se v� hoje numa certa encruzilhada. Ele n�o est� com os caminhos bem estabelecidos e definidos, h� um contexto de disputa. H� quem defenda um retorno, em linhas gerais, �s possibilidades narrativas, expressivas e representativas do s�culo 19, um retorno ao tempo do apogeu, � possibilidade de constru��o de uma narra��o que reflita o mundo tal como se apresenta ao nosso redor. H� aqueles que veem no romance a necessidade da reflex�o formal, que veem a pertin�ncia do romance na sua convuls�o, na sua disposi��o de transformar-se a si mesmo continuamente e pensar a finalidade do pr�prio narrar. Ao mesmo tempo h� a tentativa de buscar a concilia��o desses pendores e tocar o real com uma linguagem nova. A gente est� sempre imerso num conjunto de tens�es que nunca se resolvem. N�o chegaremos a essa solu��o. O escritor resolve se aproximar mais de uma ou de outra tend�ncia, respeitando alguma conven��o liter�ria ou tentando romper com alguma conven��o. Os escritores est�o sempre num limiar entre pr�ticas que os afundam numa certa instabilidade. Isso em alguns sentidos � paralisante e em outros pode ser muito produtivo.

Seria a hist�ria do romance, ent�o, n�o a hist�ria do realismo, conforme seu livro sugere, mas a hist�ria da apreens�o do real por vias que subvertem o realismo?
Se a gente visita a hist�ria do romance e v� que ela est� constantemente em disputa, a disputa se d� entre realismo e antirrealismo, entre realismo e outra coisa. O romance se cria e imediatamente ganha for�a como realista, mas, ao mesmo tempo, se criam seus ant�podas, os escritores antirrealistas, escritores contra o romance. A hist�ria do romance � tamb�m a hist�ria do antirromance. De fato, temos simultaneamente a tese e a ant�tese. Temos uma tentativa positiva de constru��o de um g�nero e uma negativa de destrui��o, mas que tem tamb�m muito valor criativo. � um conflito que mant�m o g�nero em movimento. O realismo talvez seja a marca central do romance, mas t�o potente quanto ele s�o as in�meras formas de resist�ncia ao realismo. (Estad�o Conte�do) 


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