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Estado de Minas LITERATURA

Livros de Jarid Arraes e Nat�lia Polesso dialogam com a ang�stia pand�mica

Romance 'A extin��o das abelhas' narra hist�ria p�s-COVID, enquanto poemas de 'Um buraco com meu nome' exp�em as feridas abertas da crise social


04/08/2021 04:00 - atualizado 03/08/2021 21:28

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Em "Um buraco com meu nome", Jarid Arraes denuncia feridas sociais como a intoler�ncia e o racismo (foto: Jarid Arraes.com/reprodu��o )

� um mundo de caos, em colapso, sofrido, violento e discriminat�rio que Jarid Arraes e Nat�lia Borges Polesso descrevem em seus novos livros. Origin�rias de geografias completamente diferentes – Jarid � cearense e Nat�lia, ga�cha –, mas com perspectiva compartilhada no olhar para a diversidade e a diferen�a, as autoras deveriam entrar no radar dos interessados em acompanhar como a literatura brasileira dialoga com a contemporaneidade.

Nat�lia Borges Polesso come�ou a escrever “A extin��o das abelhas” em 2016. Antes, portanto, da pandemia do coronav�rus. Mas a narrativa j� trazia uma esp�cie de morte anunciada. Ancorada na observa��o do caos ecol�gico que assola o planeta h� d�cadas, na deteriora��o das rela��es e das institui��es e na maneira como a sociedade vive e entende o mundo no s�culo 21, Nat�lia criou o universo do romance, cuja hist�ria se passa num futuro pr�ximo, ap�s a pandemia, mas com esta ainda bem viva na mem�ria.

FUTURO 

“Viver prestando aten��o nas coisas que t�m acontecido fez com que essas preocupa��es virassem uma quest�o liter�ria para mim”, explica a autora. “Tem a preocupa��o com o futuro, porque, apesar de se passar daqui a alguns anos, � um livro conectado com o presente, tratando dos colapsos que j� est�o acontecendo, de coisas a que a gente vem assistindo: mudan�as sociais, uso de pesticidas, acidentes ecol�gicos, aumento de temperatura, inseguran�a alimentar. Coisas que estamos vivendo com mais intensidade de uns tempos para c� e a pandemia ressaltou. Talvez por isso o livro ecoe tanto.”

“A extin��o das abelhas” � dividido em tr�s partes. A primeira, com duas linhas narrativas. Regina mora no Sul e sobreviveu � pandemia de 2020. Filha de Lupe, que fugiu com o circo e abandonou a menina com o pai quando era crian�a, Regina carrega um olhar cr�tico e pessimista. Ela �, como diz Nat�lia, o colapso em pessoa.

O mundo em que vive com a namorada, prestes a deix�-la, foi devastado pela m� gest�o ecol�gica dos humanos. A comida � escassa, o emprego, tamb�m. As institui��es desmoronam rapidamente, a mis�ria se espalha. As rela��es humanas se decomp�em a ponto de homossexuais serem alvos da viol�ncia que j� se tornou “natural”.

Cada cap�tulo do romance tem como t�tulo uma palavra ou express�o que encerra a ideia do cap�tulo anterior. � assim que a autora amarra a narrativa n�o cronol�gica com a hist�ria de Lupe, m�e de Regina e personagem que traz camadas complexas, dif�cil de decifrar.

Lupe nasceu da vontade de Nat�lia de explorar a diversidade. “O livro trabalha a quest�o de como a gente entende as rela��es”, avisa. “Lupe � muito livre nesse sentido. Pensando arquetipicamente na personagem, eu queria algu�m que tivesse um espectro dentro da neurodiversidade menos pr�ximo do que a gente entende por normal.”

A hist�ria se encadeia de uma forma que fica dif�cil abandonar a leitura. Regina lembra o desencanto e o desespero um tanto inevit�vel diante do caos social, pol�tico e humanit�rio dos �ltimos dois anos. Como a personagem se sair� pode ser o pren�ncio de como aqueles que est�o informados sobre a situa��o atual se comportar�o.

LUTA 

Nat�lia avisa, no entanto, que n�o quis dar ao romance uma nota de pessimismo, embora ela mesma esteja mergulhada em certo des�nimo.

“Estou pessimista, e � mesmo uma luta di�ria tentar achar um caminho de esperan�a, porque � muito injusto com as pessoas que est�o na luta h� muito mais tempo. O livro � sobre isso, porque esses fins de mundo aconteceram muitas vezes. A pol�cia invadir o Jacarezinho atirando em todos � o fim. Ent�o, n�o posso ser pessimista e escrever um livro fatalista, pois a gente para de tentar viver. Queria alguma forma de concilia��o dos personagens e isso vem na forma de como a gente pode repensar o mundo, as escolhas”, diz.
(foto: Companhia das Letras/reprodução )
(foto: Companhia das Letras/reprodu��o )

“A EXTIN��O DAS ABELHAS”
.De Nat�lia Borges Polesso
.Companhia das Letras
.308 p�ginas
.R$ 69,90

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Em "A extin��o das abelhas", Nat�lia Borges Polesso imagina o desalento de sobreviventes da pandemia de 2020 (foto: Laine Bacarol/divulga��o )

Versos em carne viva

Quando Jarid Arraes come�ou a escrever “Um buraco com meu nome”, j� sabia que os poemas seriam destinados a um �nico livro. “N�o gosto da ideia de reunir poemas aleat�rios e junt�-los. Prefiro ter um direcionamento, contar uma hist�ria com o livro de poesias. Ent�o, tudo foi feito para o 'Um buraco com meu nome'”, avisa.

“Minha maior motiva��o era falar sobre os temas dif�ceis dos quais geralmente evitamos falar de forma t�o crua, falar do que � dif�cil mexer porque � carne viva. Os temas da nossa condi��o humana me provocam muito, me incomodam muito, e por isso escrevo.”

DORES 

Dividido em cinco partes, “Um buraco com meu nome” � um livro sobre dores. Quest�es humanas e existenciais compartilhadas por todos, apesar das diferen�as, pautam os versos de “Selvageria”, “Fera”, “Corpo aberto”, “Caverna” e “Poemas in�ditos”, se��es dedicadas ao que Jarid identifica como humano.

“Quando n�o somos a fera, somos a selvageria que cria a fera. Quando n�o estamos com o corpo aberto, estamos finalmente chegando a esse lugar que pode ser o lugar final, o lugar de conforto, abrigo ou de morte. A selvageria � o machismo, o racismo, a sa�de mental que foi atacada, a ang�stia das perguntas sem resposta, a agonia de perguntar, a capacidade de reagir, ainda que seja dif�cil”, explica. Uma selvageria que � perturbadoramente humana.

Abuso, racismo e discrimina��o s�o ideias bastante presentes nos poemas, e, assim como a dor e a viol�ncia, engrossam o processo po�tico de Jarid. “A silhueta paterna assombra/ os sonhos/ na penumbra das met�foras/ nas figuras de linguagem/ na literalidade das surras/ das pernas b�badas/ nas m�es chorosas/ roxas”, diz um verso.

Jarid conta que, como mulher, j� sofreu muita viol�ncia. Sabe identificar o machismo e o racismo, assim como outras formas de discrimina��o. Essa consci�ncia � fundamental para combater as agress�es. “Sou uma pessoa que acredita na possibilidade de transforma��o da sociedade em algo melhor”, diz.

“Meu pensamento era sempre voltado para as feridas sociais que temos em comum. Como mulheres ou pessoas negras, ind�genas, asi�ticas, ou como pessoas que enfrentam problemas de sa�de mental, ou ainda como gente que se angustia diante do mundo e de tanto absurdo. Isso tudo est� presente em todos os lugares, ao redor de todos n�s”, comenta.

FERA 

O t�tulo do livro nasceu antes mesmo de todos os poemas estarem prontos. A autora queria contar a hist�ria de uma mulher que vivencia a selvageria da sociedade e se torna fera, exp�e o pr�prio corpo e, ao final, se depara com um buraco com seu nome.

Cabe ao leitor imaginar que buraco seria esse e preench�-lo com ideias que podem ir do descanso e do al�vio � morte. Versos como “desistir � coragem dif�cil/ somos programados/ para tentar” lembram que � preciso seguir adiante.
A poesia, Jarid acredita, � uma forma de encarar a dor com uma linguagem altamente expressiva. “Acho a poesia maravilhosa pelo jeito t�o gigantesco que ela consegue segurar toda essa dor humana e pela linguagem po�tica expressar aquilo que um discurso bem articulado e bem planejado n�o consegue expressar”, acredita.

(foto: Alfaguara/reprodução)
(foto: Alfaguara/reprodu��o)
“UM BURACO COM MEU NOME”
.De Jarid Arraes
.Alfaguara
.174 p�ginas
.R$ 39,90

"Apesar de se passar daqui a alguns anos, � um livro conectado com o presente, tratando dos colapsos que j� est�o acontecendo, de coisas a que a gente vem assistindo: mudan�as sociais, uso de pesticidas, acidentes ecol�gicos"

Nat�lia Borges Polesso, romancista



"A selvageria � o machismo, o racismo, a sa�de mental que foi atacada, a ang�stia das perguntas sem resposta, a agonia de perguntar, a capacidade de reagir, ainda que seja dif�cil"

Jarid Arraes, poeta



TRECHOS

“No dia que anunciaram o colaps�metro como 'medida de de prote��o e seguran�a planet�ria', eu ri e chorei. Montaram um circo em Davos, a gente acompanhou pelas redes. Todos os palha�os, doidos e le�es decr�pitos que mandavam no mundo estavam l�. Sem m�gicos, no entanto. Ningu�m tiraria da lapela uma solu��o. Sem equilibristas. Ningu�m ponderou pr�s e contras com os n�meros sistematicamente apresentados pelas pesquisas. Nem faquires. Ningu�m estaria disposto a se deitar no ch�o duro ou engolir o metal que a gente sentia na garganta. S� aquela gente para a qual voc� tem nojo de olhar.”

. “A extin��o das abelhas”, de Nat�lia Borges Polesso


“conversas
cotidianas
s�o
assombradas
pelas trombetas
dos anjos
e os cavaleiros
se apressam
manando
pragas

s�o nossas
doen�as
gripes inflama��es
c�lulas podres
infec��es
s�o as enfermidades
psiqui�tricas
propositalmente
inseminadas
pelas espadas dos
anjos e os cascos
em ferro
das montarias
bestiais

e cada vez que o c�u
se abre
j� n�o esperamos sol
chuva tempestade
aguardamos a ira
de deus

o mundo gemendo
em fogo
ardendo nossas feridas
mas
o mundo est� acabando
desde o in�cio”

. “4”, poema de Jarid Arraes


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